O líder de uma das maiores burlas do mundo arrisca 280 anos de prisão nos Estados Unidos e o Setenta e Quatro encontrou quem implementou o esquema em Portugal faturando milhões à custa dos mais indefesos.
Nos anos 1990, uma gigantesca burla instalou-se um pouco por todo o mundo. O esquema repetia o mesmo modus operandi em vários países. Blake Ellis e Melanie Hicken, duas jornalistas da CNN norte-americana que investigaram as operações deste esquema nos Estados Unidos, explicam-no no seu livro “Um negócio com o Diabo: a estranha e obscura história de uma das maiores burlas de sempre”.
Primeiro são criadas listas de alvos. Isto passa muitas vezes por consultar registos de pessoas que fazem doações para instituições de caridade, respondem a anúncios de jornal ou subscrevem determinadas publicações.
Depois são criadas listas de nomes por categorias que agrupam os potenciais alvos conforme as suas características. Mais tarde, estas listas são vendidas no mercado negro e usadas para identificar os alvos mais vulneráveis: idosos, pessoas que tinham perdido entes queridos, pessoas com doenças mentais, demência ou com qualquer outro atributo que as tornassem alvos fáceis.
Finalmente, eram enviadas cartas em nome de uma misteriosa vidente, Maria Duval, prometendo serviços de vidência, amuletos e toda a espécie de serviço esotérico. Tudo a troco de dinheiro.
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“Tomei a liberdade de lhe escrever porque se passa alguma coisa de ESTRANHO consigo”, lê-se numa carta enviada por Maria Duval que, segundo a mesma missiva, “participou em inúmeras emissões de Rádio e Televisão” e é qualificada pela “imprensa internacional” como “radar humano”.
“Sabe porque é que eu me preocupo tanto consigo Luís? Preocupo-me tanto consigo porque fiquei a pensar no seu futuro e cheguei à seguinte conclusão: você precisa de ajuda para afastar as nuvens cinzentas que ainda pairam sobre a sua cabeça”, lê-se. Bastaria fazer um pagamento com um cheque em nome de uma misteriosa empresa chamada Astroforce e embarcar numa missão de 63 dias e, seguindo as indicações da amiga Maria Duval, teria “uma nova vida cheia de amor, sorte e dinheiro!”.
Maria Duval suplicava a Luís que a ouvisse e que a deixasse ajudá-lo porque, dizia ela, “se recusar a ajuda que lhe ofereço hoje, receio bem que [...] fique prisioneiro do ambiente em que vive”.
O esquema, de contornos particularmente perversos por se dirigir aos mais vulneráveis, rendeu centenas de milhões diretamente dos bolsos dos mais crédulos para as contas dos que engendraram o esquema. Patrice Runner, que se acredita ter sido o impulsionador da mega-burla, foi recentemente a tribunal e declarado culpado de ser o responsável do esquema que rendeu mais de 175 milhões de dólares só nos Estados Unidos.
Runner aguarda sentença, mas encara uma pena máxima por cada um dos 14 crimes de que o tribunal o considerou culpado: pode ser sentenciado a um total de 280 anos de pena de prisão.
A Deco relata que várias pessoas contactaram os seus serviços por a vidente saber o seu nome completo ou adivinhar estar a passar por problemas de falta de dinheiro, ansiedade e solidão.
“Durante mais de 20 anos, Patrice Runner esteve por detrás de um esquema predatório que tinha como alvo cidadãos idosos enviando cartas personalizadas a milhões de vítimas fazendo-se passar por uma vidente de renome mundial. O veredito de ontem não deve ter apanhado o senhor Runner de surpresa”, disse um inspetor postal dos Estados Unidos.
Em Portugal, a empresa por detrás da vidente Maria Duval declarou receitas de três milhões de euros num único ano, entre 1 de Julho de 1998 e 30 de Junho de 1999.
Apesar de o nome de Runner estar associado a esta operação internacional que predava os mais vulneráveis e se entender que a geriu entre 1994 e 2014, a verdade é que o modelo foi proliferando por vários países, usando o nome Maria Duval mas também outros. Ainda hoje a rede continua a funcionar.
Astroforce é um nome que se repete pelo mundo inteiro em empresas ligadas a “Maria Duval”. Uma investigação de dois anos da CNN norte-americana, publicada em 2016, viria a identificar empresas com esse nome em países como Austrália, Reino Unido, Dinamarca ou Países Baixos e Espanha, todas elas envolvidas na burla. No Reino Unido, aliás, a autoridade reguladora da publicidade recebeu e deferiu queixas contra esta empresa por publicidade enganosa. Mas as operações da vidente em território português escapou-lhes.
A verdade é que Portugal não foi excepção e, nos anos 1990, foi montada uma rede de empresas para implementar o negócio também em Portugal. O grande impulsionador foi João Vale e Azevedo, quem tratou de criar a estrutura internacional de empresas foi Joaquim Aliu Presas, cunhado de Francisco Pinto Balsemão, e os investidores alegadamente involuntários foram quatro Champalimaud: Teresa Maria Carvalho Ortigão Ramos Champalimaud, Francisco J.S. Champalimaud, Francisco Xavier Vilardebó Sommer Champalimaud e Frederico Tito de Champalimaud. Mas lá chegaremos.
A 8 de Abril de 1996 foi criada, em Cascais, a ASTRO-FORCE - Venda de Bens e Serviços, Ltda. O holandês Albert Koestheid foi nessa altura nomeado gerente da empresa. De Koestheid sabe-se pouco, mas esteve também ligado à Astroforce Escandinávia e à Astroforce Reino Unido. As ligações à rede internacional são evidentes. Por exemplo, a empresa francesa que se encarregou de implementar a burla nesse país chamava-se Paradiso, mas foi a Astroforce Holding SA (a empresa-māe) que nomeou a gerente. No caso, a própria Maria Duval.
Quer Koestheid quer Alberto Rabinovitz, que seria nomeado gerente da Astroforce em 1999, estavam também por detrás, por exemplo, da burla na Suécia. Mais importante parece ser a ligação de Rabinovitz à Astroforce espanhola, assunto ao qual voltaremos.
A estrutura parece indicar que a empresa portuguesa fez parte da rede internacional, mas descobrir quem está por detrás dela não é informação imediatamente disponível, uma vez que os seus sócios são duas outras empresas que, por sinal, têm nomes muito semelhantes: a Marden Enterprises (Portugal), maioritária, e a Marden Enterprises Corporation (das Ilhas Virgens Britânicas), minoritária.
"Durante mais de 20 anos, Patrice Runner esteve por detrás de um esquema predatório que tinha como alvo cidadãos vulneráveis enviando cartas personalizadas a milhões de vítimas fazendo-se passar por uma vidente de renome mundial."
Sobre a empresa portuguesa, uma ida à Conservatória do Registo Comercial de Cascais permitiu-nos descobrir que foi criada em 1995 por João Vale e Azevedo. O ex-Presidente do Benfica era sócio minoritário e gerente. O sócio maioritário era a Marden Enterprises Corporation. Isto quer dizer que a Marden das Ilhas Virgens Britânicas (IVB) detinha a grande maioria do capital da Astroforce.
Por enquanto, interessa reter que, em 1997 e durante dez meses, Vale e Azevedo cedeu a sua quota e a posição de Gerente a Francisco Champalimaud para, em setembro do ano seguinte, a operação ser revertida. A empresa só seria extinta em 2012.
“Eu contratei, por indicação do Joaquim Presas, o Dr. Vale e Azevedo para constituir [a] Marden Entreprises (Portugal) Investimentos Imobiliários Lda e a Marden Entreprises Corporation”, disse ao Setenta e Quatro Francisco Champalimaud. No entanto, continuou, aproveitando o facto de ser detentor provisório de quotas da empresa (para mais facilmente tratar de burocracias), “constituiu (...) sociedades fictícias (...), emitiu faturas falsas na sociedade, e inclusivamente hipotecou o prédio urbano pertencente ao Marden Entreprises (Portugal) ao BCP.”
“Por sorte, quando o apanhei com a mão no ‘pote’ ele retirou a mão, com desculpas esfarrapadas de gatuno”, explicou Francisco Champalimaud. Na sua versão dos acontecimentos, Vale e Azevedo abusou indevidamente da confiança que lhe havia sido depositada, agindo em nome de empresas que não eram verdadeiramente suas. Champalimaud exigiu que fossem tomadas diligências para que ele não tivesse mais nada a ver com as empresas.
O Setenta e Quatro contactou a representação legal de Vale e Azevedo que, primeiro, negou qualquer envolvimento do seu cliente ou das suas empresas com o esquema Maria Duval. Posteriormente, quando confrontada com informação do processo legal de que falaremos à frente, não prestou quaisquer esclarecimentos.
É difícil confirmar esta informação. Quanto à Marden Enterprises Corporation, por estar sediada nas IVB, a informação é mais escassa. No entanto, graças à fuga de informação conhecida como Pandora Papers, divulgada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), o Setenta e Quatro conseguiu descobrir quem estava por detrás da empresa.
Em Portugal, a empresa por detrás da vidente Maria Duval declarou receitas de três milhões de euros num único ano, entre 1 de Julho de 1998 e 30 de Junho de 1999.
Nos documentos agora descobertos, é possível ver que quem dá o nome e a cara pela empresa é Joaquim Maria Aliu Presas, irmão de Maria Mercedes Aliu Presas, esposa de Francisco Pinto Balsemão. É Joaquim Presas que dá ordens desde os seus escritórios na Suíça para as IVB, mas fá-lo também para outras empresas que não aparentam estar relacionadas com Maria Duval. Presas estava à frente de uma empresa chamada J.P. Capital Management, que prestava serviços financeiros.
Os documentos que estavam, até aos Pandora Papers, em sigilo completo mostram mais nomes por detrás da Marden Enterprises Corporation. Mas primeiro detenhamos-nos um pouco numa figura central no que toca a estruturas empresariais em offshores: o procurador.
Um dos principais objetivos quando se cria uma ou várias empresas em jurisdições offshore é esconder o seu verdadeiro dono. Assim, as procurações são um instrumento fundamental que desempenha um de dois papéis.
Um deles é o de designar alguém — um advogado ou agente fiduciário — para agir em nome de uma empresa da qual não são donos (poupando os donos ao trabalho das tarefas administrativas do dia-a-dia). Ou seja, em nome dos verdadeiros donos há uma pessoa que representa a empresa sempre que for preciso.
A outra função da procuração é mais complexa. Imaginemos que a pessoa A queria criar uma empresa nas IVB mas não queria que o seu nome aparecesse no registo. O que poderia, legalmente, fazer seria contratar o senhor B que lhe criaria a empresa e daria o seu nome como dono oficial da empresa. Assim, para todos os efeitos, o dono da empresa seria o senhor B, mas haveria um documento confidencial em que ele declararia que o verdadeiro era o senhor A.
Ora, num contexto destes, é expectável que o senhor A não queira correr o risco de que o senhor B faça o que quiser com a sua empresa. Para o evitar, o que acontece frequentemente é redigir uma procuração em que o senhor B “autoriza” o senhor A a agir em nome da empresa.
“Tomei a liberdade de lhe escrever porque se passa alguma coisa de ESTRANHO consigo”, lê-se numa carta enviada por Maria Duval que “participou em inúmeras emissões de Rádio e Televisão” e é qualificada pela “imprensa internacional” como “radar humano”.
Em resumo, é frequente encontrar neste tipo de documentação procurações dando plenos poderes às pessoas que são as verdadeiras, mas não as oficiais, donas das empresas.
O que o Setenta e Quatro descobriu foi um documento que lista uma série de procurações autorizando um conjunto de pessoas a agir em nome da Marden Enterprises. Entre elas está Joaquim Presas, mas também Francisco J.S. Champalimaud, Teresa Maria Carvalho Ortigão Ramos Champalimaud, Francisco Xavier Vilardebó Sommer Champalimaud e Frederico Tito de Champalimaud.
O envolvimento dos Champalimaud com a Marden Enterprises durou pelo menos entre 1994 e 2000, sendo que a Astroforce foi criada em abril de 1996 para, sete meses depois, passar a ser propriedade da Astroforce Holding BV, a empresa-māe da burla Maria Duval sediada na Holanda.
Francisco Champalimaud disse ao Setenta e Quatro que não tinha conhecimento da existência destas procurações que se prolongaram muito para além da sua exigência para que cessasse o seu envolvimento com as empresas.
Foi também em 2000 que aconteceram dois acontecimentos particularmente importantes envolvendo a Marden Enterprises. Em junho, para garantir que pagaria 4,5 milhões de euros de direitos de Fernando Meira, jogador que o Sport Lisboa e Benfica (SLB) contratara ao Vitória Sport Clube, de Guimarães, Vale e Azevedo quis emitir letras bancárias do BCP garantindo que seriam avalizadas por uma empresa cujo principal accionista era a Marden Enterprises, ou seja, o próprio.
No mês seguinte, em julho, quando ainda vigoravam as procurações que ligavam quer os Champalimaud quer o cunhado de Pinto Balsemão, Joaquim Presas anunciava-se a entrada de três grandes empresas no capital do Benfica que traziam com elas considerável investimento. Uma delas era a firma financeira APAX, a outra era a Marden Enterprises e a terceira era a SIC, de Balsemão.
Fonte oficial da SIC desmentiu que o canal de televisão alguma vez tenha entrado no capital social do Benfica. A origem da notícia é desconhecida mas, segundo o texto do jornal Record, as fontes vinham de dentro da SAD benfiquista. Ao Setenta e Quatro, fonte oficial da SIC disse que a notícia era falsa e que entrar no capital social do Benfica nunca foi sequer ponderado pela SIC.
Em 1998, com a “Maria Duval” a ganhar cada vez mais visibilidade no espaço público, começou a haver também queixas à Deco e às autoridades. Foi em consequência dessas denúncias que a Astroforce foi condenada pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria de Publicidade a pagar uma coima de dez mil euros (em escudos: 2.000.000$00) por publicidade a bens ou produtos milagrosos.
Sobre a empresa portuguesa, uma ida à Conservatória do Registo Comercial de Cascais permitiu-nos descobrir que foi criada em 1995 por João Vale e Azevedo.
A Astroforce levou o caso a tribunal, mas perdeu. Recorreu à Relação e voltou a perder, tentando novamente a sua sorte junto do Tribunal Constitucional, onde voltou a perder. A defesa da Astroforce ficou a cargo do escritório de advogados de Vale e Azevedo e a linha de defesa inicial era a de que a empresa não fazia publicidade a produtos milagrosos.
Um dos advogados da Astroforce, que era, na altura, também advogado na Vale e Azevedo & Associados e assinava os documentos que seguiam para o tribunal, era Daniel Rodrigues. Pouco depois seria secretário de Estado nos governos de José Manuel Durão Barroso (PSD), Pedro Santana Lopes (PSD) e José Sócrates (PS). Hoje é jurista do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O Setenta e Quatro contactou o advogado, que não quis fazer qualquer comentário. Ele não era, no entanto, o único advogado da Vale e Azevedo & Associados envolvido no processo. A Astroforce passou uma procuração habilitando dez advogados da firma, incluindo o próprio Vale e Azevedo, a agir em seu nome no âmbito do processo.
A lei ditava, à altura, que um “produto milagroso” explorava “a ignorância, o medo, a crença ou a superstição dos destinatários, apresent[ando] quaisquer bens, produtos, objectos, aparelhos, materiais, substâncias, métodos ou serviços como tendo efeitos específicos automáticos ou garantidos na saúde, bem-estar, sorte ou felicidade dos consumidores ou de terceiros, nomeadamente por permitirem prevenir, diagnosticar, curar ou tratar doenças ou dores, proporcionar vantagens de ordem profissional, económica ou social, bem como alterar as características físicas ou a aparência das pessoas, sem uma objectiva comprovação científica das propriedades, características ou efeitos propagandeados ou sugeridos.”
Ora, para a Astroforce, esta definição não se aplicava ao “segredo de Maria Duval”, porque “este sempre lhe permitiu proporcionar a riqueza e a felicidade aos menos afortunados”. Para o comprovar, apresentaram dezenas de cartas alegadamente de pessoas que, tendo comprado os serviços da Astroforce, tinham posteriormente feito questão de escrever para agradecer as mudanças que aconteceram nas suas vidas.
O talismã que a Astroforce enviava, por exemplo, era definido como “um amuleto de características especiais em que as pessoas acreditam ou não” e, acrescentam, “se as pessoas acreditarem nele isso poderá ajudá-las a ser mais optimistas, a acreditar em si próprias e nas suas potencialidades, o que, obviamente, lhes trará sucesso nas suas vidas pessoas”.
A conclusão da defesa da Astroforce no processo era, portanto, a de que não se poderia considerar “prática de publicidade e serviços milagrosos” os seus anúncios e cartas que publicitavam “serviços astrológicos, telepáticos e de vidência prestados por Maria Duval”.
João Vale e Azevedo foi quem tratou de criar a estrutura internacional de empresas de Joaquim Aliu Presas, cunhado de Francisco Pinto Balsemão, e os investidores alegadamente involuntários foram quatro Champalimaud: Teresa Maria Carvalho Ortigão Ramos, Francisco J.S, Francisco Xavier Vilardebó Sommer e Frederico Tito.
A Deco manifestou perante o tribunal a sua preocupação em relação a esta empresa em particular. Relata em documento apenso ao processo que várias pessoas contactaram os seus serviços alarmados por, aparentemente, a vidente saber o seu nome completo ou adivinhar estar a passar por problemas de falta de dinheiro, ansiedade e solidão.
Ora, eram precisamente as pessoas que passavam por estes problemas que constituíam o alvo preferencial de “Maria Duval”. E, relata a Deco, alarmados pelo conteúdo da carta, pautado pela urgência e o alarmismo, em muitos casos acabavam mesmo por enviar dinheiro. A associação de defesa do consumidor relata ainda que, ao contrário do prometido, várias foram as pessoas que recorreram aos seus serviços por terem pedido a devolução do seu dinheiro e este não lhes ter sido devolvido.
É nesse sentido que um dos juízes escreve, na sentença da primeira instância: “A culpa da arguida revela-se no seu nível mais elevado - dolo directo e intenso - a arguida sabe os efeitos que provoca, pretende-os, aumentando, assim, as suas possibilidades de força negocial.” Perante a alegação da Astroforce, de que a coima de dez mil euros era demasiado pesada, o juíz considerou: “Tudo visto, o tribunal entende que a decisão da autoridade administrativa, a merecer censura, seria pela sua benevolência.”
A Astroforce portuguesa continuaria ativa em Portugal até 2004. Continuou a ser propriedade da empresa-māe, a Astroforce Holding BV, a quem João Vale e Azevedo cedeu as quotas em outubro de 1996. Esta empresa com sede na Holanda era também proprietária de empresas canadianas identificadas pela justiça norte-americana como estando ligadas à mega-burla Maria Duval.
Mas era a partir de Espanha que o negócio português parecia ser gerido. Rabinovitz, a misteriosa figura que controlava vários negócios da Astroforce, tinha morada em Espanha. Essa morada aparece mencionada no processo que mencionámos em cima.
No meio do processo legal, a justiça portuguesa chamou como testemunha Luís Gonçalves, que na altura era oficialmente o gerente da Astroforce portuguesa. Não tendo comparecido no tribunal, o gerente apresentou mais tarde uma justificação dizendo que tinha estado nesse preciso dia na sede da Astroforce em Espanha, onde teve “várias reuniões de trabalho”. A morada que aparece nesse documento é, precisamente, a morada de Rabinovitz. Luís Gonçalves não respondeu aos contactos do Setenta e Quatro.
Mas as coincidências não acabam aqui. Uma consulta do registo comercial da Astroforce espanhola mostra mais semelhanças com a portuguesa. Mostra, por exemplo, que em 2002, e no espaço de duas semanas, ambas decidiram mudar o nome de “Astroforce” para “Sábia Mail” (Savia Mail no caso espanhol). Mas mostra também que na origem da empresa espanhola também está um elemento da aristocracia do país: Enrique Valera Y Martos, hoje Marquês de Auñón.
Os três milhões de euros que a Astroforce faturou correspondem apenas a um dos oito anos em que se manteve ativa e correspondem à faturação declarada às finanças. Se é impossível perceber exatamente a totalidade das receitas arrecadadas pela empresa, não deixa de ser claro que se situaram nos milhões e vieram do modelo de negócio importado para Portugal de uma das maiores burlas do mundo. Esse modelo de negócio consistia em criar, junto dos mais vulneráveis, a ideia de que a solução para os seus problemas estava a um cheque de distância. Cheque que era passado em nome da Astroforce.