No início de junho, a Câmara de Lisboa escolheu Pedro Emanuel Paiva para provedor. Inúmeras associações de defesa dos animais denunciaram a sua falta de competência para o cargo. A nomeação avançou. O que levou a esta insistência?
Na chegada ao Parque Natural de Monsanto, perto da Quinta da Pimenteira, as pegadas no chão de alcatrão não deixam grandes dúvidas de quem por ali costuma passar. A uma distância de 500 metros vêem-se grades verdes que parecem cada vez menos estáveis. Atrás delas estão mais de duas dezenas de cães que, ladrando, assinalam a chegada de alguém. É Marta Videira, a diretora da Casa dos Animais de Lisboa (CAL), que recebe as suas boas-vindas. É assim todas as manhãs.
Marta Videira cuida dos “animais de ninguém” como se fossem seus. E são muitos: cerca de duas centenas cães, cinco dezenas gatos, mais um furão e um porco. “Todos os dias temos animais deixados à porta. Entram uns e saem outros”. Palavras que se tornaram familiares em diversas entrevistas.
Enquanto aguardamos a chegada de Sandra Duarte Cardoso, que conversa com o Setenta e Quatro a partir de uma videochamada, tentamos perceber como a casa está distribuída. Desde 2013 que a CAL deixou de ser um canil de abate de animais para passar a ser o centro de recolha oficial da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Há muito que o centro se confronta com uma sobrelotação significativa e as obras, que começaram em 2021, ainda estão longe de estar terminadas. “Mas esta seria outra conversa a ter", diz Sandra Duarte Cardoso, acabada de "chegar". Foi por essa razão que nos encontramos: a nomeação do Provedor dos Animais do município de Lisboa.
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Marisa Quaresma Reis terminou o seu mandato de provedora a 31 de agosto de 2021 sem que houvesse em cima da mesa um nome para a substituir. Três meses depois, lá chegou um à mesa do executivo camarário: Pedro Emanuel Paiva. E nesse tempo, pareceu, à primeira vista, que o assunto ficou esquecido na transição entre executivos da câmara.
O nome foi sugerido e não tardou a que houvesse quem saísse em sua defesa. Uma dessas pessoas foi Ângelo Pereira, vereador da mobilidade do PSD que acumula no seu pelouro, entre outras coisas, a proteção animal. Para o vereador, Pedro Emanuel Paiva seria a “pessoa ideal para ocupar o cargo'' e, acreditando ser esse o caso, levou a proposta à reunião de Câmara a 16 de março. Fê-lo sem qualquer consulta prévia do setor ou do seu grupo municipal.
“Não iremos tolerar mais cargos vazios de ações relevantes para os animais e ecossistemas de Lisboa”, critica a ativista Rita Silva.
Qual a razão? “Tem um grande sentimento à causa animal e apresenta um currículo que cumpria com os requisitos”. Além disso, explica o vereador, “a disponibilidade demonstrada pela velocidade com que se desvinculou de uma série de compromissos é também muito significativa”. Mas não só, garante o membro do executivo camarário: a pessoa proposta “tem experiência em várias câmaras” e um currículo diversificado na área do bem-estar animal.
No entanto, a sua posição não é, de todo, consensual. Várias organizações de defesa do bem-estar e comportamento animal insurgiram-se contra o nome proposto. O consenso estava longe de ser alcançado e uma das vozes que se opôs foi a de Sandra Duarte Cardoso. A representante da SOS Animal participou, em conjunto com outras 12 organizações, num grupo de trabalho que recusou a nomeação de Pedro Emanuel Paiva para o cargo de Provedor do Animal. O grupo foi ouvido pelo executivo camarário, mas sem efeito. As críticas foram duras.
“O currículo não reúne as condições técnicas, científicas e práticas necessárias para prover os animais de Lisboa”, lê-se no documento no qual as associações enunciam a sua desaprovação. “Não só não possui uma certificação que lhe conceda o grau académico de Professor, pese embora seja docente num estabelecimento de Ensino Superior, como não tem quaisquer credenciais académicas para o efeito, embora se apresente como Professor Coordenador Científico.”
Além disso, e entre as oito razões descritas para que a nomeação não prosseguisse, as associações destacaram: “a formação e trabalhos associados a uma visão militarista e utilitarista de cão/cães por parte das forças policiais e militares não se coaduna com a doutrina dos Direitos dos Animais”; a “fundação de uma Associação de utilização de canídeos para terapias com humanos”; e a participação em webinars do Clube Português de Canicultura, “instituição antagonista de toda e qualquer organização de protecção animal”.
Apesar das justificações apresentadas não serem válidas aos olhos do vereador do PSD, levantaram “senãos” entre a oposição. É que a legislação prevê que “o Provedor dos Animais seja designado entre pessoas que ofereçam garantias de idoneidade e independência”, mas Pedro Emanuel Paiva, que começou a sua carreira nas unidades cinotécnicas da GNR, é fundador da Associação Pet B Havior, apresentador de um programa de televisão e detém uma empresa que presta serviços na área do bem-estar animal. Desta forma, a sua “independência” e “exclusividade” mencionada no regulamento que rege o cargo poderia deixar dúvidas.
O vereador do PSD Ângelo Pereira garante, sem hesitar, que as funções de Pedro Emanuel Paiva seriam cessadas até à data da nomeação. Mas, de acordo com o próprio provedor, nem todas o foram. “A única coisa que recusou cessar foi a sua participação nos programas de televisão, enquanto escritor, e na docência”, salientou ao Setenta e Quatro Vasco Barata, deputado da assembleia do Bloco de Esquerda, garantindo que o provedor não iria abdicar da docência e que se chegaria a um consenso.
A discordância fez com que o executivo camarário voltasse a reunir a 28 de março e decidisse levar o tema à Comissão de Ambiente e Qualidade de Vida, um grupo de trabalho da Assembleia Municipal de Lisboa que, entre outros assuntos, discute também o dos animais. Uma sessão que, de acordo com Rita Silva, presidente da associação Animal, trouxe à tona “grandes incongruências, uma monopolização do partido PSD e um ataque a quem dele discordava”.
"É uma cópia de Cesar Millan. Recorre a coleiras estranguladoras, entre outros métodos com o qual não cooperamos nem legitimamos”, denuncia Sandra Duarte Cardoso.
“Não foi alvo de qualquer irregularidade”, contrapõe o deputado municipal do PSD e também presidente da Comissão de Ambiente e Qualidade de Vida, Luís Newton. A proposta de nomeação foi aprovada, as associações foram ouvidas numa audição pública e o provedor nomeado prestou esclarecimentos na comissão parlamentar municipal.
A 7 de junho deste ano, a sua nomeação para Provedor Municipal dos Animais de Lisboa foi a votos (secretos): 24 a favor, 18 contra, 20 abstenções e dois brancos. Um mês passou e o provedor ainda não tomou posse.
Com um encargo global de 221 mil euros (pelos honorários da totalidade do mandato de quatro anos), Pedro Emanuel Paiva assume agora o cargo através “de um procedimento de aquisição de serviços por ajuste direto” nos termos do Código dos Contratos Públicos. Vai desempenhar a função de Provedor Municipal dos Animais de Lisboa.
Criada em 2013 pelo então executivo camarário de António Costa, a função tem como objetivo responder às “inúmeras queixas que se iam avolumando, relativas aos maus-tratos que afectavam a população animal da cidade de Lisboa”. Há, no entanto, quem critique o escopo das funções pela sua debilidade: o cargo não pode ser apenas “um repositório de queixas”. Quem o diz é o deputado da assembleia do Bloco de Esquerda. “Além de uma participação ciente na política pública é também necessário que atue não por interesses políticos e sim técnicos”, continua.
As suas palavras não estão muito distantes das de Ângelo Pereira. O vereador salienta a “importância da imparcialidade e independência que decorrem da respectiva natureza” do candidato. Por isso, justifica que a escolha do titular desse importante cargo tem de recair “num cidadão com espírito de missão, conhecimento de causa e reconhecida atuação na defesa dos direitos, interesses e protecção dos animais”, explica na Sessão de Esclarecimentos da comissão parlamentar, realizada no início de maio.
Para as organizações de defesa dos animais, as palavras e as intenções demonstradas não passam disso mesmo, não são levadas à prática. “Perdemos demasiado tempo a confiar em nomeações diretas dos sucessivos executivos camarários. Nomeações onde a boa-fé não está presente. Não iremos tolerar mais cargos vazios de ações relevantes para os animais e ecossistemas de Lisboa”, critica Rita Silva, depois de nos elucidar sobre qual a missão de um provedor.
“Olham para o cargo como algo meramente estético onde fazer campanha vale bem mais”, criticou Sandra Duarte Cardoso.
O próprio método de nomeação é, por isso, alvo de críticas das cinco associações (SOS Animal, ANIMAL, União Zoófila, Movimento de Esterilização dos Gatos e ANI) que acompanham o trabalho da Câmara Municipal e exercem atividade conjunta nas mais diversas frentes. E, como alternativa, defendem que o cargo deveria ser submetido a concurso público, para que não existissem quaisquer “contradições” ou “incompetências” , como consideram ter existido ao longo dos últimos anos.
“[Os ocupantes do cargo] Seriam contratados com base no seu conhecimento, experiência e competências, tendo em conta que não haveria quaisquer conflitos internos”, explica Rita Silva, presidente da ANIMAL. “Enquanto isso não se aplicar teremos situações como a atual, onde a pessoa não tem qualquer competência para estar no cargo.”
As críticas não se ficam, no entanto, por aqui. O grupo de trabalho vai mais longe ao apontar diversas irregularidades no percurso profissional de Pedro Emanuel Paiva. “Intitular-se como especialista em comportamento animal ou deixar-se ser visto e designado como tal, não tendo efetivamente especialização atribuída por nenhuma das instituições que conferem essa especialidade, é em rigor induzir as pessoas em erro e é injusto para com quem de facto fez uma especialidade” refere Rita Silva. Apesar de a especialidade em comportamento animal não ser requisito obrigatório para se ser Provedor, “o facto de ostentar um título que não é verdadeiro levanta dúvidas quanto à sua idoneidade. E esse, sim, é um requisito para se ser Provedor”, diz ainda.
Enquanto “trepamos” o Monsanto, Sandra Duarte Cardoso vai sendo notificada de vários assuntos. Não deixa de nos acompanhar, mesmo que a sua atenção tenha de ser redobrada. A conversa foi interrompida uma e outra vez, mas a veterinária não perdia ‘o fio à meada’. Naquele momento, falava-nos de como recorrer à palavra ‘especialista’ de forma inadequada pode desvirtuar e prejudicar quem efetivamente tem este grau de estudo.
O percurso para se ser reconhecido como especialista em medicina comportamental e bem-estar animal é longo, garante Gonçalo Graça Pereira, o único médico veterinário português especialista em medicina comportamental e bem-estar animal reconhecido pelo Colégio Europeu. “Para se ser especialista na área, no caso da medicina veterinária, o percurso passa pelo mestrado integrado, o internato, a residência, onde o aluno passa entre 4 a 6 anos a trabalhar na área e a fazer investigação. Só depois de passar no exame é reconhecido pelo European Board of Veterinary Specialisation como especialista”, explica.
Ao longo das últimas semanas, consultámos as biografias disponíveis do atual Provedor, fosse nas redes sociais ou nos seus livros e, apesar de nunca se assumir como especialista em comportamento animal, não recusar ser assim apresentado. A biografia de docente no Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa, onde é coordenador de uma pós-graduação na área, é uma delas.
A 7 de junho a sua nomeação para Provedor Municipal dos Animais de Lisboa contou com 24 a favor, 18 contra, 20 abstenções e dois brancos.
“É muito interessante perceber como esta pessoa, que fez grande parte do seu percurso na Guarda Nacional Republicana, vai parar à docência de uma pós-graduação, com o 12º ano feito por equivalência a partir da GNR”, afirma Sandra Duarte Cardoso.
Foi a partir desta dúvida que o Setenta e Quatro contactou, por diversas vezes, o Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa (ISEC). Fê-lo por chamada e e-mail e apenas obteve duas respostas, na qual informaram que os serviços estavam a recolher dados para responderem às questões.
Uma das questões teve por base o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do ISEC (Instituto Superior de Educação e Ciências) de Lisboa . Este documento estipula que para as categorias de "Professor-Adjunto" e "Professor-Coordenador" o recrutamento faz-se por convite ou por concurso (interno ou externo), sendo exigido o grau de Doutor há mais de cinco anos. Requisito esse que Pedro Paiva não tem.
A esta questão o ISEC apenas acrescentou que "de acordo com o corpo docente do ano letivo 2021/2022 o Técnico Treinador Especialista Pedro Paiva não pertence ao corpo docente do ISEC Lisboa. Colabora pontualmente com o instituto no âmbito das funções descritas no ponto anterior e leciona alguns módulos práticos no treino dos cães sob a orientação técnico-científica dos respetivos coordenadores científicos", escrevem em e-mail.
Nesse mesmo e-mail, afirmam ainda que " no ensino superior politécnico quando falamos de especialistas estamos a falar da qualidade e especial relevância do currículo profissional numa determinada área e não na qualificação ou reconhecimento por uma ordem ou associação profissional (por exemplo, ordem dos médicos veterinários ou outras)".
Constatámos também que a pós-graduação por si coordenada tem uma parceria integrada com a Pet Havior, associação por si fundada e cuja direção lhe cabe. Questionado na sessão da comissão parlamentar sobre um eventual conflito de interesses, Pedro Emanuel Paiva nada quis acrescentar, referindo apenas na sua sessão de esclarecimentos ser uma prova de “reconhecimento meritório do seu trabalho”.
As dúvidas não se ficaram por aqui. O atual provedor nunca publicou qualquer artigo científico, um outro requisito para se poder apresentar como especialista em comportamento e bem-estar animal. Apenas tem livros publicados. E, além disso, a sua postura como apresentador de televisão no "SOS Donos em Apuros" também levanta algumas questões metodológicas, salienta Sandra Duarte Cardoso.
“Olhemos para o programa que ele [Pedro Paiva] tem na CMTV. Qualquer profissional de medicina veterinária, e não só, percebe que aqueles métodos que ele utiliza não ajudam em nada os animais”, critica a ativista em defesa do bem-estar animal. “É uma cópia de Cesar Millan, que como sabemos recorre a meios muito duvidosos para treinar os animais. Estão constantemente em choque. Há o recurso a coleiras estranguladoras, entre outros métodos com o qual não cooperamos nem legitimamos”.
A veterinária admite não ficar completamente surpresa com aquelas diretrizes, indo mais longe ao acusar a CMTV de ser um dos maiores órgãos de disseminação financeira e mediática da tauromaquia. Por sua vez, Pedro Paiva recusa a sua sensibilidade ou cooperação com a tauromaquia, referindo não defender a mesma, apesar "de lá trabalhar", completa.
O próprio provedor admitiu, em sessão de esclarecimentos na Assembleia Municipal, que a concessão de especialista é a que a Guarda Nacional Republicana lhe conferiu, refere a ata a que o Setenta e Quatro teve acesso. Apesar de no seu currículo se ler “curso de Especialização em Comportamento Animal pelo Cambridge Ethology Institute”, o referido Instituto, criado pelo Biólogo e Etólogo Roger Abrantes, não confere nenhum tipo de especialização em bem-estar animal. O instituto apenas providencia cursos de formação sem equivalência ou reconhecimento académico, fornecendo apenas certificados.
As associações de defesa do bem-estar animal mostram-se ainda preocupadas com as ligações do atual provedor. Pedro Emanuel Paiva participa no Clube Português de Canicultura, algo que deixou as associações muito receosas “pelos valores que o mesmo perpetua, como a criação de raça e compra e venda de animais”. Questionado sobre o seu papel na Comissão do clube, o provedor respondeu que “o seu objetivo era que o clube reconhecesse a espécie canina, não pela sua raça, mas pelas suas qualidades como espécie”.
Estas afirmações não são muito distantes das que pronunciou na sua sessão de esclarecimento antes de ser indigitado para o cargo. Na sessão na Assembleia Municipal, Pedro Emanuel Paiva fez-se acompanhar por um grupo de pessoas que o auxiliavam nas respostas. Segundo o parecer da sessão da comissão parlamentar, mencionou não conhecer o vereador Ângelo Pereira antes deste ter, em dezembro de 2021, entrado em contacto consigo tendo em vista o cargo.
Ambos desempenharam funções na Câmara Municipal de Oeiras entre 2015 e 2021, ainda que em departamentos diferentes. Ainda assim, e apesar de afirmarem nunca ter tido qualquer contacto, a presença no lançamento do livro "DesCÃOplicar", em 2018, e, recentemente, no lançamento de “Animais e Pessoas“, não acompanha estes (des)encontros. O vereador foi mesmo um dos oradores na apresentação do último livro que contou com a coordenação de Pedro Emanuel Paiva.
As incongruências de informação e desconhecimento não se ficam por aqui. O provedor tem demonstrado aos olhos de associações de defesa dos animais e até aos de membros do PSD um significativo desconhecimento sobre os planos e iniciativas da CML, como o protocolo da Companhia Europeia de Desinfestações (CED), as colónias de gatos na cidade e a importância das medidas LxCRAS (Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa), dedicado a receber, tratar e devolver à natureza os animais selvagens da fauna terrestre encontrados doentes, debilitados ou feridos. Esta situação levou ao questionamento sobre a sua preparação e capacidade para o cargo de provedor, uma vez que não parece ter qualquer ideia ou proposta pensada para o seu mandato de quatro anos.
Questionado sobre que medidas municipais lhe fariam sentido para o seu mandato, o provedor respondeu precisar de estudar. “Não estou muito por dentro das medidas do executivo. Terei de estudar melhor os casos”, afirmou.
“O facto de ostentar um título que não é verdadeiro levanta dúvidas quanto à sua idoneidade. E esse, sim, é um requisito para se ser Provedor”, critica a diretora da ANIMAL.
Também durante a sessão de esclarecimentos a necessidade de estudar os dossiers inerentes ao cargo foi uma “expressão muito utilizada”, disse Pedro Frias, deputado municipal do PCP. “Numa fase fulcral como o esclarecimento de medidas e políticas para pesar na decisão [da nomeação], não estar a par da política pública dos animais pode ser grave”, reiterou.
Para o deputado do PCP, eleger um novo Provedor do Animal seria fundamental. No entanto, a sua grande preocupação “tem a ver com a garantia de que seja ocupado por um candidato com provas dadas na defesa e bem-estar animal".
As expectativas para a sessão de esclarecimentos de Pedro Emanuel Paiva no órgão legislativo municipal eram grandes, mas dois dias antes o palco foi ocupado pelas associações na Comissão Permanente de Ambiente e Qualidade de Vida. E nele as associações fizeram-se ouvir a uma só voz: eram contra a nomeação por falta de competências do nomeado.
“Foi uma vergonha a forma como nos trataram”, começa por dizer Rita Silva, diretora da ANIMAL. “Sem que nada legitimasse a sua intervenção, o deputado do PSD, ou melhor, o único presente, começou a questionar as nossas filiações políticas e a dizer que fazíamos parte de partidos da oposição. Coisas completamente descabidas e que nada tinham que ver com o tema.”
Já Sandra Duarte Cardoso categoriza parte da ação e intervenção do PSD e do PS como “um trade off”. “Quando questionei seriamente o deputado Hugo Gaspar [PS] na reunião anterior à sessão de esclarecimentos, ele disse-me que se estivessem agora a contestar uma nomeação do PSD, [eles] iriam fazer o mesmo na nomeação a seguir”, denunciou, acrescentando indignada ter pensado que o que importava eram os animais e a cidade. “Mas a isso ele respondeu-me que tinha que existir um equilíbrio entre os partidos”.
“É importante que exista um trabalho de ocupação, de terreno e, acima de tudo, interesse”, garante Gonçalo Graça Pereira.
O Setenta e Quatro contactou o deputado municipal Hugo Gaspar, mas até à data de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.
Um dos pontos abordados pelas associações nessa mesma sessão foi a importância de se olhar para o histórico do cargo. Desde que o cargo foi criado, em 2013, Marisa Quaresma dos Reis foi a única provedora a cumprir o mandato na totalidade. Marta Rebelo demitiu-se menos de dois meses depois de tomar posse e Inês Sousa Real, atual líder do PAN, saiu ao fim de dois anos e meio. Ambas bateram com a porta tecendo duras críticas à autarquia por não dotar a provedoria de recursos humanos e financeiros e por engavetar todas as suas recomendações.
Para Sandra Duarte Cardoso, o Provedor dos Animais não passa de um cargo decorativo. “Rebaixam-nos ainda mais, na condição de que nós ‘não temos’ que cuidar daqueles bichos. Não olham para tal como um cargo, mas algo meramente estético onde fazer campanha vale bem mais”, criticou.
A criação do cargo foi uma consequência da especialidade em bem-estar animal ter dado importantes passos nos últimos anos. A medicina veterinária sempre se debruçou essencialmente sobre as doenças físicas dos animais e muito pouco (ou quase nada) no seu comportamento, como explica o veterinário Gonçalo Pereira. “Há pouco mais de duas décadas que a classe veterinária começou a assumir que o cérebro pode ter doenças e que tem de ser tratado, da mesma forma que tratamos o pâncreas, os intestinos ou o estômago”, disse em entrevista a uma revista de Medicina Veterinária.
Mas os desafios desse caminho continuam bem presentes, seja cá dentro ou lá fora. O até então membro do Colégio European Board of Veterinary Specialisation (EBVS) reconhece que no contexto internacional o comportamento animal “ainda tem um longo caminho a percorrer, especialmente nos países do sul da Europa e da Europa de leste”. Daí que argumente que a legislação e a intervenção assídua tenham de “andar de mãos dadas para a prevenção dos ecossistemas e garantir as melhores condições para a biodiversidade”, afirmações que tem vindo a fazer ao longo dos anos.
Uma consequência dessa visão é considerar-se essencial a função da Provedoria Animal para a cidade e saúde pública. “É importante que exista um trabalho de ocupação, de terreno e, acima de tudo, interesse”, garante o veterinário Gonçalo Pereira.
Concordando com o veterinário, Sandra Duarte Cardoso conclui com o alerta: “não pode ser uma apreciação ou um visto gold para o work for the boys”.