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Na Reserva do Paiva, no Recife, Luís Filipe Vieira também teve de pagar portagem. Em cinco empreendimentos, o ex-presidente do Benfica acabou com apenas um. Os contratos eram ruinosos, os custos dispararam, o hotel encerrou e mais reabriu.
À nossa frente está uma imponente fazenda, de estilo colonial. De guarda estão vários seguranças, como se estivessem a controlar uma fronteira, com cancelas e um posto de vigília.
O ruído do motor da moto aumenta à medida que se aproxima de nós. Interpela-nos uma segurança. Por cima do seu fato de macaco, um coldre com um revólver rodeia-lhe a cintura. Tem uma faca militar presa na perna e fala connosco por detrás de um capacete. “Têm liberação para estar aqui? Estão a fazer um trabalho? Isto é do Cornélio”, questiona-nos num tom desafiador. Dá a volta e vai comunicar aos superiores a nossa presença. Apresenta um auto.
Deslocamo-nos para o Instituto Brennand, território do primo de Cornélio, Ricardo. Os primos são parceiros do ex-presidente do Benfica no empreendimento Reserva do Paiva. O instituto está protegido por um portentoso muro e um portão preto com faixas douradas; a guardar esta fortaleza estão dois leões de mármore. A calçada à entrada está disposta em perfeita harmonia, para lá do portão as numerosas palmeiras estão cabalmente enfileiradas em paralelo a decorar as bermas da estrada.
A uns escassos 10 metros deste avolumado terreno, o desalinho. Os vizinhos dos Brennand vivem num bairro de lata, com estradas de terra, esburacadas e com poças de água, onde a temperatura quente e a humidade torna o cheiro destas águas denso e contamina o ar. Num dos edifícios está a sede de um sindicato, rodeado por uma parede branca. Com letras negras, tem grafitado na parede: “Se você acha que educação é cara experimente a ignorância”.
Estes dois patrões de Pernambuco estavam desavindos há mais de uma década, mas Luís Filipe Vieira uniu-os. “Houve um desentendimento entre o Cornélio e o Ricardo Brennand e aí decidiram separar os negócios. Aí foi criado o grupo Cornélio Brennand e o grupo Ricardo Brennand, em 2002. Depois disso, não se viu mais nenhum tipo de associação entre os grupos, a não ser na Reserva do Paiva, onde os dois entraram em parceria”, contou-nos Luana Meneghetti, a única jornalista a ter o privilégio de entrevistar Cornélio nos últimos anos.
A nós, o grupo negou-nos por escrito qualquer parceria com a Promovalor, a empresa de Vieira, embora as evidências sejam óbvias. “Quando eu entrevistei o Cornélio, ele disse que a empresa não tem o perfil de se associar com outras empresas, mas no ramo imobiliário era algo fundamental para conseguir prosseguir e avançar noutras regiões”, remata Luana.
Luís Filipe Vieira foi um dos escolhidos.
Antes de passarmos a ponte para a Reserva do Paiva, que liga os municípios de Jaboatão dos Guararapes e Cabo de Santo Agostinho, parte do Grande Recife mas separados pelo rio Jaboatão, deparamo-nos com outro parceiro de Vieira a tapar a vista para a verdejante Mata Atlântica: um cartaz da OR-Realizações Imobiliárias, empresa do outrora poderoso grupo Odebrecht, hoje Novonor, para se desfazer da mancha na reputação deixada pela Lava Jato, a maior operação de anticorrupção do mundo.
O Setenta e Quatro e a SIC receberam uma nova tranche de 30 mil ficheiros, 45 gigas de informação, sobre os negócios da Promovalor. Esta fuga permite-nos olhar para as empresas e os negócios de Vieira com outra lupa.
O primeiro registo que encontrámos sobre a Reserva do Paiva na primeira tranche de documentos que recebemos, os mil ficheiros que serviram de base às primeiras séries desta investigação (aqui e aqui), foi no documento do Banco Espírito Santo (BES) sobre a emissão das VMOC, uma operação de reestruturação das dívidas do grupo Promovalor em que a instituição de Ricardo Salgado emitiu 160 milhões de euros em obrigações à Inland e à Promovalor. A verba, destinada às duas empresas de Vieira, deveria ter servido para amortizar dívidas ao BES nesse valor. Valor da dívida da empresa na altura perante o BES: 432,4 milhões de euros.
Estávamos a 21 de junho de 2011 e, apesar da dívida de Vieira, o BES tinha fé na Promovalor e na expansão da empresa para o outro lado do Atlântico – e nos parceiros locais com quem o grupo desenvolvera contactos: mais tarde, em 2013, o BES Investimentos (BESI) descrevia-os como parceiros de "primeiríssima ordem".
A Odebrecht terá subornado políticos locais para construir o empreendimento Novo Mundo Empresarial, um projeto em parceria com Luís Filipe Vieira.
A ambição era grande, pois Vieira até contemplara comprar, segundo um memorando contido nos 30 mil ficheiros, uma construtora pernambucana em parceria com a Britalar, de António Salvador, presidente do Sporting Clube de Braga. Tratava-se da Casa Grande Engenharia, do marido de Teresa Brennand.
De 21 de junho até 9 de dezembro de 2011, Vieira haveria de lançar, em menos de seis meses, a primeira pedra do hotel. Com o projeto desenhado: o futuro Hotel Sheraton do Paiva teria 289 apartamentos divididos em oito pavimentos, com spa, academia, bar, restaurante e um centro de congressos. A equipa de construção era multinacional: englobava mais de 20 empresas, com profissionais da Argentina, Brasil, Chile e Portugal. Tudo subcontratado pela Odebrecht, segundo uma fonte próxima do processo, corroborada pelos ficheiros a que tivemos acesso. “Mil contratos”, contou-nos a fonte.
O ambiente do evento do lançamento da primeira pedra do hotel era de euforia e de ode às parcerias entre o público e o privado. “O Estado não pode investir sozinho. Tem que haver o respaldo da iniciativa privada. Só assim as obras se consolidam”, discursou Eduardo Campos, governador do Estado de Pernambuco na altura. “O empresariado constrói.”
A pressa era muita: o objetivo era ter o hotel pronto em três anos, antes de o Mundial de 2014 começar.
No evento, Vieira estava presente. E também Luís Henrique Valverde e Paul Altit, da OR-Realizações Imobiliárias, empresa da Odebrecht, citados em 2020 num inquérito do Supremo Tribunal brasileiro no âmbito da Operação Lava Jato. Segunda a delação de Altit, Betinho Gomes, deputado federal do PSDB, recebera 100 mil reais para favorecer a Odebrecht, criando uma lei de exonerações fiscais em 2014. Os subornos não ficaram por aqui, segundo a delação de Altit. Vado da Farmácia, prefeito de Cabo Santo de Agostinho na altura, município que aloja a Reserva do Paiva, e Betinho Gomes receberam 75 mil e 150 mil reais, respetivamente, para obter as autorizações para construir o Novo Mundo Empresarial. Nenhum dos políticos quis falar connosco, nem a Odebrecht.
O Novo Mundo Empresarial era outro empreendimento em parceria entre a Odebrecht e a Promovalor. Com os 8,6 quilómetros de praia como pano de fundo, Keko do Armazém critica os seus antecessores. "Antigamente, o empresário via o Cabo com um olhar onde existia uma política bastante perversa com o empresariado", conta-nos o atual prefeito de Cabo de Santo Agostinho, do Partido Liberal, que hoje alberga Jair Bolsonaro.
A Reserva do Paiva não podia ser mais diferente da maior parte do município que a acolhe. A caminho da prefeitura, abundam as igrejas evangélicas, as casas de tijolo de barro cujas paredes nunca foram pintadas, rodeadas pelo lixo, plástico, cartão e dezenas de pneus amontoados ao longo do município. Era fim de semana, e a comunidade divertia-se a ver um jogo de futebol semioficial – com uma gigante poça de água no meio do campo.
À porta da prefeitura, vemos o verdadeiro Cabo de Santo Agostinho. Um morro com casas coloridas empilhadas umas em cima das outras, com ruas estreitas, sem condições de saneamento ou habitabilidade.
O sorriso de orelha a orelha de Diego vê-se à distância. Assa frango de churrasco em grelhas enferrujadas, à porta da prefeitura, no convívio de risos estridentes com os amigos. Ao som da música popular brasileira vindo de uma habitação, Diego não tem papas na língua quando, eloquente, se trata de se queixar da falta de ajuda do município. “Não se pode sair de noite com a sua esposa e seu filho, pode haver perigo de assalto”, conta-nos. “Até ser assassinado.”
A Reserva do Paiva está vedada à maior parte da população de Cabo de Santo Agostinho. A ponte que dá acesso à reserva é a primeira parceria público-privada do estado de Pernambuco. E tem portagem.
Keko do Armazém diz ter uma relação muito boa “tanto com os Brennand como com todo o empresariado”. “No começo do mandato, a Secretaria de Desenvolvimento [da prefeitura de Cabo de Santo Agostinho] chegou a ter sede aqui no Paiva. É uma das secretarias que recebe mais empresários e grandes investidores. Poder ter um cenário com esta estrutura para receber as pessoas dá impacto”, conta-nos Keko do Armazém. “Quem chega aqui no Paiva é impactado por esta beleza e todo o investimento.”
O município de Cabo de Santo Agostinho é quem tem a tutela administrativa da Reserva do Paiva. É o município que recebe as receitas da portagem? “Não”, responde-nos o prefeito. Quem as recebe são os Brennand.
A Promovalor concebera vários projetos na Reserva do Paiva com os Brennand, a quem adquiriu os terrenos, e a Odebrecht, que teria o pelouro da administração na edificação dos empreendimentos a troca de comissões. Desenharam o Complexo da Lagoa Encantada, que englobava os Terraços Laguna, um condomínio residencial com 224 apartamentos; o já mencionado Novo Mundo Empresarial, um conjunto de torres de escritórios com um total de 1118 salas comerciais e 38 lojas; o projeto Flats, com 496 apartamentos; e o Nova Agamenon, um complexo multiusos.
É, todavia, num relatório de 9 de abril de 2013, do BESI, contido na primeira tranche, que percebemos o teor das parcerias da Promovalor na Reserva do Paiva.
O grupo de Vieira tinha mãos largas. Pelos terrenos, a Promovalor pagou aos grupos Brennand 39 milhões de euros, por 49% das sociedades da Odebrecht 13 milhões de euros. O Hotel, 100% detido pela Promovalor, seria gerido pela marca Westin, que detera o luxuoso grupo Starwood (hoje a Starwood faz parte do grupo Marriott). O contrato de gestão do hotel firmara-se por 11 milhões de euros – além de ter um prémio sobre o lucro. Os Brennand receberiam ainda 17% sobre o valor geral de vendas.
Em 2012, para firmar a parceria com a Odebrecht, a Promovalor pagou 648 mil euros aos consultores responsáveis pela sua efetivação, segundo um contrato contido nos 30 mil ficheiros. As mãos largas da Promovalor, os contratos ruinosos, aliados à pressa para abrir o Hotel Sheraton do Paiva antes do Mundial de 2014, fizeram os custos derrapar, contam-nos duas fontes. Isso mesmo nos diz um documento do Conselho Financeiro de Crédito do BES de 3 de março de 2014, onde é aprovado um financiamento de 4,46 milhões de euros "dado a urgência que o cliente tem em transferir o dinheiro para o Brasil".
O risco caía todo sobre a Promovalor, seja no contrato com a Odebrecht, cuja taxa de administração prevista inicialmente aumentara exponencialmente, seja no contrato de gestão com a Starwood, cujos custos salariais dos seus diretores e os seus critérios de qualidade exigentes consumiram todas as receitas. “Não sobrava nada”, conta-nos uma fonte.
A construção do empreendimento atrasara e não chegara a tempo de receber as seleções que participaram no campeonato mundial de futebol, fazendo a abertura soft no dia 16 de junho. Já depois de o BES estourar, no dia 10 de outubro de 2014 o Sheraton do Paiva inaugurara oficialmente ao som da famosa cantora brasileira Maria Rita, filha de Elis Regina.
Era um momento de celebração e Luís Filipe Vieira, Tiago Vieira, Almerindo Duarte e Luís Henrique Valverde, citado no processo "Lava Jato" como o responsável da Odebrecht no contacto com os políticos locais, erguiam triunfalmente os braços para brindar com champanhe. “A inauguração do Sheraton Reserva do Paiva significa um instrumento de alta valia para o nosso turismo de negócios, turismo de lazer, não só engrandece Pernambuco, engrandece o Nordeste e, fundamentalmente, o Brasil. É um dos melhores hotéis já implantados no solo brasileiro”, elogiava João Lyra Neto, governador de Pernambuco na altura. Lyra Neto não nos quis dar uma entrevista.
A dívida de 53 milhões de euros contraída junto do BES até aqui para erguer os projetos na Reserva do Paiva não parecia pesar nas consciências dos promotores. Se excluirmos as VMOC (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis), um terço da dívida da Promovalor fora enterrada neste enclave paradisíaco.
Como o BES não tinha posição direta no mercado, e era necessário fazer transações na moeda local, muitos financiamentos foram via BESI Brasil. “Foi solicitado o apoio direto do financiamento através do BESI Brasil, sendo que todos os riscos foram assumidos pelo BES do ponto de vista financeiro”, conta-nos Alan Fernandes, antigo diretor do BESI Brasil. Os relatórios, esses, eram simplesmente “reencaminhados” para o BESI Brasil. “Todo o relacionamento [com a Promovalor] era tratado internamente com o BES”, garante-nos Alan Fernandes.
Com esta nova tranche de 30 mil ficheiros, percebemos que estes relatórios eram quase copiados da própria Promovalor.
Pelo caminho, e muito pouco depois da inauguração do Hotel Sheraton do Paiva, o Banco de Nordeste, um banco de desenvolvimento regional que chegou a libertar um crédito para financiar o hotel, pedia o reforço das garantias ao Novo Banco, assustado com o que acontecera com o BES. “Aí foi tudo por água baixo”, explica-nos uma fonte.
Os administradores Vítor Fernandes e José Guilherme trataram de acautelar as preocupações do Banco do Nordeste. A 25 de novembro de 2014, emprestaram 11 milhões de euros à Promovalor para esta constituir uma fiança junto do Banco Safra, banco brasileiro, que servisse de garantia aos empréstimos do Banco do Nordeste.
Por esta altura, Vieira, todavia, ainda queria requalificar um avantajado pedaço do município de Jaboatão dos Guararapes, uma zona degradada e abandonada às portas da Reserva do Paiva, onde desagua a Lagoa Olho d'Água e o rio Jaboatão. No fundo: queria criar uma nova cidade no Grande Recife.
Mas a partir de 2015 a crise financeira no Brasil aguçava-se, o real descera abruptamente, e, principalmente, o BES já não existia. Os empreendimentos foram de défice em défice até entrarem no Fundo de Investimento Alternativo e Especializado (FIAE), gerido pela C2 Capital Partners, de Nuno Gaioso Ribeiro, ex-vice-presidente do Benfica. Os prejuízos, esses, mantiveram-se com o FIAE.
Recife é uma cidade onde a presença colonial portuguesa está reduzida à insignificância, onde os numerosos arranha-céus multiplicados pela especulação imobiliária ocupam a paisagem da cidade. A presença portuguesa, contudo, marca-se pelo turismo.
No gabinete de Paulo Câmara, governador de Pernambuco, está um pomposo quadro da Batalha dos Guararapes, um confronto militar entre Portugal e Holanda durante a Guerra da Restauração da Independência. “O Brasil teve nos anos de 2015 e 2018 muitas dificuldades e muitas empresas não se conseguiram sustentar diante das crises económicas”, explica-nos o governador. “E abalou também muito os empreendimentos que estavam em andamento.”
Em dezembro de 2015, o Novo Banco decidira dar um rumo radical à dívida de Vieira, que falhara quase todos os pagamentos desde a queda do BES. O então presidente do Benfica pediu a Nuno Gaioso Ribeiro, vice-presidente do Benfica entre 2012 e 2020, para arranjar uma solução. Foi assim que a Capital Criativo (hoje C2 Capital Partners), sociedade gestora de capitais de Gaioso Ribeiro de que a Promovalor era sócia, entrou em cena e negociou com o Novo Banco a criação de um fundo que reestruturasse a dívida de Vieira: o FIAE.
O fundo, detido a 96% pelo Novo Banco, passando de credor a acionista de Vieira, foi constituído em novembro de 2017 e o seu objetivo era – e é – gerar receitas com os ativos da Promovalor para pagar (parte) da dívida do grupo de Vieira, que ascendia a 494,5 milhões de euros.
Os ativos no Recife seriam a grande fatia do bolo do FIAE. Segundo as avaliações, de 2014, estes projetos totalizavam um valor comercial de 98,4 milhões de euros, 40% dos 23 projetos integrados no fundo. E nesta conta apenas falamos do Hotel Sheraton do Paiva, do projeto Flats, do Nova Agamenon e da Barra de Jangada, pois os Terraços Laguna e o Novo Mundo Empresarial não tinham avaliação.
O processo, porém, foi manchado com várias falhas. E foi isso que notou em novembro de 2018 o Fundo de Resolução, que ao abrigo do Acordo de Capitalização e Contingente, tinha uma palavra a dizer sobre as dívidas tóxicas herdadas do BES.
O hotel é tudo o que resta do grupo de Vieira na Reserva do Paiva.
Os 23 projetos e imóveis da Promovalor foram integrados no FIAE de duas formas: juntamente com as sociedades que os detinham, empresas do grupo de Vieira; ou meramente como ativos, livres de ónus e encargos, criando-se sociedades dentro da esfera do FIAE para os deter.
Para os ativos da Reserva do Paiva foi a segunda forma que valeu, criando-se a Muscatinvest Brasil. Aquando, no entanto, da transferência destes ativos para a esfera do FIAE, o Novo Banco não avisou o Fundo de Resolução que havia acionistas (a Odebrecht) com direito de preferência na transmissão de ações; nem os relatórios de due diligence se debruçavam sobre contingências associadas a estes ativos; a existência de construções não regulares; terrenos ocupados irregularmente e hipotecas de primeira grau noutras instituições financeiras, que desmobiliza novos financiamentos – e não permite que o Novo Banco execute esses ativos.
António Ramalho, CEO do Novo Banco, chegou a ir a Recife ver se o Hotel Sheraton do Paiva "existia", como referiu na Comissão Parlamentar de Inquérito do ano passado. Parece, todavia, ter-se esquecido de tudo o resto. "A informação do Novo Banco nem sempre apresenta os padrões desejáveis", disse-nos fonte oficial do Fundo de Resolução.
O Novo Banco admitiu ao Fundo de Resolução, segundo uma nota de novembro de 2018 desta entidade sobre o FIAE, a que tivemos acesso, que apenas o hotel da Reserva do Paiva iria gerar valor. Sobre os projetos da Barra de Jangada e Cabo Frio, este último no Rio de Janeiro, o Novo Banco tem a primeira hipoteca, o que afasta novos possíveis financiadores: o próprio Novo Banco não tinha qualquer expectativa, um ano após a formalização do FIAE, que estes gerassem valor. Um grande abate no plano de negócios do FIAE.
Chegamos à Reserva do Paiva, as cigarras estão a dar um concerto. Há pouca circulação de carros, os jardins estão impecavelmente tratados. Vemos o imponente Novo Mundo Empresarial e as suas seis torres, de cortinas para baixo, aparentemente abandonadas. Uma das torres tem o teto a gotejar.
O Novo Mundo Empresarial foi entregue em dação, tal como o Terraços Laguna e o projeto Flats (que nunca foi construído), à Odebrecht. A Promovalor, com medo do desfecho do processo, capitulou, informa-nos uma fonte. Segundo escutas da Operação Cartão Vermelho, a Promovalor, além dos projetos, ainda pagou 1,6 milhões de euros à construtora brasileira.
O hotel é tudo o que resta do grupo de Vieira na Reserva do Paiva, encerrado devido à pandemia, cancelando o contrato com a Starwood. Tudo indica que o grupo hoteleiro Vila Galé ficará com o contrato de exploração do hotel. “Tive a oportunidade de participar numa reunião e um almoço com o representante da Vila Galé”, disse-nos Keko do Armazém. “Ele despertou interesse em abrir um hotel aqui no Paiva”.
“Em 2020, a sociedade gestora abriu um processo de consulta para seleção de novo operador”, diz-nos por escrito o conselho de administração da C2 Capital Partners, antiga Capital Criativo. “Obteve oito propostas, selecionou duas para negociação individual e escolheu uma dessas propostas”, continua, salientando que a decisão está pendente “há muitos meses de uma decisão final” do Novo Banco.
Fomos ao Beach Club do hotel, à beira da praia. Parece um terreno da parte pobre de Cabo de Santo Agostinho, recheado de cartão velho, latas de refrigerantes, sacos de plástico, cocos podres, entulho, corrimões enferrujados com musgo a nascer, as paredes do bar com tinta velha, acastanhada, a piscina vazia coberta de folhas secas.
João Luís está deitado debaixo do coqueiro. Sabe de cor o tempo em que trabalhou no Hotel Sheraton Reserva do Paiva: cinco anos e seis meses. Foi um dos 204 funcionários despedidos em 2020. “A sensação que tenho é que parece um sonho. Parece que estou num local que conheço praticamente há seis anos e não é ele. Está tudo abandonado, a beleza que tinha isto aqui hoje não chega nem perto do que foi.”
Com Pedro Coelho, grande repórter SIC. Esta reportagem teve a colaboração de Rita Murtinho, Maria Rodrigues e Diana Matias (SIC).