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Os famosos cemitérios da Imosteps nunca foram propriedade de Luís Filipe Vieira. O decreto da prefeitura do Rio de Janeiro para autorizar Vieira a construir na Barra da Tijuca foi feito à medida do ex-presidente do Benfica. O prejuízo que este negócio causou ao erário público foi de 47,7 milhões de euros.
O termómetro está nos 30 graus, a humidade a tocar os 80%. O cheiro é pútrido. No chão, a dois passos do portão, uma garrafa de Martini e um cigarro fumado a metade. Do lado esquerdo, na parede do atelier que guarda a entrada, o negócio da morte em todo o seu esplendor: “Funerais até 10x sem juros”. A azul-claro, para nos acalmar a alma.
Abrimos o portão. Uma cruz branca assinala o meio do cemitério e resplandece perante o verde dos mangueiros e das jacas, que decoram este lugar. Tem pouco menos de 200 campas, com mortos cujos nomes desapareceram com o tempo, separadas por uma alameda repartida em fendas invadidas pelo musgo.
Estamos no cemitério de Piabas, terra de ninguém na Zona Oeste do Rio de Janeiro, um dos ativos que Luís Filipe Vieira herdou diretamente das mãos de Ricardo Salgado. Neste pequeno pedaço de terreno, o objetivo era construir 15 mil campas.
Foi no final de dezembro de 2012, na altura em que começara a circular a tese de que Ricardo Salgado cobrara uma comissão de 8,5 milhões de euros ao construtor José Guilherme (hoje, o número é de 14 milhões), que a Imosteps herdou 50% da OATA, detidos pela Opway, construtora do Grupo Espírito Santo. O problema já tinha dois anos: no relatório de contas da Rio Forte a OATA já havia sido "imparizada" em 24 milhões de euros. Salgado queria limpar o balanço do GES – Luís Filipe Vieira era o homem certo para o ajudar.
A Imosteps era a antiga Armazéns da Matinha, a sociedade que Luís Filipe Vieira usara para comprar alguns dos terrenos da Matinha, em 2005, na zona oriental de Lisboa, em parceria com o Grupo Espírito Santo.
Esta empresa de Vieira, que não tinha qualquer atividade em 2012, não assumira apenas uma dívida de 34,4 milhões de euros mas metade de uma cascata de sociedades opacas sediadas em várias geografias: Brasil, no estado de Delaware, nos Estados Unidos, Panamá e Uruguai.
Ao descascar estas sociedades, no fim da cascata encontravam-se 406 mil metros quadrados de direitos construtivos na reserva de Marapendi, Barra da Tijuca, zona de elite e de expansão imobiliária no Rio de Janeiro; e dois contratos de exploração de cemitérios – o de Piabas, que já visitámos, e um terreno para cemitério em Guaratiba, em que o plano era construir 67 mil sepulturas.
O projeto que a OATA tinha na reserva de Marapendi era de luxo, encomendado ao famoso arquiteto brasileiro Sérgio Moreira Dias, onde se previra a construção de três hotéis num total de 900 quartos. Com frente de praia, o empreendimento ficava ao lado da imponente Lagoa Marapendi, que em língua indígena significa “rio do mar raso”.
Para obter as autorizações de construção neste lugar ambientalmente débil, conta-nos uma fonte, a OATA havia despejado milhões em subornos para obter a desejada luz verde. Fartou-se, por fim, de escalar a hierarquia dos subornos: “Quando chegámos ao deputado federal, decidimos parar. Já bastava.” Sérgio Moreira Dias, que não quis falar connosco, chegou a ser secretário do Urbanismo do Rio de Janeiro, contudo, nem assim o projeto avançou. Mas a dívida ficou.
Nesta altura, Ricardo Salgado fizera uma escolha e achara mais vantajoso entregar os 50% da OATA a Luís Filipe Vieira quando tinha uma proposta da gigante Multiplan, uma famosa empresa de shoppings no Rio de Janeiro. A intermediação deste negócio estava a cabo de José Luís Judas, antigo presidente da câmara de Cascais, na altura funcionário da Opway. A Multiplan, segundo Judas, com quem falámos, dispusera-se a comprar a participação do Grupo Espírito Santo por 100 milhões de euros.
Vander Giordano, hoje vice-presidente da Multiplan, confirmou-nos que a empresa estudou a hipótese de comprar este ativo. Mas a conjuntura económica, diz-nos, não era favorável e a empresa decidiu "não avançar com o negócio”. Nem houve uma proposta formal, garantiu-nos Giordano, nem haviam feito a respetiva due diligence.
Imbuídos no frenesim do Rio de Janeiro, deslocamo-nos à sede da empresa privada que hoje gere o cemitério de Piabas. Tem um nome curioso: Reviver. Não conhece nenhum plano de expansão do cemitério – nem hoje nem nunca, até porque as leis ambientais não o permitem, dizem-nos. Nos últimos dez anos, regista a Reviver, o recorde de pessoas sepultadas em Piabas num ano é de duas.
A secretaria da Conservação e do Meio Ambiente da prefeitura do Rio de Janeiro, que tutela os cemitérios públicos, é um lugar onde ninguém quer estar. Ter de tratar de uma qualquer burocracia que envolva cemitérios não é um bom presságio.
Nos últimos dez anos, o número máximo de pessoas enterradas num só ano no cemitério foram duas.
O hall de entrada tem três sofás pretos de pele sintética, dispostos em U, e uma mesa bege estilo IKEA no meio. O quadro disposto na parede é um emaranhado de cores vivas misturadas com tons escuros, onde se parecem ter unido vários grafítis numa só tela. Na receção não nos percebem. Foi preciso fazer um esforço para entenderem o nosso sotaque – “assessoria”? Apontam para uma pessoa que está à conversa com dois cidadãos em aparente agonia com a burocracia da morte, sem dizerem uma palavra.
É uma jovem que domina como ninguém o dossier dos cemitérios públicos do Rio de Janeiro. Também não conhece qualquer plano para expandir o cemitério de Piabas. Sobre Guaratiba, idem.
Voltamos para a estrada e deslocamo-nos para o terreno do segundo cemitério que veio no pacote da OATA, a empresa herdada por Luís Filipe Vieira, em Guaratiba. A caminho, passamos por uma elevada muralha vermelha, que percorre longos metros da estrada a caminho do terreno do cemitério. É a mansão de Edir Macedo, o multimilionário líder espiritual da evangélica Igreja Universal do Reino de Deus.
O terreno para o futuro cemitério está vedado, propriedade da igreja, ao lado de um condomínio. A igreja é a Igreja da Matriz e ao lado está uma loja de móveis a céu aberto. Tocamos à campainha mas ninguém atende.
Sebastião, aspirante a pastor evangélico na Assembleia de Deus, passa por nós e fala connosco. Vive em Guaratiba há 10 anos. Queixa-se do padre da paróquia, um militar. Tem medo dele por isso não nos dá o seu último nome. “Para ser padre tinha de pregar mais a palavra. E você tem de ter a humildade e chamar o outro de irmão. Como é que ele vai pregar a palavra ao próximo se está armando confusão?”
Confusão? Qual confusão? “Ele está plantando pilares fora da igreja, mandando cercar o terreno onde iria ter o cemitério. Antigamente as crianças jogavam à bola, mas ele proibiu.”
Manuel Almerindo Duarte é sócio minoritário da Promovalor e o obreiro dos negócios de Luís Filipe Vieira no Brasil. Dois meses após entrar no conselho de administração da OATA em nome da Imosteps, no dia 3 de abril de 2013, enviou um email destinado a Amílcar Morais Pires e António Souto, administradores do BES. Com o conhecimento do ex-presidente do Benfica.
Tinha um plano, “sob a direção” de Vieira: organizar uma viagem a Londres para assistirem à final da Liga dos Campeões, no estádio de Wembley. Neste périplo juntar-se-ia uma delegação do governo do Estado do Rio de Janeiro e da Câmara de Vereadores, avisava Almerindo.
Já mais perto do soar do primeiro apito inicial do jogo, no dia 20 de maio, Almerindo, que escrevia do Brasil “de visita ao nossos projetos e parcerias”, já tinha um plano mais coeso. Voo em avião privado. Estadia num dos mais luxuosos hotéis da capital inglesa. Tudo pago pela Promovalor.
Saltemos dois meses, para 11 de julho de 2013. Nesta data, e no mesmo Conselho Diário e de Crédito do BES, foram aprovados três financiamentos a empresas da esfera de Vieira: à Benfica TV, à Imosteps e à Promovalor.
No despacho que vinha anexado ao pedido de financiamento, vislumbramos a razão para Almerindo Duarte atravessar o Atlântico com os políticos cariocas. A OATA, notavam no documento, tinha determinado que se avançasse imediatamente para a gestão do “dossier imobiliário” Barra da Tijuca “junto da Prefeitura e da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro”; e também para a “gestão do dossier cemitérios”, “igualmente junto da Prefeitura e Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro”.
No Brasil é possível transacionar direitos de construção, uma figura legal que não temos em Portugal. São as chamadas ATE. “A lei federal autoriza que os municípios criem normas específicas para algumas áreas que permitam, por exemplo, que eles possam construir mais do que o potencial construtivo que está permitido para aquela área, para que possam ter algum benefício adicional”, explica-nos Diogo Ciuffo Carneiro, advogado brasileiro especialista nesta matéria.
“Normalmente, o município faz um leilão público de um certificado de potencial construtivo, vende esse certificado e esse certificado dá a quem for dele detentor o poder de construir de maneira diferente do plano da cidade”, acrescenta o advogado. “Pode derrubar um prédio, construir um novo, ou partir de um terreno que não tem nada. A lei não faz essa distinção – o que tem é essa capacidade. Ou construir ou alargar uma construção acima do que normalmente poderia naquela região.”
Em poucos meses, esta “gestão de dossiês” deu frutos. No dia 30 de dezembro de 2013, a prefeitura do Rio de Janeiro estabelecia um decreto que autorizava a troca de direitos construtivos na zona da Barra da Tijuca (Parque Natural Municipal da Barra) onde a OATA tinha os 400 mil metros quadrados de direitos construtivos.
Ao que tudo indica, este decreto foi feito à medida da OATA: no final de 2014 conseguiram trocar os mais de 400 mil metros quadrados junto da Lagoa de Marapendi por 102 mil metros quadrados noutro local do Parque Natural Municipal da Barra da Tijuca. Até junho de 2015 já tinham sido doados nesta zona, ao abrigo do decreto de 30 de dezembro de 2013, mais de 429 mil metros quadrados. Deste montante, pelo menos 406 mil metros quadrados eram da OATA.
O ativo que “não existia”, como Luís Filipe Vieira caracterizou na Comissão Parlamentar de Inquérito do ano passado, passou a existir. “O que eu sei é que resolvi um problema ao banco”, congratulou-se o ex-presidente do Benfica.
Ao mesmo tempo, o “dossier cemitérios” também ganhava forma. A 24 de outubro de 2013 era publicada uma notícia na Globo em que anunciava que a prefeitura do Rio de Janeiro lançara uma licitação para expandir o cemitério de Piabas, transformando-o num cemitério de grande porte. O potencial era enorme, diziam, pois atenderia uma região de grande poder de compra. Havia vários interessados, disse um investidor anónimo citado pela Globo.
Dez meses depois veio a queda do BES. E os negócios cariocas acabaram por não desatar. A OATA, essa, continuava a sugar dinheiro, acumulando dívidas a advogados e ao fisco brasileiro. Em dezembro de 2015, para evitar que a sociedade encerrasse, o Novo Banco (detentor de 12,5%, herdados do BES) e o Grupo AFA (hoje é detentor de 50%) transferiam 500 mil euros. O BCP, dono de 12,5%, já desistira do negócio e não colocou dinheiro.
Ao todo, o BES fez cinco transferências para financiar os 50% da OATA que a Imosteps detinha, no total de 54,3 milhões de euros. Mas o buraco não ficou por aqui: no total o Novo Banco perdeu 84,5 milhões de euros com este negócio.
Um desses cinco financiamentos foi de 8 milhões de euros, que suscitou suspeitas na Comissão Parlamentar de Inquérito, assente numa análise do Banco de Portugal, de que Luís Filipe Vieira se teria apropriado desse montante. Na carta de esclarecimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, a que tivemos acesso, Vieira desfez as dúvidas: usou um financiamento destinado à Imosteps para pagar uma dívida da Promovalor na Caixa Geral de Depósitos.
Voemos, então, para 2017. Já com o processo de reestruturação da dívida de Vieira em andamento (o FIAE foi constituído em novembro de 2017), os créditos da Imosteps ficaram de parte.
No mesmo período, o Novo Banco foi vendido à Lone Star e celebrou, no dia 18 de outubro 2017, o chamado Acordo de Capitalização Contingente (CCA) com o Fundo de Resolução. Trocado por miúdos: a Lone Star só aceitara ficar com 75% do Novo Banco e com a sua enorme carteira de ativos tóxicos com o compromisso de que o Fundo de Resolução (proprietário de 25% do Novo Banco) suportasse as perdas do banco até um limite de 3,89 mil milhões de euros.
Embora o crédito da Imosteps fosse tóxico, o Novo Banco só o registou como imparidade no último trimestre de 2017 – antes disso, durante a maior parte do tempo, apenas 3,4% deste crédito esteve registado como imparidade.
“A própria Comissão de Acompanhamento, a propósito do Banco Económico [antigo Banco Espírito Santo Angola], escreve relatórios internos que o Novo Banco está a acelerar a constituição de imparidades, parecendo que o objetivo é acelerar o mecanismo de capital contingente”, diz-nos o deputado Hugo Carneiro, uma das vozes do PSD na Comissão Parlamentar de Inquérito do ano passado.
“Este parece ser o modo de agir, que ficou espelhado nas conclusões da CPI. Isto só é possível por causa do negócio que foi celebrado com o Estado português, com o Governo português, que vendeu desta forma o banco à Lone Star”, acrescenta Hugo Carneiro.
Esta dívida seria mais tarde incluída no pacote de créditos tóxicos do banco dirigido por António Ramalho, o Nata II, vendido ao fundo norte-americano Davidson Kempner. Algo que trocou as voltas a Luís Filipe Vieira, pois estes créditos tinham os avales e garantias do à época presidente do Benfica. Corria o sério risco de ser executado. “Até são capazes de levar os sapatos que você tem”, disse Vieira na CPI.
Foi assim que o ex-presidente do Benfica, segundo os apensos da Operação Cartão Vermelho, a que tivemos acesso, começou a montar uma estratégia para se libertar dos avales, que garantiam a dívida. Foi ter com José António Santos, conhecido como Rei dos Frangos, e convenceu-o a comprar os créditos da Imosteps. Chamou outro homem de confiança para agir em representação de José António Santos: Diogo Chalbert Santos.
Chalbert Santos é um velho conhecido de Vieira. Foi o quadro da então Capital Criativo responsável pelo desenho do FIAE, o fundo criado para reestruturar a dívida do ex-presidente do Benfica. Citado no processo do Ministério Público 1120 vezes, Chalbert Santos está hoje no fundo de investimento Iberis Samper.
Vieira tinha medo de ser executado, por isso, o negócio era para ser feito dentro do maior segredo possível, não fosse o Fundo de Resolução reprovar a proposta. Os créditos da Imosteps estavam no âmbito do CCA.
No início, o plano parecia estar a dar certo. No dia 30 de abril de 2019, o Novo Banco aprova a venda dos créditos da Imosteps à Iberis por 9,69 milhões de euros. Mas o que Vieira temia acabou por acontecer: o Fundo de Resolução chumbou a proposta por entender que a operação não estava de acordo com os princípios orientadores do CCA.
Os 100 mil metros quadrados na Barra da Tijuca são, segundo Leornado Schneider, uma "mina de ouro".
Rejeitada a venda pelo Fundo de Resolução, que desencadeou uma auditoria às dívidas da Promovalor pedida por esta entidade pública, os créditos da Imosteps acabaram por cair no imenso saco da Nata II por 6,63 milhões de euros, vendido ao fundo Davidson Kempner no dia 5 de setembro de 2019.
Para integrar a dívida de Vieira no Nata II, o Novo Banco pediu a avaliação dos direitos construtivos que a Imosteps detinha na Barra da Tijuca. Chegou a dois valores: 1,8 milhões de euros e 4,2 milhões de euros.
Falámos com Leonardo Scheneider, da Secovi Rio de Janeiro, um sindicato de imobiliárias, para perceber quanto valem 100 mil metros quadrados na Barra da Tijuca. “É uma mina de ouro”, garante-nos Scheneider. “É uma região superexclusiva, uma área nobre”, continua. Vale apenas 4,2 milhões de euros? “Sendo conservador, dá à volta de 100 milhões de euros”, responde.
Hugo Carneiro recebeu-nos na Assembleia da República, na sala do Senado. É muito crítico da gestão do Novo Banco no âmbito do CCA. “Há venda de ativos ao desbarato. Há venda de créditos e de imobiliário, desinvestimento na área de recuperação de crédito do Novo Banco”, examina o deputado do PSD. “É óbvio que aqui não estamos a falar de interesse público. Estamos a falar de interesses particulares, da Lone Star.”
São 13h30, o sol queima a pele e o alcatrão está a escaldar. Atravessámos o Rio de Janeiro para cá estar, uma viagem de uma hora, 50 quilómetros, vindos de Guaratiba, entre o caos do tráfego carioca. Estamos à porta da sede da Amparo Maternal, a dona do terreno do cemitério em Guaratiba.
A sede desta organização católica tem uma forma de paralelepípedo, montada com tijolos de barro, cinzenta nos lados. Tem uma faixa branca com uma frase da Madre Teresa de Calcutá. Mas a melhor ironia é esta: fica em Benfica, uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro.
A OATA é dona de 50% mais uma ação da Amálgama, uma sociedade brasileira cujo outro acionista se chama José Portinari Leão. Portinari Leão, citado mais de 80 vezes no portal Jusbrasil, tinha um acordo com esta organização católica para explorar o terreno de Guaratiba. É a Amparo Maternal que tem a autorização para construir um cemitério privado naquela Zona Oeste da cidade carioca.
Atravessamos a rua, entre o frenesim dos autotaxis, e batemos à porta. Abrem, com alguma desconfiança. Não a suficiente para nos negarem ajuda e dão-nos o número da advogada da organização. Por telefone, Claudini explica-nos que a igreja é dona do terreno, mas que confiara em Portinari Leão para fazer a ponte com investidores interessados. Portinari Leão escolheu a OATA, cujo interlocutor era Almerindo Duarte.
A história, porém, não fica por aqui. Do nada, desapareceram – Portinari Leão e Almerindo Duarte – e não cumpriram com o contrato que haviam assinado. “A igreja é milenar, tem tempo. Podemos esperar mais 10 ou 20 anos, sem problema”, ironizou Claudini. “Mas jamais com a Amálgama, Portinari ou Almerindo.”
A OATA nunca foi dona de qualquer cemitério. Nem em Piabas, cemitério público que seria expandido através de um terreno privado, nem em Guaratiba.
A nove quilómetros fica a Avenida Rio Branco, coração da cidade carioca, palco de vários acontecimentos históricos. Desta vez era o centro de uma manifestação de negacionistas da covid-19, favoráveis a Bolsonaro. É nesta agitada avenida, longe do silêncio de Guaratiba e da serena Barra da Tijuca, que fica o escritório de advogados Castro Barros Sobral Gomes, representante da OATA no Rio de Janeiro durante um período. Tentamos entrar no arranha-céus que aloja este escritório, mas na receção dizem-nos que a sociedade de advogados não nos quer receber. Tentámos ligar e enviámos emails, no entanto, nunca recebemos resposta.
Nos órgãos sociais da Amálgama, apesar de o email da empresa estar associado à Castro Barros, a morada dos representantes desta sociedade aponta para outro nome: a Pikielny Consultoria.
“A igreja é milenar, tem tempo. Podemos esperar mais 10 ou 20 anos, sem problema”, ironizou Claudini. “Mas jamais com a Amálgama, Portinari ou Almerindo.”
Entrámos em contacto com esta consultora por email. “Em 2014 fomos procurados pelo escritório de advocacia Castro Barros para assumir, por um curto período de transição, a representação das empresas do grupo OATA no Brasil”, contam-nos. “E assim o fizemos.”
A relação que teve com o grupo de Luís Filipe Vieira, como inúmeras vezes nos deparámos nesta investigação, não correu bem. “A parceria com o grupo não foi bem-sucedida, pois o curto período acabou se estendendo e não recebemos nossos honorários pela prestação de serviços. Em 2018, após alguns anos sem receber respostas, instruções ou nenhum pagamento de nossos honorários, resolvemos renunciar os nossos poderes em todas as empresas do grupo”.
No dia 25 de setembro de 2019, apenas 20 dias depois de a Davidson Kempner ter comprado os créditos da Imosteps, a Iberis Samper estabeleceu um acordo com o fundo norte-americano para comprar os créditos. José António dos Santos, que o Ministério Público acredita ter sido o testa de ferro de Vieira neste negócio, ficou com os créditos de 54 milhões de euros da Imosteps por 9 milhões de euros.
“Um dia vamos perceber que teria sido possível ir mais longe na recuperação de crédito. Teria sido possível, mesmo que vendêssemos essas carteiras de crédito [como a Nata II], recuperar mais valor para o Novo Banco”, nota Hugo Carneiro. “Isso teria como consequência um menor acionamento do mecanismo de capital contingente, uma menor necessidade de o Fundo de Resolução injetar dinheiro no Novo Banco, uma menor necessidade de o Estado emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução.”
O desfecho é conhecido. O negócio concluíra-se apenas um ano depois, em agosto de 2020, ficando nas mãos de José António dos Santos. Numa chamada ouvida pelo Ministério Público após a efetivação da compra, Luís Filipe Vieira, à conversa com o dono do grupo Valouro, falava de uma possível venda de um terreno detido pela OATA. José António dos Santos foi perentório: “Pá, ó Luís, não tens nada de combinar comigo. Aquilo é teu, tu é que sabes”.
O sítio onde entrevistámos Duarte Alves está carregado de simbolismo. Estamos na sala da Assembleia da República onde foi anunciada a resolução do BES. “O diferencial entre o valor dessa dívida [54,3 milhões] e o valor por que foi comprado nestas negociatas foi suportado pelos contribuintes portugueses”, aponta o deputado do PCP.
A Imosteps provocou um prejuízo para o erário público de 47,7 milhões de euros.
Com Pedro Coelho, grande repórter SIC. Esta reportagem teve a colaboração de Rita Murtinho, Maria Rodrigues e Diana Matias (SIC).