Passar para o conteúdo principal
logo

Navegação principal

  • Nacional
  • Internacional
  • INVESTIGAÇÃO 74
  • Ensaios
  • Crónicas
  • Wiki
  • Quem Somos
  • Contribuir

Menu de utilizador

E6E383D7-EAE5-4424-8ADC-0E237B95895D@3x
Incêndio nos EUA

O fatalismo tomou conta da COP26. O objetivo agora é a adaptação às alterações climáticas

Reportagem
12 Novembro 2021
Isabel Lindim

A floresta Nacional de Sequoia, nos Estados Unidos, depois de um incêndio florestal de grandes proporções | EPA/LUSA

Isabel Lindim
Isabel Lindim

Grande parte dos assuntos em debate na COP26 estavam na órbita da adaptação às alterações climáticas. Como é que o mundo vai lidar com os fenómenos extremos, com o impacto na saúde e as desigualdades sociais? Como vai ser a cooperação entre Estados? Entre as centenas de sessões dentro e fora da COP, ficam sempre mais perguntas do que respostas. E mais intenções do que compromissos.

Seja qual for o assunto do dia, aquilo que está na base das conferências de imprensa de uma COP, cimeira das Nações Unidas dedicada às alterações climáticas, são os milhões de dólares. Os meios de comunicação querem saber essencialmente onde e como vão ser usados os montantes astronómicos discutidos. Este ano, um desses montantes são os 100 mil milhões de dólares (86 mil milhões de euros) destinados a ajudar os países em desenvolvimento na mitigação e adaptação às alterações climáticas. 

É uma medida que começou a ser discutida em 2009 e segue em passo de caracol, sob a observação da UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change), a OECD (Organization for Economic Co-operation and Development) e as instituições que formam o Multilateral Development Bank (MDB). 

A complexidade deste tema levou a que se criasse um grupo de trabalho em julho de 2021 liderado pelos ministros do Ambiente da Alemanha e do Canadá. O objetivo é traçar um roteiro de financiamento e um plano para alcançar os 100 mil milhões de dólares por ano até 2025, altura em que se pretende aumentar o valor. Nitidamente, as partes (ou países) não se entendem quanto às contribuições de cada um para mobilizar esse valor e a sua consequente implementação. Segundo o presidente da COP26, Alok Sharma, as negociações não são simples. Mais do que isso, não incluem de forma suficientemente clara as contribuições dos famosos NDC (National Determined Contributions), os planos que cada Estado tem de apresentar anualmente a partir desta COP. 

Image
Modhi
A única coisa que o presidente da Índia foi fazer à COP: marcar presença e dar abraços diplomáticos. Não mostrou qualquer intenção de reduzir emissões. 

Na segunda-feira, dia 8 de outubro, a atenção no espaço da cimeira dividiu-se entre a presença de Barack Obama e o tema do dia: “Adaptação, perdas e danos”. Nem toda a gente conseguiu entrar na sala onde o carismático ex-presidente norte-americano discursava, mas o momento focou-se nas suas palavras, em direto através de computadores ou telemóveis, nos corredores e no Media Centre, uma mega estrutura onde nada faltava aos profissionais de comunicação. 

A visita de Obama foi escolhida para esta data com o propósito de falar sobre o que ainda não se fez e já se podia ter feito. Os temas do seu discurso passaram pelas metas não alcançadas do Acordo de Paris (quando era presidente dos EUA), a mea culpa dos países desenvolvidos e a realidade cada vez mais ameaçadora para os Estados insulares. Ele próprio tem parte das suas origens numa dessas zonas ameaçadas pelo impacto das alterações climáticas, o Havai. 

“Quero que fiquem zangados”, “usem essa fúria para pedir mais e mais!”, dizia Obama para quem se manifestava lá fora. Numa sala ao lado, integrada na Action Zone, um espaço dentro da Blue Zone (onde só entram participantes inscritos), a queniana Vanessa Nakate e uma comitiva de quatro ativistas proclamavam em cartazes, cada um com a sua palavra, a mensagem “Show us the money”. O impasse das nações mais ricas está a irritar muita gente, incluindo Obama. As medidas de adaptação tornaram-se uma das grandes prioridades de quem já acompanha o lento resultado das COP.

Banner COP26

Contra-COP dentro da COP

Nos corredores da cimeira, evento que visualmente podemos imaginar como o triplo de uma feira na lisboeta FIL, movimentam-se milhares de pessoas, entre elas muitos indígenas com as suas vestes tradicionais. Nos mega-pavilhões juntam-se vários stands, alguns representam delegações de países, outros são de empresas que promovem novas soluções “verdes”, outros são de instituições académicas e algumas são ainda de ONG e associações que estão do lado oposto da barricada quanto à justiça climática. Quando não são opositores a todo o folclore de greenwashing, são pelo menos defensores de princípios que não se coadunam com o espírito empresarial dos vizinhos, como a Compassion in World Farming, organização de defesa dos animais de pecuária. 

Pequenas e grandes organizações, observadores e ativistas convivem com os lóbis dos combustíveis fósseis e da banca ao longo do dia. Na mesma hora, podemos estar a ouvir uma sessão da organização dos direitos dos animais WWF ou uma empresa a explicar como o investimento na tecnologia é o futuro. Muitas das presenças que ali se movimentam são antagónicas. 

Image
Comunidades indígenas
Dentro e fora do espaço da cimeira, as vozes indígenas têm um destaque e uma representatividade  cada vez maior. 

Segundo uma análise da Global Witness, também anunciada no dia 8 deste mês, não existe equilíbrio nesta constelação de presenças na COP. O lóbi dos combustíveis fósseis ganha, com 503 representantes, incluindo a Shell, a BP e a Gazprom. No seu total, este lóbi era maior do que as oito delegações dos países mais afetados pelo impacto das alterações climáticas: Porto Rico, Birmânia, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladexe e Paquistão. Além disso, fizeram parte das delegações do Canadá, do Brasil e da Rússia 27 representantes do lóbi dos combustíveis fósseis. 

É uma constatação contraditória, que se manifesta de forma gritante na COP, mas que faz parte da narrativa de muitos decisores e empresas que praticam o oposto. O presidente indiano, por exemplo, fez uma aparição efusiva na COP26, com grandes abraços a António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, e a altos dignatários, muitas poses para a fotografia, e no entanto mostrou-se inflexível no seu discurso quanto a redução de emissões de gases com efeito de estufa. Seria preferível não comparecer, como fizeram os presidentes da China e da Rússia. 

De uma forma geral, tornou-se um pouco estranho ouvir de grandes responsáveis pelo aumento de emissões globais, a grande causa para o aumento da temperatura e degradação geral do planeta, frases como: “a nossa casa está a arder”, “o mundo está a afundar-se”, “temos de ser mais rápidos na descarbonização”, “a crise climática é agora”, “as grandes nações ricas têm um fardo adicional”, “é preciso auxiliar os países mais vulneráveis já”, “a responsabilidade é nossa”, “esta é a nossa última oportunidade”. O discurso normalizou-se e inflamou-se, mesmo que se faça o contrário. Foi absorvido, confundiu o público e deixa sérias dúvidas sobre a autenticidade das intenções. Para quem é que eles estão a falar? A quem é que os responsáveis pelas maiores emissões se dirigem quando dizem estas palavras? Aos seus pares nas decisões geopolíticas? 

Mais do que um jogo de forças, o que está em causa é a forma como está a ser mobilizado este fundo de adaptação de 100 mil milhões de dólares (86 mil milhões de euros) privados e públicos, mas sobretudo como vai ser implementado. Como vai contribuir para a transição energética e que alterações vão ser significantes em países vulneráveis, muitos deles território de exploração de combustíveis fósseis de grandes empresas, como é o caso de Moçambique? 

Grande parte destes fundos são também para preservar ecossistemas. Para John Kerry, enviado especial dos EUA para os assuntos climáticos e um dos oradores do painel dedicado ao diálogo entre governantes e stakeholders, “nunca houve uma cimeira com tantas iniciativas ou tanto dinheiro e ambição em cima da mesa”. E disse também o que se proclama nas ruas de Glasgow: “aqueles países (mais vulneráveis) representam o maior desafio da justiça climática. São os que menos contribuíram para isto, e os que sofrem mais”.

Este discurso não significa, necessariamente, que todos os países ricos deixem de contribuir para o aumento de emissão de gases com efeito de estufa. É uma compensação transitória, uma forma de assumirem a gravidade de um caminho de exploração de combustíveis fósseis que dificilmente se vai reverter para se alcançar os objetivos do Acordo de Paris. No caso de alguns países, como a Noruega, as contribuições para o fundo sobem para o dobro, enquanto a contribuição para o aumento de emissões também duplica. 

Image
Greta Thumberg
Na única visita que fez à COP, Greta Thumberg e outros activistas tiveram um encontro à porta fechada com António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.
​​​

Para grande parte das vozes que se juntaram na organização Coalition (ou contra-COP), e que se fizeram ouvir no People’s Summit, assumir isto é tão grave como não acelerar a transição energética e se atingir os objetivos de uma justiça climática. As medidas de adaptação são urgentes, e para os activistas é um assunto que tem de ser mais inclusivo, mas a prioridade de um evento como a COP são as decisões no corte de emissões. Como se pode ver pelos dados obtidos pelo movimento civil Acordo de Glasgow, não é isso que se verifica com a escalada de novos projetos de exploração de combustíveis fósseis. Grande parte dessas explorações são de grandes multinacionais em países que se encontram mais vulneráveis à crise climática. A política global, mesmo na transição energética, será sempre numa lógica de mercantilização, defendem a maioria das vozes de activistas. 

Por outro lado, tal como a economista indiana Jayati Gosh referiu numa das sessões proporcionadas pelo People’s Summitt, é preciso “que os países ricos deixem de monopolizar o conhecimento”, tanto em relação à transição energética, como nas soluções de mitigação e adaptação. Se a tecnologia estiver sob a alçada de alguns, a desigualdade mantém-se e a cooperação entre países torna-se impossível, porque vai haver sempre uma posição de poder. 

Para Jayati Gosh, “o norte tem hoje em dia um grande problema de credibilidade”. Vejamos a questão da extração de minerais (como o lítio e o cobalto) nos países do sul, necessários para as baterias usadas nessas novas tecnologias (incluindo as dos transportes eléctricos). Num momento de transição e de adaptação, é preciso não esquecer que em muitos desses países a extração de matérias primas é feita através de métodos cruéis e exploração humana, além do impacto que criam na natureza - recorde-se que o bilionário Elon Musk admitiu no Twitter ter apoiado o golpe de Estado na Bolívia, contra Evo Morales, por causa do lítio. Muitas vezes, essa parte é descurada dos discursos e até mesmo dos planos. 

Além disso, a prática de reunir fundos para mitigação e adaptação, em alguns casos com empréstimos, com a consequente subida da dívida soberana de alguns países, “é um velho paradigma de países ricos darem dinheiro a países pobres, uma forma de caridade”, diz Gosh. Considera o formato ultrapassado e sem soluções a longo prazo. “Temos de usar as instituições de uma forma mais democrática, um modelo global de investimento público. São mudanças que temos de forçar, os governos não vão ficar bonzinhos de repente.” 

A saúde como nova prioridade

Este ano foi a primeira vez que a Organização Mundial de Saúde (OMS) esteve na COP com um espaço próprio, onde decorreram sessões todos os dias, tal como em muitos dos stands vizinhos. O impacto das alterações climáticas na saúde tem vários tópicos desenvolvidos na investigação científica de uma perspetiva ainda muito académica, e os estudos sucedem-se, tanto da OMS como do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, bem como nas centenas de pesquisas de especialistas desta área. 

No Acordo de Paris, a questão da saúde estava incluída na lista de maiores preocupações. No entanto, e de uma forma geral, as doenças causadas pelas alterações climáticas ainda não provocam a mesma preocupação que os fenómenos extremos que começam a ser visíveis em todo o planeta.

Diferentes regiões têm diferentes ameaças à saúde humana relacionadas com a poluição e com as alterações climáticas. Em Portugal  por exemplo, será o calor, os períodos de seca e as doenças causadas por vetores (malária, dengue, etc) que migram do sul, mas em países mais vulneráveis acrescem as condições sanitárias em situações de cheias, as doenças causadas pela ocorrência de incêndios ou pela falta de água e de alimentos, desnutrição ou doenças de saúde mental derivadas do impacto na vida das comunidades.

O Setenta e Quatro falou com Diarmid Campbell-Lendrum, coordenador da equipa dedicada à saúde e alterações climáticas da OMS. “Há uma grande mudança este ano”, explica, “já temos estado na COP, mas é a primeira vez que temos um pavilhão onde decorrem eventos durante os quinze dias”. 

Image
Diarmid Campbell-Lendrum
Junto ao stand da Organização Mundial de Saúde, Diarmid Campbell-Lendrum dá uma entrevista ao Setenta e Quatro. É a primeira vez que a OMS tem um espaço próprio na cimeira. 

Isto significa que há uma nova consciencialização. “É importante proteger o planeta, mas é ainda mais importante proteger a vida e a saúde das pessoas”, diz. “Quando se começar a perceber o quanto é importante melhorar as condições de saúde... Não é só olhar para a rapidez com que se consegue alcançar a mitigação, mas também olhar para um futuro mais saudável.” 

Sobre a questão da pandemia ter criado um alerta global sobre as ameaças à saúde, Diarmid confirma que, infelizmente, foi uma forma de relembrar a população em geral como a saúde é importante. “Se dissessem há dois anos à OMS que as viagens internacionais iam parar por causa de uma pandemia, que as pessoas iam ficar em casa e depois se iam gastar biliões de dólares para proteger as populações e levantar a economia, acharíamos difícil de acreditar.” Outra lição a tirar é ser “preciso tratar uma crise como uma crise.” O mundo lidou a pandemia como uma crise, “precisamos de fazer o mesmo para as alterações climáticas”. E para nos recuperarmos do impacto da pandemia, temos também de o fazer de uma forma “mais verde” do que atualmente. 

Regressando à cimeira, grande parte da multidão que se movimenta nos seus corredores são observadores. Entre eles encontrava-se Susana Paixão, presidente da International Federation of Environmental Health. Tinha acabado de sair de um workshop da OMS. No dia anterior esteve numa sessão sobre migração. “Já há informação que nos permite dizer que há mais deslocação de pessoas como refugiados climáticos, e não pelas guerras”, explica ao Setenta e Quatro esta professora de saúde ambiental. 

A instituição que Susana Paixão dirige pertence a um grupo de trabalho que tem o apoio da OMS. “É engraçado perceber que as pessoas cada vez confiam menos nos políticos, há estudos que comprovam que as pessoas confiam mais nos profissionais de saúde. Então a ideia é trazer os profissionais de saúde para este debate, tentar esclarecê-los cada vez mais para serem também eles a passar a mensagem”, explica. 

Em Glasgow, fora do espaço da cimeira, foram vários os eventos paralelos organizados por diferentes entidades. Um deles foi uma iniciativa da união dos sindicatos britânica Unite the Union, no Websters Theatre, uma igreja gótica idêntica às várias que caracterizam as ruas de Glasglow, hoje convertida em espaço de eventos. Numa pequena sala do edifício histórico, realizou-se uma conferência de imprensa dedicada ao impacto das alterações climáticas na saúde. A mesa era composta por quatro mulheres e por Jeremy Corbyn, ex-líder do britânico Partido Trabalhista. 

A conversa desta conferência foi essencialmente sobre aquilo que está a ser feito em reação à saúde e à crise climática no Reino Unido. Entre as presenças estava Lesley Morrison, médica do movimento Doctors for Extintion Rebellion, que deu uma perspectiva mais global do problema. “O planeta está todo interligado, é crucial que se aprenda com as lições que aprendemos sobre saúde planetária”, disse, referindo-se ao surto de Covid. “A prevenção é melhor do que a cura, e nem a pandemia nem a crise climática diz respeito a fronteiras. Nenhum de nós está a salvo até estarmos todos a salvo”, explicou a médica, e deu o exemplo do tabaco. 

Há trinta anos, a medicina fez um enorme esforço para demonstrar que fumar era uma responsabilidade social. A comunidade médica tornou-se ativista nesse sentido. “Precisamos de fazer o mesmo em relação aos combustíveis fósseis”, referiu. Disse-o enquanto mostrava uma prescrição igual ao do serviço nacional de saúde britânico, mas, em vez de um medicamento ou uma análise, era indicado o tratamento da crise climática - uma iniciativa muito ao estilo dos Extintion Rebellion. 

Image
Lesley Morrison
Uma receita médica "costumizada" do movimento Doctors for Extintion Rebellion, apresentada pela activista Leslie Morrison. 

Jeremy Corbyn também falou do impacto global da pandemia como exemplo para o futuro e para a  crise climática. “A menos que haja um sistema de saúde abrangente, acessível e gratuito em todo o mundo, toda a população estará vulnerável ​​a pandemias no futuro. Nós temos sistema com imensas desigualdades entre países”, explicou, referindo ainda que muitas vezes os serviços privados de saúde instalam-se em países pobres, beneficiando apenas alguns. E se há coisa que também aprendemos com a pandemia, é “o poder e a capacidade do mundo em avançar em novas pesquisas na medicina. Todas as vacinas foram desenvolvidas com investimento público. Nós pagámos por essa pesquisa”. 

O preço da não adaptação

O ministro da Justiça, Comunicação e Assuntos Internacionais de Tuvalu, um Estado insular na Polinésia, decidiu enviar a sua mensagem oficial para a cimeira da COP26 através de um vídeo gravado num cenário paradisíaco, inicialmente ocultado por aquilo que parecia ser uma sala de conferências: um pano azul com duas bandeiras laterais, ele vestido de fato e gravata. À medida que falava, via-se que estava com água pelos joelhos. O discurso era sobre o aumento do nível da água do mar. Aquela será, em breve, uma das ilhas que pode desaparecer do mapa. Só ouvindo as pessoas que vivem nos países mais vulneráveis é possível perceber o impacto das alterações climáticas na vida destas comunidades. 

Um exemplo de como a COP faz questão de trazer a palco as vozes mais polémicas foi o convite para o autor do Seaspiracy, Ali Tabrizi, fazer parte de uma das sessões. Nos últimos anos, este terá sido um dos documentários que causaram mais impacto sobre a forma como a indústria pode destruir rapidamente um ambiente tão essencial como os oceanos. A sessão, apresentada no dia sobre adaptação, foi organizada em conjunto pela Sustainable Population Australia e pela Scientists Warning Europe. O que ouvimos foi, obviamente, um alerta sobre a entropia existente na fiscalização e como as consequências dessa negligência terão mais custos de adaptação. 

“Tudo depende do tipo de protecção que se faz”, disse o realizador, em relação aos oceanos. “Podemos ter 100% de área protegida e isso não querer dizer nada. Em grande parte das áreas de reserva natural marinha ainda se permite práticas de pesca destrutivas. Temos mesmo de pensar no que é que o conceito de protecção significa.” 

Image
Seaspiricy
Imagem icónica do documentário Seaspiracy, que mostra o impacto da pesca industrial nos oceanos. O seu realizador, Ali Tabrizi, foi um dos oradores da COP. 

Antes de Ali Tabrizi, falou a ativista britânica Julia Davies, fundadora da organização We Have The Power, envolvida em ações de restauro da natureza. “Não podemos falar de crise climática sem falar de biodiversidade”, disse, e para isso é necessário “tratar das reservas naturais como elas são, e sem excepções”. 

A questão económica da não-adaptação (e da não descarbonização) tem sido cada vez mais debatida, e terá eventualmente um resultado não só nos novos investimentos financeiros, como também na ética das empresas e na fiscalização dirigida pelos governos. A legislação só terá efeito se as regras forem cumpridas. 

Um dos estudos que contribuiu para esta avaliação foi o Global Future Reports, onde se calculou que no cenário atual a queda na economia pode ser radical em vários sectores, o equivalente a 479 mil milhões de dólares por ano. Referem-se também aos custos da adaptação. Nos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) este tem sido também um dos aspectos desenvolvidos pelos relatórios produzidos entre cientistas de todo o mundo. É inevitável equacionar os montantes de adaptação aos fenómenos extremos quando se definem metas de descarbonização. 

Uma das questões levantadas por Jeremy Corbyn na conferência de imprensa acima citada foi o conceito de Revolução Industrial Verde (Green Industrial Revolution), que a seu ver “não é só sobre indústrias. É sobre cuidados na saúde, sobre agricultura e ambiente. É uma forma de pensar. Trabalhamos o mundo natural ou pensamos que estamos acima dele e o destruímos desenfreadamente, sabendo ao mesmo tempo que estamos a destruir o nosso próprio sustento?”.

De facto, começa a ser consensual que todas as soluções para o impacto das alterações climáticas devem ser baseadas na natureza, e que todos os sectores devem apostar na preservação dos ambientes naturais sequestradores de carbono, incluindo a agricultura. Todas as vozes que se ouviram nos eventos paralelos - e foram muitas - trazem o tema da natureza e como estamos a usar os recursos como base do problema e aliado na solução, mas não são só essas vozes que se erguem nesta mensagem. 

Image
Cheias em Jacarta, na Indonésia
Cheias em Jacarta, na Indonésia, têm-se tornado cada vez mais comuns, prejudicando os mais pobres da cidade | EPA/LUSA

A necessidade de uma mudança de sistema não é uma narrativa exclusiva das forças exteriores à COP. Na própria cimeira, durante o encontro entre os países que contribuem para o fundo de adaptação, vemos pessoas como Per Olsson Fridh, ministro sueco para o Desenvolvimento Internacional, dizer que “assim como é importante baixar as emissões globais, temos também de criar resiliência às alterações climáticas da melhor maneira”. “O mundo precisa de um novo modelo económico, que tenha a natureza e os ecossistemas como recursos preciosos que são, dos quais dependemos para a nossa sobrevivência. A economia global tem que emergir como uma economia climática”, garantiu.

Para um país do hemisfério norte, é bastante incisivo incluir no seu discurso afirmações como esta: “para ser sincero, caros colegas, com esta escalada na adaptação, temos de assegurar que não vai ser para proteger as nossas rotas comerciais, mas sim para proteger os mais vulneráveis”. Por muita entropia e bloqueios financeiros que existam nos processos de adaptação às alterações climáticas, ouvir discursos oficiais verdadeiramente progressistas e inclusivos de países ricos traz alguma esperança às decisões de futuro. As próximas gerações do norte podem ter uma nova visão sobre a forma de cooperar com os países do hemisfério sul. 

Não há planeta B
Este texto não é sobre a COP26. É sobre ti
Promoção da Iberdrola na COP26
Do lobbying ao greenwashing, o lado podre da COP26 teve pouco de discreto
Promessas para mudar cartaz
Um Conto de Duas Cimeiras: Entre a COP e os protestos há reformas e revolução
Seca
Quantos milhões são necessários para proteger a Natureza?

Apoiar
o Setenta
e Quatro

O Setenta e Quatro precisa de leitoras e de leitores, de apoio financeiro, para continuar. Em troca damos tudo o que tivermos para dar. Acesso antecipado às edições semanais e às investigações, conversas e publicações exclusivas, partilha de ideias e muita boa disposição. 

Contribuir agora
Parada neofascista do Escudo Identitário
Wiki

O Setenta e Quatro mapeou o universo da extrema-direita de 1974 até 2021. 

Ver Mais

Jornalismo independente e de confiança. É isso que o Setenta e Quatro quer levar até ao teu e-mail. Inscreve-te já! 

O Setenta e Quatro assegura a total confidencialidade e segurança dos teus dados, em estrito cumprimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). Garantimos que os mesmos não serão transmitidos a terceiros e que só serão mantidos enquanto o desejares. Podes solicitar a alteração dos teus dados ou a sua remoção integral a qualquer momento através do email geral@setentaequatro.pt

Image
Logo 74

 

  • Ensaios
  • INVESTIGAÇÃO 74
  • Internacional
  • Nacional
  • Wiki
  • Quem Somos
  • RSS