Judeu e socialista. Formado em História pela Universidade de Yale. Membro da secção Bread & Roses do partido Democratic Socialists of America.

 

Os reféns israelitas são uma ferramenta de propaganda para o governo de Netanyahu

Israel diz que o seu ataque brutal a Gaza é justificado pelos reféns israelitas detidos pelo Hamas. Mas as acções do governo israelita sugerem que se preocupa pouco com o bem-estar dos reféns e mais com a sua utilização como propaganda anti-palestina.

Ensaio
2 Novembro 2023

O Estado israelita tem-se esforçado ao máximo para justificar a sua guerra contra Gaza. No centro da campanha de propaganda de Israel está a afirmação de que o cerco se destina a salvar os mais de duzentos reféns israelitas detidos em Gaza.

Os principais meios de comunicação social e conhecidas figuras públicas têm repetido este facto acriticamente. A comediante Sarah Silverman publicou recentemente um meme que culpava os palestinianos pelas bombas que Israel está a lançar sobre eles, uma vez que, segundo ela, o Hamas poderia simplesmente libertar os reféns para acabar com os bombardeamentos. Na semana passada, mais de 300 atores famosos norte-americanos publicaram uma carta de apoio à política de guerra do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, exortando-nos a não "descansar até que todos os reféns sejam libertados".

Mas se o governo israelita se preocupa tanto com os seus reféns, porque está a bombardear indiscriminadamente Gaza? A realidade, ao que parece, é que os reféns estão a ser usados como instrumento de propaganda para a guerra brutal de Israel.

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Israel está provavelmente a matar reféns israelitas

A 7 de outubro, durante o seu ataque brutal que matou mais de 1400 pessoas em Israel, as forças lideradas pelo Hamas capturaram, antes de se retirarem para Gaza, mais de 200 militares e civis israelitas como reféns.

Posteriormente, o Hamas propôs a troca dos reféns israelitas pelos milhares de palestinianos que estão nas prisões israelitas, 530 dos quais detidos sem acusação nem julgamento e 160 crianças. Israel respondeu com um número sem precedentes de ataques aéreos indiscriminados e bombardeamentos, atingindo hospitais, escolas, edifícios residenciais e de escritórios, a terceira igreja mais antiga do mundo e até civis que fugiam por estradas supostamente seguras.

O governo israelita alega que o Hamas está a usar estes alvos como escudos humanos, sob os quais estarão instaladas as bases militares do grupo -- tornando-os, portanto, alvos legítimos. Mas isto levanta uma questão: se estes são realmente esconderijos do Hamas, bombardeá-los não mataria provavelmente os reféns que Israel diz estar a tentar resgatar?

Até 16 de outubro, o Hamas afirma que 22 dos israelitas feitos reféns foram mortos pelos ataques aéreos de Israel. Embora seja impossível saber se é verdade, é difícil olhar para a destruição maciça feita em Gaza e não pensar que pelo menos alguns reféns morreram nos bombardeamentos.

Enquanto Israel continua a bombardear palestinianos inocentes, bem como os reféns que supostamente está a tentar salvar, o Estado israelita tem feito circular imagens das crianças raptadas por todo o mundo, numa tentativa de justificar os seus crimes de guerra. Na semana passada, depois de a congressista nova-iorquina Nydia Velázquez ter subscrito uma resolução do Congresso dos EUA que apelava a um cessar-fogo, ativistas pró-Israel protestaram à porta do seu gabinete para que ela abandonasse a posição pró-paz. 

Os ativistas exibiram cartazes com os rostos de reféns israelitas e as palavras "Nydia apoia o terrorismo" impressas em letras grandes e a negrito. Imagens semelhantes de reféns israelitas podem ser vistas espalhadas pelos metros de Nova Iorque, campus universitários e outros espaços públicos.

O rescaldo da libertação de alguns reféns pelo Hamas na semana passada ilustrou a importância dos prisioneiros para os esforços de enquadramento de Israel. Uma das reféns libertadas, Yocheved Lifshitz, de 85 anos, deu uma conferência de imprensa no Hospital Ichilov, onde foi tratada depois de libertada, e disse que tinha sido mantida em boas condições. Posteriormente, uma enfermeira que tratava de Lifshitz informou que o pessoal do hospital tinha recebido instruções para não falar ao público sobre o tratamento que Lifshitz recebeu em cativeiro, e a família de Lifshitz afirma ter recebido as mesmas instruções.

Nada disto significa que o Hamas esteja necessariamente a tratar bem todos os prisioneiros, ou que os reféns não devam ser libertados imediatamente como parte de um cessar-fogo. Mas se Israel estivesse a falar a sério sobre o resgate dos seus reféns, então não estaria a bombardeá-los ou a cortar-lhes o acesso a comida, a água, a energia e a cuidados médicos. Não estaria a recusar-se a trocar qualquer um dos seus milhares de prisioneiros palestinianos por eles. (O governo iraniano também afirmou, a 16 de outubro, que o Hamas estaria disposto a entregar os reféns em troca do fim dos ataques aéreos israelitas a Gaza).

Há outras razões para duvidar da sinceridade do governo israelita. Foi preciso esperar até 15 de outubro, mais de uma semana depois da tomada dos reféns, para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, se encontrar com representantes das suas famílias. Nessa reunião, um participante desconhecido dos outros membros da família argumentou a favor da abordagem de terra-queimada de Netanyahu, dizendo-lhes: "[Amo os meus familiares] Não menos do que vocês amam os vossos próprios familiares. Mas, no final, temos de olhar para o povo de Israel e para o futuro da nossa existência aqui". Muitos dos familiares presentes na sala e outros nos meios de comunicação israelitas acusaram desde então o participante de ter sido plantado para reforçar o apoio à política de guerra de Israel.

Numa entrevista, Yasmin Porat, uma habitante israelita do kibutz de Be'eri, um dos kibutzim atacados pelo Hamas a 7 de outubro, testemunhou que ela e outros reféns foram mantidos pelo Hamas durante dois dias, até à chegada das Forças de Defesa Israelitas a 9 de outubro. Ela disse que os soldados israelitas mataram militantes do Hamas e reféns israelitas, e que um tanque israelita rebentou com os edifícios onde se encontravam os reféns. Durante os combates, e de acordo com outro residente do kibutz ausente na altura, "pelo menos 112 pessoas de Be'eri foram mortas".

Adereços convenientes

Sejam quais forem os motivos do governo israelita, é evidente que Israel está a usar o ataque de 7 de outubro e os reféns para justificar um ataque brutal a Gaza -- talvez com a esperança de anexar mais território. Na semana passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel disse que "no final desta guerra [...] o território de Gaza também diminuirá". Nos últimos dias, o Ministério de Inteligência israelita fez circular um memorando interno propondo a reinstalação no Egipto dos habitantes deslocados de Gaza. 

E um grupo de reflexão israelita dirigido pelo antigo responsável pela segurança nacional de Netanyahu, Meir Ben Shabbat, publicou um relatório argumentando que a guerra em Gaza proporciona uma "oportunidade única e rara para evacuar toda a Faixa de Gaza em coordenação com o governo egípcio", a fim de conseguir a "deslocalização e a instalação definitiva de toda a população de Gaza".

Na Cisjordânia, onde não há presença do Hamas, Israel também parece ter usado a guerra como desculpa para acelerar a colonização, armando milícias de colonos, assassinando mais de cem palestinianos e despovoando duas vilas palestinianas. Em Israel, o governo está a aumentar a repressão interna, procurando proibir a Al Jazeera e prender qualquer pessoa que divulgue informações que possam "prejudicar a moral nacional".

A atual guerra de Israel não tem a ver com a luta contra o terrorismo ou com o resgate de reféns. Trata-se de fazer avançar violentamente o seu projeto expansionista em Gaza, na Cisjordânia e em Israel. E as vidas palestinianas e judias que se danem.

Artigo originalmente publicado na Jacobin Magazine.