Carlos Moedas

Bots alimentam sucesso repentino de Carlos Moedas no Instagram

As publicações do presidente da Câmara de Lisboa no Instagram saltaram subitamente das centenas de “likes” para as dezenas de milhares. Alguns dos seus vídeos na rede social têm mais “likes” do que visualizações. Câmara nega que sejam comprados e responsabiliza a Meta.

Cidade
27 Julho 2023

Na sua página do Instagram, Carlos Moedas anuncia o início do Programa Morar Melhor no Bairro Telheiras Sul. As fotografias são do presidente da Câmara de Lisboa a interagir com os populares. Ora pousando a mão no ombro de uma mulher olhando-a nos olhos, ora discursando rodeado de crianças, ora passeando com o braço por cima de um jovem, as imagens passam uma ideia de um autarca próximo de quem governa.

A publicação sobre Telheiras Sul foi feita a uma sexta-feira, por volta das quatro da tarde, e mais de 16 horas depois, na manhã seguinte, contam-se 511 “likes” e 26 comentários. Mas o Setenta e Quatro acompanhava a evolução da publicação e, de repente, o número de “likes” saltou para os 11.255. Não foi a única vez que o estranho padrão foi identificado na conta de Carlos Moedas, nem o único comportamento estranho.

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No dia 9 de julho, o autarca publicou, como faz frequentemente, um pequeno vídeo (“reel”) onde passa em revista a “semana do presidente”. Um vídeo semelhante publicado duas semanas antes teve 6.245 visualizações e 426 likes. O vídeo de 9 de julho teve 6.707 visualizações, mas contabilizou 10.500 likes. Aliás, este padrão repetiu-se: um outro vídeo da semana do presidente, publicado no dia 23 de julho, recebeu 3.410 visualizações, mas apresentou três vezes mais “likes”: 10.300.

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Número de likes nas publicações da conta de Instagram oficial de Carlos Moedas entre 1 de junho e 23 de julho | Gráfico criado por Rafael Medeiros

Esta é uma nova realidade no perfil de Instagram de Carlos Moedas, uma vez que a sua conta apresentava números bem diferentes até 7 de julho. Pelas contas do Setenta e Quatro, as publicações do mês de junho tiveram uma média de 730 “likes”, o que contrasta com os 8.810 registados em média entre 7 e 24 de julho. Desde esse dia, todas as publicações aparentam ter sido artificialmente inflacionadas à excepção de duas: uma onde se divulga que a CML oferece rastreio mamário a todas as mulheres e outra que anuncia a montagem da cobertura do palco-altar das Jornadas Mundiais da Juventude.

Uma análise do histórico de publicações de Moedas mostra-nos que, desde a sua tomada de posse, uma única publicação - uma fotografia com o Papa - teve mais de 7.000 likes. Em segundo lugar em termos de popularidade, está uma publicação com mais de 4.000 likes e depois mais quatro entre três e quatro mil. Os números são dramaticamente diferentes dos registados desde a segunda semana de julho.

Também comparando com outros políticos portugueses os números são difíceis de explicar. O primeiro-ministro António Costa, com cerca de quatro vezes mais seguidores do que Moedas, teve uma média de 1.177 likes por publicação em junho, o que corresponde a cerca de 1% dos seus seguidores. Num universo mais pequeno, Luís Montenegro, líder do partido de Carlos Moedas, o PSD, teve em junho uma média de 264 likes, 4% dos seus seguidores. 

Estas percentagens são comuns mesmo entre figuras públicas muito mais populares. Com quase um milhão de seguidores, a cantora Carolina Deslandes tem uma média de 21.661 likes (2,2%) e mesmo a média de 7,6 milhões de likes em publicações de Cristiano Ronaldo representa 1,3% dos seus 600 milhões de seguidores.

O autarca de Lisboa apresentou números semelhantes até junho, registando-se uma média de likes correspondente a 2,1% dos seus seguidores. No entanto, desde que a conta de Moedas começou, repentinamente, a apresentar números substancialmente mais altos, a média de likes subiu para 25% dos seus seguidores.

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Progressão de likes na publicação de 21 de julho, ao longo de 18 horas | Gráfico criado por Rafael Medeiros

Estas variações abruptas são consistentes com a compra de “likes”. Este é um serviço à venda por valores como 89€ por mês: é possível comprar 10.000 likes para o Instagram até um limite de 100.000 em 30 dias. Em algumas modalidades mais caras, os likes podem ser distribuídos por um período de tempo relativamente alargado, mas na maior parte dos casos aparecem rapidamente, uma vez que se trata de um processo automático que não corresponde a verdadeiras interações.

O Setenta e Quatro contactou o gabinete do presidente da Câmara de Lisboa, mas a resposta chegou pelo Departamento de Marca e Comunicação da CML: “nunca foram adquiridas ou compradas quaisquer “likes” ou visualizações na referida conta”. A entidade disse ainda que, “sobre a situação que expõe demos nota da mesma já duas vezes ao suporte técnico e à empresa Meta, responsáveis pela gestão operacional da plataforma”, mas ainda não obtiveram resposta.

A escolha de estratégias deste tipo costuma vir de um de dois lados: dos próprios políticos que tentam passar uma imagem de força aumentando o alcance das suas publicações ou de agentes contratados para tratar do marketing político de figuras ou partidos, fazendo-o como se de um produto comercial se tratasse.

Assim pensa Gustavo Cardoso, professor catedrático de Ciências da Comunicação do ISCTE-IUL, com quem falámos sem discutir especificamente o caso de Carlos Moedas. Estas práticas, argumenta, caíram em desuso nos últimos anos e são um risco para os políticos, mas também para a própria vivência democrática das sociedades. 

Por um lado, parte de um princípio falso de que likes são votos e que um grande número de likes é uma métrica válida para a avaliação do trabalho de um político. Isso acarreta riscos e Gustavo Cardoso “desaconselharia qualquer político a usá-la”, porque é uma inflação artificial de popularidade que não corresponde a uma verdadeira adesão dos eleitores. Mais tarde ou mais cedo, a não ser que haja uma estratégia muito robusta por detrás desta prática, a bolha acaba por rebentar, avisa.

Por outro lado, mesmo tendo em conta que o marketing político não é um fenómeno novo, as novas tecnologias - e em particular a inteligência artificial - vieram acrescentar uma enorme dose de incerteza junto dos eleitores, acabando por criar “um momento em que não podemos acreditar nas coisas que vemos”.

Neste contexto, os riscos para a democracia também são consideráveis. Para o professor catedrático, cada vez que se revela um caso de práticas enganadoras de políticos, cria-se “um caldo para alimentar a desconfiança das pessoas”. Não só nos políticos em causa, mas em todo o sistema político, remata Gustavo Cardoso.

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