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Um soldado israelita revista um palestino num posto de controle, sul de Hebron, Palestina. [Foto: Abed al Hashlamoun/LUSA]

Munther Amira: “Meu amigo, na Palestina, a prisão é uma universidade”

O assistente social e ativista pelo fim da ocupação da Palestina esteve em Portugal e conversou com o Setenta e Quatro. Denuncia uma “nakba permanente”, o agudizar da violência dos colonos sobre as populações palestinas e as ameaças de morte que já recebeu pelo seu ativismo.

Entrevista
5 Outubro 2023

Munther Amira é natural de Dayr Aban, mas Dayr Aban já não existe. Ficava a uns 20 quilómetros a oeste de Jerusalém e assume-se que possa ser o mesmo local que no Velho Testamento é nomeado Eben Ezer. Viviam lá quase 2500 pessoas, expulsas das suas casas em outubro de 1948 pelo exército israelita. Nunca mais voltaram.

Dayr Aban foi uma das 536 vilas destruídas no ano em que começou a “catástrofe”, o forçado êxodo massivo que levou ao colapso da sociedade palestina e inaugurou uma limpeza étnica. Os sobreviventes chamam-lhe nakba. “A nakba começou em maio, mas o exército só chegou a Dayr Aban em outubro”, explica Munther. “Massacraram homens e violaram mulheres”, segundo os recontos dos seus antepassados.

Munther diz não querer voltar lá, mas guarda a chave da casa da sua família, apesar de as portas terem sido arrombadas há 75 anos. Não quer que as memórias transmitidas pelo avô e o pai sejam destruídas pela visão das ruínas das casas tomadas pela vegetação silvestre e pela erosão dos elementos.

O tempo é marcado pelos refúgios que a sua linhagem encontrou: “o meu avô foi viver numa caverna, primeiro, e depois foi vivendo em tendas”. Em criança, lembra-se de habitar “um abrigo maior”, no campo de refugiados de Aida, construído entre Belém e Beit Jala em 1950, onde ainda vive. “Hoje, temos edifícios, prédios inteiros construídos dentro de campos de refugiados”, explica. “São guetos.”

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Militante pelo fim da ocupação israelita da Palestina, Munther Amira advoga pela não violência. Em Belém, é coordenador do Comité de Coordenação de Luta Popular nos territórios ocupados.

Em dezembro de 2018, o assistente social e ativista pacifista foi detido num protesto não violento em nome das crianças e dos adolescentes detidos e aprisionados pelo regime israelita. Nessa altura, passava um ano desde a prisão de Ahed Tamimi, jovem de 16 anos presa por esbofetear o soldado israelita que disparou uma bala de borracha à cabeça do seu primo, Mohamed Tamimi, deixando-o em coma.

Já sob o olhar atento das autoridades israelitas, Amira foi condenado a seis meses de prisão com recurso à chamada Ordem Militar 101, que “proíbe qualquer reunião, vigília, procissão ou publicação relacionada com "um assunto político ou suscetível de ser interpretado como político", e ao falso depoimento de um soldado israelita que afirmou ter sido apedrejado por Munther. 

“Até a resistência não violenta os chateia”, conta Munther Amira ao Setenta e Quatro. “Controlam-me os movimentos. Passo horas em postos fronteiriços e postos de controlo, à espera, sem saber se posso passar ou não. Não consigo ter uma vida minimamente estável.”

Também é assistente social, e um dos coordenadores do Comité de Coordenação de Luta Popular, uma organização que pretende, como diz o nome, coordenar a resistência não violenta em todos os territórios palestinos. Os seus voluntários ajudam as populações indígenas a garantir a sua segurança e o acesso à água, à terra e à educação das crianças e dos jovens.

Apesar da sua natureza pacifista, é um trabalho perigoso que muitos momentos o deixa "cansado e desanimado". Em junho, a aldeia de Ein Samiya deixou de existir. “As suas casas foram sendo demolidas, a área de pasto foi ficando cada vez mais pequena, e depois chegou a violência dos colonos”, explica Munther, que denuncia ameaças, assédios, emboscadas, ataques e pilhagens. Cerca de 40 famílias foram expulsas. Munther chama-lhe a “nakba permanente”.

A violência vem de todo o lado, não só dos militares. Vem de adolescentes radicalizados (“colonos de terceira ou quarta geração”), de pastores armados com espingardas automáticas, de bulldozers que arrasam casas e aterram poços de água. “A ideia é tornar miserável a vida de cada palestino. Cada momento da tua vida está ocupado. Sim, somos um povo forte, mas o ódio que sustenta a violência que sofremos também é.”

Dependemos de quem nos lê. Contribui aqui.

O Munther é conhecido pela sua abordagem não violenta à luta contra a ocupação da Palestina, mas isso não o impediu de ser preso e multado diversas vezes. Em que ponto está a resistência contra a ocupação?

Antigamente, tínhamos uma insurgência e uma cultura revolucionária, não uma resistência. Neste momento, não estamos a agir, estamos a reagir, mas não deixamos de estar a lutar. Não há uma ação para libertar a Palestina, mas estamos a lutar contra a ocupação da nossa terra. 

Aprendi que não importa assim tanto se o fazemos por meios não violentos ou pela luta armada, ou se lhe chamamos insurgência ou revolução. Lutamos contra um ocupante que já não quer só terra, portanto a defesa do nosso povo é a nossa resistência. Mas, um dia, será uma verdadeira revolução. Acredito nisso.

A ocupação da Palestina não tem equivalente no mundo. Os portugueses ocuparam a Guiné, Angola, Moçambique, extraíram os recursos, e um dia tiveram de voltar para a sua terra. O mesmo, até certo ponto, com os franceses e os britânicos. Com os israelitas não é assim.

Ocuparam a terra, depois as nossas vidas e agora querem ocupar as nossas cabeças. A ocupação territorial que começou em 1948 e se consagrou em 1967 não lhes bastou. Agora tentam esvaziar de gente a terra palestina que ainda sobra ou pôr-nos, como escravos, a trabalhar para eles. Querem que sejamos os “Outros", aqueles que vivem em terra israelita para os servir.

Quando diz que também querem ocupar as cabeças, o que significa?

Fazer os palestinos aceitar a ocupação. Se um palestino não lutar contra a ocupação, pode trabalhar naquilo que chamam Israel e ter um salário dez vezes superior àquele que ganha um palestino nos territórios ocupados. Com esse dinheiro, qualquer um ficaria pronto para se calar, para não agir, nem sequer fazer uma publicação no Facebook. É mais uma maneira de nos separarem.

Belém é um gueto com guetos dentro. Quem visita vê: vivemos em prisões gigantes. Israel controla todas as entradas e saídas dos territórios ocupados. Cobra taxas e impostos extraordinários onde quer e pode. Se quisermos construir uma casa, é necessária uma autorização da administração israelita, mesmo se estivermos em território palestino. 

Se uma casa for construída sem essa autorização, chegará uma ordem de demolição com duas opções: demolir a casa com as próprias mãos ou pagar pelo serviço. Mesmo num bairro palestino, pode vir um bulldozer arrasar-te a casa e serás tu a pagar por isso. Imagina passares uma vida a construir uma casa e no fim teres de a demolir com as próprias mãos. O Estado de Israel usa violência por todos os lados para quebrar o nosso espírito.

Os ataques por parte de civis, de colonos israelitas, também se têm tornado mais comuns.

Em Belém, os ataques de colonos israelitas a agricultores e pastores palestinos não são novidade. E são planeados. A este de Ramallah temos dez comunidades, separadas umas das outras. Três delas foram, recentemente, "transferidas". Toda a população foi forçada a sair das suas casas. Nas restantes, tentam fazer o mesmo. Não com a força do exército, mas através da violência dos colonos.

Há colonos, pastores, que decidem os limites dos seus territórios de acordo com a vontade das suas ovelhas. Reclamam como seu qualquer pedaço de terra onde elas cheguem. Mas é a nossa terra: temos os papéis, os documentos. Mas se as ovelhas lá chegam, acabou: agora, aquela terra é deles. 

Ficamos proibidos de levar as nossas ovelhas a comer e a beber ali. Torna-se território proibido para palestinos. De repente, os pastores palestinos ficam sem pasto para os seus animais. São obrigados a comprar ração e água, o que se torna insuportável. Eventualmente, essas pessoas são forçadas a sair, porque também lhes destroem as escolas, os olivais ou as próprias tendas onde vivem.

Estão a tornar-se cada vez mais comuns as invasões a casas. Os colonos partem tudo e pilham o que querem.

A população de Ein Samiya, uma aldeia de 40 famílias em Ramallah, foi forçada a sair das suas terras entre maio e junho. As suas casas foram sendo demolidas, a área de pasto foi ficando cada vez mais pequena, e depois chegou a violência dos colonos. Só sobrou a escola, feita de contentores. Tudo o que estava lá dentro foi pilhado. Os poços de água foram aterrados. Ein Samiya já não existe.

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Grupo de jovens colonos israelitas armados e encapuzados ameaçam membros do Comité de Coordenação de Luta Popular. (Vídeo: cortesia de Munther Amira)

E a presença militar?

Os israelitas deixaram recentemente de permitir que veículos palestinos entrassem em Masafer Yatta, um conjunto de vilarejos numa área sob ocupação a sul da cidade a que chamam Hebron. Israel declarou esse território zona de treinos militares, de acesso restrito, há muitos anos, e foi expulsando as pessoas. Proibiram novas construções. Hoje sobram alguns habitantes, que precisam de ajuda. Se fôssemos de carro, seríamos parados, multados, e os carros confiscados. Então, fomos de burro.

Depois, há os postos de controlo, as rusgas noturnas, armas constantemente apontadas contra ti. No outro dia, no campo [de refugiados de Aida], passou-me um laser pelos olhos. Era uma [espingarda] M16 apontada, ao longe, de uma torre do posto de controlo, à minha cabeça. Era só premir o gatilho e eu caía morto.

Há quatro dias mataram um rapaz de 15 anos no campo [de refugiados] de Jenin, durante uma incursão, ao amanhecer. Todos os dias acordo e tenho notícias de morte e destruição, de fuzilamentos e ataques, por toda a Palestina. De pessoas mortas até olivais destruídos, casas demolidas ou pessoas espancadas.

Então, que resistência há hoje?

Há pouca resistência popular. Nós, os ativistas, estamos sozinhos. Mesmo a resistência armada... Em Jenin, pelo menos metade dos combatentes foram mortos. Somos ameaçados de todos os lados. A maioria dos colonos carrega uma arma. Há pastores com espingardas automáticas. A constante ameaça de violência e morte dissuade as pessoas.

Até a resistência não violenta os chateia. Fazem tudo para pará-la. Há uns tempos, numa manifestação, fui atingido com uma bala numa perna. Uma meia hora depois, um amigo meu recebeu uma chamada de um agente da Shabak [serviço de segurança interno israelita] que lhe disse: "quero que lhe digas que da próxima vez será na cabeça".

Controlam-me os movimentos. Passo horas em postos fronteiriços e postos de controlo, à espera, sem saber se posso passar ou não. Não consigo ter uma vida minimamente estável. Da última vez que fui ameaçado, o mesmo agente da Shabak disse-me que se fizesse muito barulho morria eu e morria o meu filho. Não é fácil ser ativista na Palestina, mesmo apelando à não violência. Ao todo, já passei um ano e meio na prisão, por causa do meu ativismo, pagando sempre uma multa à saída. A extorsão está em todo o lado.

Nós só queremos unir as pessoas, educá-las, explicar-lhes os seus direitos: o direito à liberdade de expressão, de reunião, e de pôr fim à ocupação. Podemos pagar preços muito altos por isso. Mas eu estou pronto para morrer. Estou feliz com a luta que travei até aqui. Lutamos por mais do que a terra. Lutamos por liberdade e dignidade. Por uma democracia que nos dê justiça e paz. Tudo o que não existe, hoje, na nossa terra, com aquele governo fascista.

"Era um jovem quando foram assinados os Acordos de Oslo [em 1993]. Pensei: 'khallas [acabou], vamos viver em paz'. Aceitámos a paz, aceitámos a convivência. Estávamos errados. Fomos enganados."

Costumamos chamar-lhe apartheid. Faz sentido?

Sim, mas o que temos na Palestina já não se pode comparar com o que houve na África do Sul. Não é só discriminação ou segregação. Está em todos os aspetos da nossa vida, está dentro dos nossos corpos.

Mudou alguma coisa com este novo governo, mais extremista?

Não, não traz nada de novo. Só torna mais visível o radicalismo do movimento sionista. Assumiram finalmente o Estado supremacista judaico que queriam ter. E com isto só quero denunciar o uso da religião para a construção de uma ocupação, de um Estado autoritário. Não tenho nada contra o povo judeu. Na Palestina, antes da ocupação, viviam judeus, muçulmanos, cristãos. A nossa luta também é pelo retorno à convivência.

Os Estados Unidos não querem saber que tipo de gente governa em Israel, desde que garantam os seus interesses imperialistas. A Europa empurra-nos para uma suposta solução de dois Estados, mas não faz nada para que aconteça, limita-se a testemunhar a violência e a dar, envergonhadamente, uns apoios em dinheiro.

Era um jovem quando foram assinados os Acordos de Oslo [em 1993]. Na altura era muito ativo na luta, era procurado pelo exército israelita. Mas quando se assinaram os acordos, senti-me seguro. Pensei: "khallas [acabou], vamos viver em paz". Fomos para as ruas cantar, dançar. Carregámos Yasser Arafat em ombros. O nosso herói que trouxe a paz ao povo palestino. Aceitámos a paz, aceitámos a convivência.

Achei que nunca mais veria um soldado israelita, que teríamos o nosso próprio governo, que poderia casar e ter uma família, que os meus amigos seriam libertados. Um familiar, bem mais velho, disse-me: "és doido, nunca teremos paz". Nem um ano depois, o meu pai ficou gravemente ferido depois de ser atacado por colonos. Ficou com a cara desfigurada. Estava errado. 

Fomos enganados. Nessa altura, havia 100 mil colonos na Cisjordânia. Hoje há mais de 700 mil. Ao fim de 30 anos, os meus amigos continuam na prisão. As suas mães, as que ainda estão vivas, continuam cá fora à sua espera. Outros foram mortos ou estão traumatizados para a vida. Estamos exaustos. O filho do meu vizinho, uma criança de 12 anos, foi morto com um tiro de sniper. O meu filho, com a mesma idade, já foi levado para a prisão.

Lutamos como conseguimos. Educamos as crianças. Ensinamos-lhes a história do que havia antes da ocupação das aldeias dos seus avós. Ensinamos a verdade enquanto tentamos que comecem todos os dias com um sorriso na cara. É esta a resistência.

Com o Comité de Coordenação da Luta Popular, presta ajuda, também, a agricultores palestinos. A apanha da azeitona está a chegar e, como disse, chegarão também os ataques terroristas dos colonos. As pessoas estão organizadas para se proteger?

Infelizmente, não. A época da apanha da azeitona era a mais feliz para os agricultores. Aliás, para todos nós. Saíamos para os campos, colhíamos as azeitonas, cantávamos, comíamos, dançávamos. Quase todas as nossas canções populares vêm dos momentos em comum na apanha da azeitona. Era a mais pura alegria. Hoje temos medo.

Sabemos que seremos atacados pelos colonos que nos querem aterrorizar. Muitos palestinos já nem saem para os seus campos. Há aldeias em que os colonos cortaram ou queimaram este ano milhares de oliveiras. Mas é assim todos os anos, e só piora. Sei que posso ser espancado, posso ser morto por algum colono. Posso ser detido pelo exército se me tentar defender.

Mas vamos para os campos. Não vamos desistir nem mostrar medo. É assim que resistimos. Teremos alguns voluntários de outros países, e isso ajuda um pouco. Quando há cidadãos de outros países, os militares costumam ser mais brandos. Os colonos não, não querem saber. O ano passado tivemos connosco uma voluntária israelita que foi igualmente apedrejada. Abriram-lhe a cabeça e um lábio. Ela gritava: "sou israelita, sou judia!", mas eles não quiseram saber.

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Voluntários do Comité de Coordenação de Luta Popular são abordados por elementos do exército israelita durante uma ação de apoio à apanha da azeitona. (Vídeo: cortesia de Munther Amira)

Além disso, também tentam organizar diversas formas de luta popular entre as diversas comunidades dos territórios segregados.

Sim, tentamos fazer protestos, organizar atividades com as comunidades. Apostamos na educação das crianças e na criação de redes de comunicação. Apoiamos prisioneiros, especialmente quando fazem greve de fome, e as suas famílias.

Na semana passada recolhemos dinheiro e mandámos fazer e instalar um portão, para proteger a casa de uma família que vive perto de um colonato israelita. Esta família sofria ataques recorrentes dos colonos. Partiam-lhes as janelas, apedrejavam-nos. Construímos um muro em redor da casa e, anteontem, montaram o portão. Quando voltar, vamos tentar reunir mais um pouco de dinheiro e instalar umas câmaras de vigilância.

Apoiamos as comunidades beduínas, que também sofrem violência dos colonos. Recolhemos roupa e sapatos, e livros e brinquedos para as crianças. E conseguimos oferecer-lhes candeeiros solares, que fomos montar, a pé, junto aos seus acampamentos nas montanhas. Os colonos atacam-nos de noite. Assim poderão saber se alguém se aproxima. Passámos lá essa noite. Se viessem colonos, ou até o exército, não poderíamos fazer nada — mas ao menos estávamos lá, com eles. Se lhes batessem, batiam-nos a nós também.

Antes de vir nesta viagem [à Europa], promovemos uma campanha de regresso às aulas. Não podemos chegar a todo o lado, mas todos os anos tentamos fazê-lo numa zona diferente. Levamos mochilas, livros, cadernos, material escolar. Tentamos incentivá-los a ir à escola, especialmente as meninas.

Estar com as pessoas é o mais importante na nossa luta, especialmente com aqueles que vivem em zonas comummente atacadas pelo exército e pelos colonos. A nossa luta é interna: garantir às pessoas uma vida digna. Apoiá-las nos seus direitos.

Estivemos ao lado dos trabalhadores palestinos, e das suas famílias, que fizeram greve quando o famoso empresário, também palestino, Bashar al-Masr decidiu colaborar com instituições israelitas. Durante seis meses protestámos em frente ao seu palacete sob o mote "trabalhadores mas nunca escravos".

Temos de construir consciência e resistência. Consciência da ocupação e de que podemos acabar com ela. E, aí, tudo isto pode ser resistência. Receber pessoas de outros países, contar-lhes a nossa história, também é resistência. Mandar os nossos filhos para a universidade também é resistência.

"Em Nablus, em 2015, um grupo de colonos atacou uma casa com bombas incendiárias durante a noite e queimou viva uma família. Um pai, uma mãe e um bebé de 18 meses. O 'mundo livre' não vê isto?"

Tem sublinhado a importância do apoio às famílias e à educação das crianças e dos jovens. Do lado dos colonos israelitas, a violência mais grave vem precisamente dos mais jovens.

Sim, até de adolescentes! Parece que tomam algum tipo de droga. Atacam raivosamente. Não pensam, não ouvem. Simplesmente atacam.

De onde é que vem todo esse ódio?

Deus prometeu-lhes aquela terra. Estão convencidos disso. São a terceira ou a quarta geração de colonos e estão absolutamente radicalizados. Param-nos na estrada, abordam-nos aos gritos, de cara tapada e armas na mão. Insultam-nos, empurram-nos. Tentam provocar-nos a reagir, para poderem magoar-nos.

Atacam-nos à luz do dia, em qualquer altura. O "mundo livre" não vê isto? Não vê como nos tratam? Em Nablus, em 2015, um grupo de colonos atacou uma casa com bombas incendiárias durante a noite e queimou viva uma família. Um pai, uma mãe e um bebé de 18 meses. Isto não é genocídio?

A ocupação é isso, todos os dias. A ideia é tornar miserável a vida de cada palestino. Noite e dia. Cada momento da tua vida está ocupado. Sim, somos um povo forte, mas o ódio que sustenta a violência que sofremos também é.

Passou um ano e meio na prisão. Foi algo que o desanimou?

Meu amigo, na Palestina, a prisão é uma universidade. Levaram-me para uma prisão de alta segurança, onde ficam três prisioneiros por cela e onde estão antigos combatentes e líderes de movimentos de libertação, alguns condenados por terrorismo. Reencontrei amigos que não via há 10, 20, 30 anos. 

Conheci Marwan al-Barghouti, um dos líderes da Fatah. Já esteve exilado e está há 20 anos naquela prisão, a cumprir cinco penas de prisão perpétua. Quando cheguei ao pátio, no primeiro dia, vi alguém, pelo canto do olho, muito parecido com ele. Mas Marwan era um homem forte, e aquele estava magro e fraco. Então, ele chama-me: "Munther!". Era ele. Fiquei chocado. Eu não fazia ideia que Marwan me conhecia. 

No segundo dia, vejo um grupo de prisioneiros reunidos em círculo, no pátio, e Marwan a dar-lhes uma palestra. Um dia, os israelitas decidiram esvaziar a biblioteca da prisão. Não sobrou nenhum livro. Então, estes homens juntaram-se e começaram a fazer palestras no pátio da prisão. Ele chamou-me e apresentou-me aos outros homens que o estavam a ouvir. Tinham todos passado pela luta armada. Muitos tinham sido líderes e, por isso, estavam há 30, 35 anos naquela prisão.

Ele olha para mim, aponta para uma cadeira e diz "por favor". Fiquei sem perceber. E ele explicou: "é a tua vez de dar a palestra". "Munther, queremos ouvir sobre a tua resistência não violenta", disse-me ele.

Perguntei-lhe o que ele achava do que eu fazia. Ele disse que acreditava na resistência coletiva. "Chama-lhe o que quiseres, desde que resistas". Já cá fora, falei com a esposa dele. Ela visitou-o e disse-lhe que eu estava bem. E ele mandou-me um recado: quer que eu volte para lá mais seis meses, para dar umas palestras.