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Luís Filipe Vieira usou a International Sports Fund Ltd para financiar um projeto em Moçambique. Esta sociedade, que o Ministério Público suspeita na Operação Cartão Vermelho ser do ex-presidente do Benfica, é controlada pelo empresário Bruno Macedo.
A Escom estava embrulhada em vários escândalos financeiros, o Banco Espírito Santo caíra há sete meses, o país estava em alvoroço. Decorria uma audição da Comissão Parlamentar de Inquérito quando uma deputada do PSD perguntou a Hélder José Bataglia dos Santos se um valor pago pela Sonangol a título de sinal havia sido transferido para alguma offshore.
Bataglia respondeu: “Não foi. Para ser transferido, teria de ser transferido para a holding que tem a minha participação, que é a Overview, que não foi…”
O Setenta e Quatro e a SIC receberam uma tranche de 30 mil ficheiros, 45 gigas de informação, sobre a Promovalor, principal empresa do grupo de Luís Filipe Vieira. Nesta tranche conseguimos analisar um negócio de Vieira em Moçambique que era até hoje desconhecido.
Este negócio envolvia a Overview e Hélder Bataglia. Ao analisarmos os dados contidos nos 30 mil ficheiros conseguimos também estabelecer uma nova ligação entre o ex-presidente do Benfica e Bruno Macedo, suspeito do Ministério Público, na Operação Cartão Vermelho, de ser o testa de ferro de Vieira. Nesse processo, Bruno Macedo está indiciado por crimes de abuso de confiança agravada, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e falsificação.
Bruno Macedo não respondeu aos nossos contactos. Luís Filipe Vieira recusou-nos vários pedidos de entrevista. Hélder Bataglia disse que não nos queria dar entrevista sobre este tema nem sobre “outro qualquer”.
O primeiro rasto que detetámos sobre esta parceria entre Hélder Bataglia e Luís Filipe Vieira foi nas escutas da Operação Marquês, processo que tem como alvo principal José Sócrates, mas que intercetou conversas fora da esfera da investigação do Ministério Público. Ao lermos as transcrições das escutas percebemos que Luís Filipe Vieira desistiu do negócio depois do furor mediático e das investigações judiciais que se sucederam à presença de Hélder Bataglia na audição da Comissão Parlamentar de Inquérito de 27 janeiro de 2015.
Faltavam pouco menos de três meses para a resolução do banco de Ricardo Salgado quando Vieira, no dia 14 de maio 2014, se reunia com Bataglia para acertar os pormenores da parceria. A assessorar o negócio e a estabelecer a ponte estava Pedro Ferreira Neto, antigo quadro da Escom, agora na Eaglestone, uma empresa de serviços financeiros e de assessoria de negócios na África Subsariana que também iria ser acionista da K-Tower.
A Escom é a sigla para Espírito Santo Comercial, uma das estruturas mais obscuras do Grupo Espírito Santo. Dois terços da Escom eram detidos pelo GES; o restante pertencia a Hélder Bataglia.
“A Escom funcionava como espécie de braço do Grupo Espírito Santo em Angola. Depressa passou para negócios dos diamantes, do petróleo e de empreendimentos imobiliários”, explica-nos Luís Garriapa, jornalista da SIC e editor de Sociedade. “O Banco Espírito Santo Angola era uma das fontes de financiamento da Escom, tal como o BES. A Escom chegou a ter um passivo de 300 milhões de euros nestes dois bancos para os seus projetos imobiliários.”
Os antigos administradores da Escom queriam formar um consórcio para desenvolver a K-Tower, uma torre de escritórios na avenida 25 de Setembro, em Maputo, Moçambique. O terreno foi comprado à Empresa Nacional de Correios de Moçambique, uma empresa estatal.
A análise que fizemos a estes dados indicam que Luís Filipe Vieira terá usado a International Sports Fund Limited para financiar este projeto numa primeira fase. A International Sports Fund é uma sociedade controlada pelo empresário Bruno Macedo, criada em 2011 no Delaware, nos Estados Unidos. Esta é uma das empresas detidas pelo empresário bracarense que o Ministério Público acredita ser, na realidade, do ex-presidente do Benfica. Segundo algumas atas, Bruno Macedo participou inclusive em reuniões como representante da família Vieira em que discutiram o desenvolvimento da K-Tower.
Estava firmado com o governo de Moçambique que o anúncio do projeto devia ser feito em setembro de 2014. O empreendimento teria uma sociedade própria para desenvolver a torre: a Liberty Real Estate. Para efeitos fiscais e para contornarem a leis de importação de capitais de Moçambique, a Eaglestone, a Overview e a Promovalor para, formalmente, ficarem donas da Liberty, teriam de criar veículos próprios, sediados no Dubai e nas Maurícias.
Era preciso, contudo, capitalizar a sociedade detentora da Liberty antes da criação desses veículos, pois demorariam algum tempo a ser registados; faltava pouco para anunciar o desenvolvimento da torre e para efetuar a escritura de compra do terreno. Para superar este constrangimento e capitalizar a Liberty, os acionistas decidiram avançar com capital, em forma de empréstimo, à Eaglestone NV, empresa principal da Eaglestone, sediada nos Países Baixos. Este dinheiro, depois reverteria para a Liberty.
É aqui que entra a sociedade investigada pelo Ministério Público. Entre 13 de agosto de 2014 e 14 de abril de 2015, a International Sports Fund terá emprestado, segundo vários documentos, 899,3 mil dólares à empresa holandesa.
A International Sports Fund nunca aparece em documentos de apresentação oficiais. Mas encontrámos vários ficheiros, planos de ação em formato excel e documentos rascunho, em que os empréstimos da Overview e da International Sports Fund são discriminados.
Nos documentos oficiais, em que estão detalhadas as datas da transferência de capital para Eaglestone NV, os nomes que constam em representação do ex-presidente do Benfica são “Família Vieira”, “Promovalor”, “veículo relacionado com a Promovalor” ou “Mr Tiago Vieira”.
Por vezes, nos documentos rascunho, a International Sports Fund Limited aparece como “International Sports Limited” , “Sports International Limited” ou “Promovalor Related Vehicle [veículo relacionado com a Promovalor]”. Nestes documentos, nunca constam as informações sobre a International Sports Fund: a jurisdição, que tipo de empresa é, a morada ou o número de registo.
Também encontrámos dois documentos em formato xls (usado para Excel) em que consta: “Adiantamentos Accionistas – Fazer um resumo da informação em falta e circular para PPC/TV/Bruno Macedo”. “PPC” é Pedro Pereira Coutinho, administrador da Eaglestone Moçambique. “TV” é Tiago Vieira.
Mais tarde, em janeiro de 2015, uma minuta de ata da quinta reunião do conselho de administração da Liberty demonstra-nos que a família Vieira já havia decidido a geografia onde ia registar o veículo para participar no desenvolvimento da K-Tower: no Dubai. “Tiago Vieira afirmou que o futuro veículo do Dubai (totalmente e somente detida pela família Vieira) será constituído na semana que começa a 19 de janeiro”, lê-se na minuta de ata da reunião.
Na fuga de 30 mil ficheiros conseguimos confirmar que Tiago Vieira e Bruno Macedo foram ao Dubai através de um balanço de despesas da Promovalor Moçambique SGPS, sociedade de Vieira que desenvolveu o edifício de escritórios Platinum. Neste documento estão discriminadas várias viagens da equipa da Promovalor em Moçambique.
O nome escolhido para este veículo no Dubai foi Seven Research & Consultancies, segundo um sumário executivo da Eaglestone de 23 de fevereiro de 2015. Nos ficheiros, não constam quaisquer informações adicionais sobre a Seven.
Mas quando o alvoroço mediático sobre Hélder Bataglia estava em alta, em maio, Vieira abandonou repentinamente o projeto e decidiu cessar os pagamentos à Eaglestone. Pedro Neto confirmou-nos por escrito que Vieira saiu do consórcio em 2015.
Nas transcrições das escutas da Operação Marquês, lemos que os quadros da Eaglestone discutiram que era necessário devolver o dinheiro a Vieira por uma questão de “boa-fé”. Mas Vieira teria de esperar um pouco.
O Ministério Público suspeita que Bruno Macedo fez circular dinheiro de forma dissimulada para as empresas da esfera de Vieira. Na Operação Cartão Vermelho revela-se que o empresário bracarense fez entrar dinheiro na International Sports Fund para uma conta deste veículo no Panamá. A maior parte desse capital é transferido posteriormente para a Springlabyrinth, uma sociedade que Bruno Macedo criou no dia 27 de novembro de 2014.
Num documento que serviu de suporte para uma reunião dos investidores sobre a K-Tower, a 16 de abril de 2015, o último a que tivemos acesso, Vieira havia financiado o empreendimento em 899,3 mil dólares. Nessa altura, eram a Promovalor e a Seven que constavam no documento como tendo financiado o projeto.
Nos 47 movimentos analisados na Operação Cartão Vermelho sobre a conta da International Sports Fund, entre dezembro de 2013 e junho de 2016, os valores transferidos por parte de Bruno Macedo para a conta no Panamá desta sociedade foram relativamente pequenos: entre os 5 mil euros e os 10 mil euros. Apenas duas transferências das 47 analisadas ultrapassam esse valor. Uma delas aconteceu a 16 de dezembro de 2015 no valor de 830 mil euros. À taxa de conversão neste dia seriam cerca de 900 mil dólares, um valor muito semelhante ao investimento total de Vieira na K-Tower.
Poucas horas depois, segundo a análise do Ministério Público, estes 830 mil euros foram parar a uma conta da Springlabyrinth. Entre 17 e 19 de dezembro, Bruno Macedo transferiu 787 mil euros da conta da Springlabyrinth para as contas da Inland e da Onlyproperties, empresas de Vieira.
Com Pedro Coelho, grande repórter SIC. Esta reportagem teve a colaboração de Rita Murtinho, Maria Rodrigues e Diana Matias (SIC).