Pelo menos 21 membros dos Proud Boys estão a ser judicialmente acusados por causa da invasão do Capitólio | Creative Commons
Os Proud Boys tornaram-se conhecidos por se envolverem em confrontos com antifascistas nas ruas norte-americanas e desde 2017 que se dedicam a criar filiais um pouco por toda a Europa.
Quem se junta a este grupo procura sentimentos de camaradagem e de irmandade, unidade em prol de um objetivo comum, mesmo sem saber qual. Vê o caminho da radicalização ser-lhe aberto com piadas e conversas em que surgem ideias e narrativas de extrema-direita: racismo, homofobia, machismo, sem esquecer o bullying e o culto da violência.
Foi o que aconteceu com Daniel Berry, veterano de 40 anos do Exército dos Estados Unidos, ao juntar-se aos Proud Boys no estado de Wisconsin. O militar votou em Donald Trump em 2016 e desde que saiu das forças armadas que sentia um vazio, a falta da irmandade. Ouviu falar no grupo por mero acaso e, considerando-se um verdadeiro patriota, entrou em contato com os “chauvinistas ocidentais”.
“No início, era uma verdadeira irmandade, mas o que vivi era mais como um culto”, disse Berry ao USA Today. “Eles diziam constantemente: integra-te ou vai à merda. Se quisesses ficar no grupo, era do teu interesse ter de aceitar o que eles diziam e, basicamente, juntar-te a essas coisas inflamatórias”.
O norte-americano descobriu que o grupo é um antro de racismo e de antissemitismo, que a ascensão de estatuto depende de intimidar sadicamente outros recrutas e de promover tópicos de supremacia branca. Pelo menos no Winsconsin, contou Berry, os Proud Boys são menos uma irmandade e mais um grupo de ódio racial que ultrapassou o modelo antiquado do Ku Klux Klan (KKK).
Os Proud Boys são hoje um dos grupos de extrema-direita com mais membros nos Estados Unidos, estiveram envolvidos em rixas com antifascistas, no ataque ao Capitólio em janeiro de 2021 e já estenderam tentáculos à Europa. Mas quem e o que são? O que defendem? Como atuam? Qual a ameaça que representam?
A extrema-direita norte-americana já estava galvanizada com a campanha presidencial de Donald Trump, em 2016, quando Gavin McInnes, cofundador da publicação digital Vice, lançou o repto numa revista de extrema-direita para a criação de um novo grupo que combatesse a “cultura do politicamente correto” e protegesse a “civilização ocidental”. Chamou-lhe Proud Boys.
Em julho de 2016, McInnes, que tem uma tatuagem supremacista branca associada à banda britânica neonazi Skrewdriver, inaugurou a primeira filial em Brooklyn, Nova Iorque, num convívio com dezenas de membros.
Foi o ponto de partida para uma organização que anos depois teria entre cinco mil a 35 mil membros, dependendo a quem se perguntar, espalhados por todo o país e que nos últimos anos esteve envolvida em várias agressões.
Os PB transformaram-se na tropa de choque do movimento MAGA (Make America Great Again) de Trump, ao ponto de garantirem a segurança em comícios do Partido Republicano, principalmente nas presidenciais de 2020. Como recompensa, Trump encheu-os de orgulho ao reconhecê-los num debate televisivo em setembro de 2020: “Proud Boys, recuem e estejam a postos”, disse o então presidente. Foi o prenúncio do que estava para acontecer no início de janeiro.
O objetivo do grupo? Defender a cultura ocidental e garantir a sobrevivência do homem branco, cujos membros acreditam estar sob ameaça vinda da esquerda globalista e multicultural. Promovem a hipermasculinidade e a irmandade entre homens brancos, opõem-se à imigração, à esquerda, aos direitos das pessoas LGBTQIA+ e ao feminismo. Dizem querer defender os valores ocidentais cristãos e veem a violência como meio aceitável para atingirem os seus objetivos.
“Tudo o que quero é quebrar comunas. Na verdade, estou a mentir, estou muito além de lhes [querer] bater. Quando o momento chegar, não vou parar perante nada para erradicar totalmente todos eles”, disse o PB Anthony Mastrostefano num chat privado associado aos Proud Boys na primavera de 2019, citado pelo Southern Poverty Law Center, organização que monitoriza grupos de ódio nos EUA.
A extrema-direita norte-americana passou nas últimas duas décadas por um processo de reciclagem discursiva, de estética e de modus operandi, mantendo, no entanto, as suas ideias tradicionais. Este processo, que acelerou com a eleição presidencial de Barack Obama em 2008, culminou na já muito conhecida e referida alt-right (direita alternativa), apoiada e pilar eleitoral de Donald Trump.
A alt-right é um universo composto por uma miríade de indivíduos, grupos, fações, tendências e personalidades mediáticas e não um movimento tradicional organizado. Organizam-se em espaços digitais (4Chan, 8Chan e Reddit, por exemplo) e ocupam o espaço público com manifestações e comícios. E a violência não lhes é estranha.
Os seus vários membros podem atuar de forma independente ou cooperar entre si, entrando até em conflito, mas a grande cola que os une é o inimigo que dizem combater e que supostamente ameaça a “identidade branca”: o feminismo, o globalismo, o multiculturalismo, o sistema político e o “politicamente correto”, personificados pelas elites liberais (e a esquerda na sua totalidade) e por quem pertence a grupos étnicos, sexuais e de género e religiosos (não-cristãos) que desprezam.
É uma extrema-direita que concilia, ainda melhor que as gerações anteriores, o espaço digital com o físico, coordenando-se e estreitando ligações, seja no plano nacional ou a nível internacional. Desenvolveu estratégias para propagar a sua mensagem online, trollando os seus adversários, e fundou espaços culturais, como editoras, sites, rádios e blogues.
“Os PB focam-se no essencialismo biológico, querem apenas homens cisgénero: nasceram homens e são homens, São incrivelmente transfóbicos. É uma das características deles mais vincadas", disse Alexandra Minna Stern
Tudo para criar um soft power capaz de influenciar as pessoas brancas em prol das suas ideias, a tal guerra cultural de inspiração gramsciana, para as elevar a senso comum – o último grande patamar de domínio ideológico, quando os indivíduos já nem se apercebem da ideologia que reproduzem. E, pelo meio, tenta desacreditar os media tradicionais e espalha desinformação, criando realidades alternativas, muitas delas conspirativas.
A ironia e o humor (piadas, memes, etc.) são poderosos instrumentos por si usados para propagar discurso de ódio, normalizando-o e defendendo-se dos críticos dizendo serem apenas piadas. A nova extrema-direita tenta camuflar o seu discurso de ódio como se se tratasse de liberdade de expressão, fazendo-se depois passar por defensora da liberdade.
Ao ser um vasto universo, é, portanto, necessário dividir-se a alt-right em dois ramos distintos, separados por nuances no posicionamento discursivo: a alt-right e a alt-lite. Enquanto os primeiros consideram que a “raça” é a questão primordial em todos os temas sociais, assumindo-se abertamente como racistas e defendendo Estados etnonacionalistas, os segundos lamentam a “culpa branca” e o “privilégio branco” e posicionam-se no conceito de defensores da civilização ocidental – e não de nacionalismos –, rejeitando serem racistas.
Para a alt-lite, toda a gente pode conviver no mesmo Estado desde que os não-brancos e os não-cristãos concordem que a civilização ocidental é a superior. É neste subgrupo que os PB se enquadram ao se assumirem como “chauvinistas ocidentais” – um dos slogans é “The West is the best!” (O Ocidente é o melhor!). Rejeitam ser racistas e homofóbicos e até dizem aceitar nas suas fileiras pessoas de todas as orientações sexuais e origens étnico-raciais, desde que abracem a civilização ocidental como a superior a todas as outras no mundo.
“Se em algum momento no futuro o mundo se transformar no que eles querem, aqueles indivíduos [que eles desprezam] terão de ser subservientes ao sistema de castas que defendem – os brancos serem superiores”, disse ao Setenta e Quatro Matthew Vasalik, professor associado de Sociologia na Universidade Estadual do Louisiana, nos Estados Unidos.
Uma das pessoas que o percebeu, ainda que tardiamente, foi um dos seus fundadores e uma das figuras mais mediáticas dos Proud Boys, Dante Nero. O comediante afro-americano decidiu abandonar o grupo depois das manifestações neonazis em Charlottesville, em 2017, e por a linguagem usada pelo grupo se ter tornado extrema e abertamente racista. Constatou que é um passo a narrativa “do ocidente ser o melhor” se transformar na das “pessoas brancas serem as melhores”.
Para Alexandra Minna Stern, professora de Cultura Americana na Universidade do Michigan, nos EUA, a verdadeira cola que une os Proud Boys é a sua hipermasculinidade e definição de rígidos papéis heteronormativos, não esquecendo a sua profunda transfobia.
“Os PB focam-se no essencialismo biológico, querem apenas homens cisgénero: nasceram homens e são homens, São incrivelmente transfóbicos. É uma das características deles mais vincadas”, disse ao Setenta e Quatro a autora do livro Proud Boys and the White Ethnostate – How the Alt-Right is Warping the American Imagination, de 2020.
O essencialismo biológico está profundamente ligado aos papéis de género, e a sua grande rigidez fica bem espelhada na existência de uma estrutura apenas para mulheres. “As Proud Girls são apenas auxiliares, são apêndices, subordinadas, têm esferas próprias”, explicou Minna Stern, sublinhando que as “mulheres são vistas como ajudantes, são esposas e mães, devem ser protegidas”. “As Proud Girls são mais uma campanha de relações públicas do que uma organização”, concluiu.
Depois das manifestações neonazis em Charlottesville, na Virgínia, em 2017, co-organizadas por um dirigente de topo dos PB e que levaram à morte de uma manifestante antifascista, a extrema-direita norte-americana perdeu momentaneamente parte do fôlego que vinha ganhando – o mediático Richard Spencer deixou de ser convidado como orador para eventos, por exemplo.
Trump foi duramente criticado por equiparar os dois lados da barricada (fascistas e antifascistas) e o homem forte da extrema-direita na Casa Branca, Steve Bannon, abandonou o cargo de conselheiro pouco depois.
Ao assumirem um discurso mais “suave”, a margem de recrutamento dos PB tornou-se bastante superior em comparação à de outros grupos de extrema-direita – neonazis, supremacistas brancos, identitários.
Os PB expulsaram membros que participaram no evento que desejava unificar a extrema-direita norte-americana, a sua imagem saiu incólume e continuaram a crescer, marcando presença em eventos da direita mainstream norte-americana. Conquistaram a simpatia de alas do Partido Republicano e receberam cobertura favorável da Fox News. A radicalização da direita norte-americana, promovida por Trump, foi uma fonte da qual beberam para crescerem até aos milhares de membros.
“As linhas discursivas entre a extrema-direita e a direita centrista ficaram mais desfocadas. Trump desempenhou um papel nesta viragem, criou as condições para o discurso político se transformar ao usar uma certa linguagem – ameaças, branquitude, inimigos”, disse Minna Stern, ressalvando que o antigo presidente não foi o único a fazê-lo, apontando também baterias aos congressistas republicanos.
Ao assumirem um discurso mais “suave”, a margem de recrutamento dos PB tornou-se bastante superior em comparação à de outros grupos de extrema-direita – neonazis, supremacistas brancos, identitários, etc.
Mas também por se apresentarem como um simples clube de socialização dedicado à união masculina e à celebração de tudo o que está relacionado com a cultura ocidental, um grupo de homens que se juntam para beber cerveja e conviver. Conseguiram chegar aos jovens conservadores norte-americanos, recrutando e radicalizando-os.
Para Vasalik, o processo de radicalização entre os Proud Boys, por ter um discurso mais “suave”, é semelhante à da metáfora do sapo a ferver na panela. Ou seja, um novo membro politicamente desconhecedor ou conservador é acolhido com a narrativa da irmandade, de inclusão, e vai ouvindo conversas racistas, homofóbicas e misóginas até as normalizar e sentir que as ideias expressas fazem sentido.
A este processo de radicalização, de a pessoa passar a ver a ‘verdade’, a alt-right chama red pilled (tomar o comprimido vermelho), inspirada na trilogia cinematográfica Matrix.
“É a mesma coisa que tem sido feita ao longo dos anos com o circuito de música supremacista branca. Ouvimos uma banda e dizemos ‘o som é fixe’, mas depois lemos a letra e é: ‘calma, o que se está aqui a passar?’ Mas à medida que vamos ouvindo e ouvindo, normalizamos”, explicou o professor de Sociologia.
Daí que os Proud Boys funcionem como porta de entrada no espectro do extremismo de direita, ao contrário dos tradicionais neonazis e supremacistas brancos. Os membros mais radicais podem radicalizar-se ainda mais e os conservadores caminhar no mesmo sentido.
“Há um espetro de extremismo e há documentação que mostra que houve Proud Boys a juntarem-se à The Base e à Attomwaffen Division [redes terroristas neonazis inorgânicas]”, afirmou Vasalik, ressalvando que nem todas as pessoas que se juntam ao grupo caminham no sentido da radicalização.
Opinião partilhada por Daryl Johnson, consultor de segurança e antigo analista de terrorismo doméstico do Departamento de Segurança Interna norte-americano. “Eles são um destes ambientes onde as pessoas se veem imersas e doutrinadas. Eles não são um daqueles grupos em que [as pessoas] vão ficar atrás a segurar cartazes; eles estão à procura de lutas e podem servir como facilitadores de radicalização”, disse à USA Today.
Além disso, o culto da violência funciona como cola na pertença de um membro e na criação de identidade de grupo, na radicalização. Por isso, a narrativa de serem apenas um clube de socialização não se coaduna com o que fazem nas ruas, apontando sim noutro sentido: serem um gangue de extrema-direita. É precisamente esta a tese de Valasik, co-autor do livro Alt-Right Gangs, de 2020.
Quando se pensa num gangue, a imagem mais comum é a dos grupos de rua, popularizados em filmes e tendencialmente compostos por sujeitos racializados de bairros pobres e periféricos dos grandes centros metropolitanos norte-americanos.
No entanto, argumenta Vasalik, os PB também podem (e devem) ser caraterizados como gangue ao possuírem rituais de iniciação, linguagem própria (termos e sinais – como o de OK, apropriado pelos supremacistas brancos), níveis de estatuto e cargos, identidade estética própria (a t-shirt amarela e preta da Fred Perry, o galo como mascote, o patch, por exemplo) e planeamento interno.
Fatores que permitem aos PB terem uma identidade coletiva própria, identificando quem faz ou não parte do grupo, de personas hipsters que usam a ironia e o humor para abrir caminho para narrativas de extrema-direita. E o bullying, declarado ou não, serve para enrijecer os seus membros numa lógica de hipermasculinidade, para os transformar em homens que aguentam a pressão.
É esta a principal grande diferença, continua Vasalik, entre os gangues de rua não-politizados e os de extrema-direita: o papel que a ideologia desempenha na formação da identidade de grupo dos segundos, com particular ênfase no uso das ferramentas digitais para difundir propaganda e criar comunidade.
O próprio fundador dos PB, Gavin McInnes, caracterizou-os como gangue numa entrevista de 2017 ao podcast The Joe Rogan Experience: “Criei este gangue chamado Proud Boys!”.
Ao serem um gangue, os PB têm rituais de iniciação, ainda que bizarros, que fomentam uma mentalidade virada para a violência de rua entre os seus membros. Cada filial norte-americana e além-fronteiras tem o seu próprio Código de Conduta, ainda que não possa ser muito diferente do da linha oficial.
Há quatro graus de estatuto entre os PB. O primeiro é o membro se “declarar publicamente Proud Boy” com um juramento, independentemente dos riscos que isso possa trazer para a sua vida pessoal e profissional, por não haver “orgulho no anonimato” – estimula o isolamento e a pertença ao grupo. A primeira parte do segundo é ser-se consecutivamente esmurrado no corpo por cinco membros de pleno direito de 2º grau (ou mais elevado) até se conseguir dizer cinco marcas de cereais.
Os celibatários involuntários são normalmente jovens incapazes de ter relações emocionais (e sexuais) duradouras que se queixam de os homens não estarem a ter relações sexuais por culpa das mulheres e do feminismo
Já a segunda parte do segundo grau é recusar a prática da masturbação. Os membros apenas podem ver pornografia uma vez por mês e apenas “poderão ejacular” quando estiverem a um metro de uma mulher, desde que com o seu consentimento.
“Isto tira os homens jovens do sofá para conversarem com mulheres e os homens casados longe dos seus computadores, voltando para a cama com a sua cara-metade”, lê-se no site dos PB com a ferramenta Archive.Today.
A mentalidade por detrás deste código é a dos homens brancos terem de procurar mulheres para se reproduzirem para salvaguardarem o futuro dos brancos – a ideia da guerra demográfica, baseada na teoria da conspiração da Grande Substituição. Mas é também uma medida contra a tendência do celibato involuntário (incels, em inglês), popular entre o universo da extrema-direita norte-americana. A narrativa está carregada de ódio contra as mulheres nos fóruns 4Chan e 8Chan, quando não é no site de fóruns Reddit.
Os celibatários involuntários são normalmente jovens incapazes de ter relações emocionais (e sexuais) duradouras que se queixam de os homens não estarem a ter relações sexuais por culpa das mulheres e do feminismo – as mulheres ganharam demasiado poder na sociedade e inverteram os papéis de género, dizem.
Os incels, explica o jornalista David Neiwert no livro Red Pill, Blue Pill, de 2020, vêem o mundo como essencialmente composto por Chads (homens sexualmente competitivos) e Stacys (mulheres sexualmente atraentes que escolhem os seus parceiros, sempre Chads). Quem não se integra nestas duas categorias é perdedor, ou falhado.
Para se alcançar o terceiro grau, o membro é obrigado a fazer uma tatuagem a dizer “Proud Boy”, com o site a indicar como esta deverá ser. E, por fim, o quarto grau, o mais elevado, não pode ser planeado: é “um prémio de consolação por se envolver num grande conflito [de rua] pela causa”.
“Ser-se preso não é encorajado, ainda que aqueles que o sejam passem imediatamente para o quarto grau, por o tribunal ter registado um grande conflito. Lutas físicas graves também contam e depende de cada filial decidir o quão sério o conflito deve servir para atribuir o quarto grau”, continua o site dos PB.
Ainda que os PB sejam conhecidos pela sua dimensão nos Estados Unidos, há anos que os seus tentáculos extravasaram as fronteiras norte-americanas. A partir de 2017, os PB começaram a estruturar uma rede internacional. Criaram uma filial no Canadá e, mais tarde, no Reino Unido e na Austrália. Seguiram-se mais na Bélgica, na Finlândia, na Alemanha, na Suécia, na Irlanda, na Noruega, na Escócia e, a partir de 2019, em Portugal.
A sua estrutura internacional é semelhante à dos neonazis Hammerskins Nations, Blood & Honour e Soldiers of Odin, ainda que adaptada e muito menos rígida e coordenada.
O comando central da rede é uma filial de Anciões. São oito no total, entre os quais Enrique Tarrio, o presidente da rede internacional, com sete a estarem nos Estados Unidos e um no Reino Unido, chamado Angel, responsável pelas restantes filiais europeias.
“[Os PB] Têm um grupo central. Depois temos todas as outras filiais. Têm uma estrutura hierárquica com um comando central, mas penso que na realidade os grupos são muito mais locais e respondem a questões locais”, explicou Vasalik. “Pode parecer haver coordenação entre os grupos, até pode haver um evento em que se encontrem todos, pode haver pessoas que falem entre si, mas o nível de coordenação de dia-a-dia não acontece.”
Ainda que não se coordenem diariamente, os vários grupos nacionais partilham a mesma mentalidade pró-violência e, conforme o contexto nacional em que se inserem, optam por estratégias semelhantes. Por exemplo, a filial australiana procurou pessoas treinadas em artes marciais para ajudarem a enfrentar a polícia nos protestos anti-confinamento ao longo de 2020, diz o Guardian.
“Podemos estar lá [nos protestos] para proteger as nossas pessoas em eventos como este que temos na terça-feira”, escreveu num chat de Telegram Jarrad Searby, proprietário de um ginásio de artes marciais mistas (MMA) e líder de uma subfilial australiana. Um mês depois, Searby esteve envolvido em confrontos com a polícia numa manifestação anti-confinamento que resultou na detenção de várias pessoas.
O FBI classificou, em 2018, os PB norte-americanos como grupo “extremista com ligações ao nacionalismo branco” e os acontecimentos têm vindo a comprovar essa caraterização. Os PB norte-americanos têm ligações, ao ponto de os integrarem na sua estrutura, com grupos boneheads (skinheads de extrema-direita) de Nova Iorque, nomeadamente com os 211 Bootboys, diz o Guardian numa reportagem de 21 de janeiro de 2021.
Por exemplo, a 13 de outubro de 2018, membros dos PB e dos Bootboys agrediram um grupo de pelo menos 15 antifascistas que protestavam contra a participação de McInnes num evento no Metropolitan Club, ligado ao Partido Republicano, para se celebrar o 58º aniversário do assassínio de Inejiro Asanuma, líder do Partido Socialista japonês, às mãos de um ultranacionalista.
“Meu, apanhei um deles na cabeça e estava simplesmente a quebrá-la no pavimento!”, ouve-se um dos PB a dizer numa gravação do ataque, filmada pelo documentarista Sandi Bachom e pela jornalista Shay Horse. “Há muito tempo que não via uma luta tão violenta. Os Proud Boys estavam completamente prontos para serem violentos esta noite. Nem sequer usaram máscaras [antes da pandemia]”, escreveu no Twitter a jornalista.
The Proud Boys even waited to do a group photo after the fights. They were hyped the fuck up after that. Flashing their white power hand symbol before marching towards a downtown train. pic.twitter.com/JP6jiM8Yud
— Shay Horse (@HuntedHorse) October 13, 2018
Essa noite foi de viragem na imagem pública do grupo, até então encarado pelos media como algo exótico. Os PB começaram a ser conotados com atos de violência de rua pelos media e autoridades norte-americanos e, para se distanciar de eventuais consequências legais, McInnes anunciou a sua saída. Foi substituído pelo afro-cubano Enrique Tarrio – a origem étnico-racial do novo líder foi usada pela organização para reafirmar não ser racista: “Não somos racistas, até temos um latino como líder”.
A violência dos PB não se ficou por aqui. O sentimento de impunidade (alicerçado numa importante promiscuidade e infiltração na polícia) foi crescendo de confronto para confronto nos últimos três anos e desde o verão passado, na sequência do assassínio do afro-americano George Floyd às mãos de um polícia e dos protestos antirracistas do Black Lives Matter, que aumentaram de intensidade os ataques dos PB a antifascistas e ativistas antirracistas.
Além da oposição aos protestos antirracistas, as manifestações e concentrações anti-medidas de confinamento da extrema-direita também foram um ponto de viragem para os PB. Muitos destes protestos contaram com a presença de grupos milicianos, como os Oath Keepers e os III%, que apareceram armados e com equipamento militarizado.
Ao fazerem-no, houve um importante contágio aos PB, que passaram a surgir com coletes táticos, além de uma importante sobreposição de membros, promovendo a cooperação. Hoje, aparecem também com facas, gás pimenta, escudos artesanais e armas de paintball.
“Uma das coisas interessantes nos Proud Boys é como eram quando Gavin McInnes os criou, em 2016, e como, ao cavalgarem o comboio de Trump, se transformaram. Fiquei espantada ao ver como se tornaram paramilitarizados”, afirmou a professora da Universidade do Michigan. “Os PB sempre tiveram aquele lado das lutas de rua, mas na invasão ao Capitólio agiram de forma semelhante aos Oath Keepers”.
Mas, nas lutas de rua, e ainda que usem equipamento paramilitar, a estratégia inicial manteve-se: oporem-se aos antifascistas e antirracistas criando situações de grande tensão e de proximidade, para que, depois, possam ser violentos alegando terem-no sido em legítima defesa. Usam, em suma, a cartada da vitimização.
Os protestos continuaram e os confrontos esporádicos também, e depois veio a noite das presidenciais norte-americanas de 2020. Trump recusou-se a reconhecer a derrota contra o candidato democrata Joe Biden com alegações falsas de fraude eleitoral. A desinformação de extrema-direita atingiu então um outro patamar.
A extrema-direita sentiu um novo impulso e, instigada pelo então chefe de Estado, invadiu o Capitólio a 6 de janeiro, quando os congressistas estavam a confirmar a eleição de Biden. Foi o culminar da violência de extrema-direita no país, e os PB desempenharam um papel essencial.
Dias antes do ataque ao órgão legislativo federal, mais de 60 Proud Boys começaram a planear a ação num chat no Telegram, chamado Boots on the Ground (Botas no terreno), diz o Guardian, citando uma acusação federal. Discutiram as melhores formas de proceder e os líderes avisaram os membros para não usarem a camisola Fred Perry, por serem facilmente identificáveis. Em vez da camisola, houve quem levasse equipamento tático militarizado.
Os Proud Boys sofreram um revés dois dias antes da invasão, quando Enrique Tarrio foi detido pelas autoridades por queimar uma faixa do Black Lives Matter – não esteve presente na invasão, mas ajudou a planeá-la. O pânico instalou-se no chat e houve de imediato alertas de que as comunicações poderiam estar “comprometidas” e ser alvo de “acusações de gangue”. “Parem tudo imediatamente”, escreveu um dos líderes, citado pelo Guardian.
Ultrapassado o nervosismo inicial, os PB criaram novos canais no Telegram e reagruparam-se, preparando-se para o grande dia. Combinaram um ponto de encontro e foram feitos alertas: “Evitem meter-se em merdas esta noite. Amanhã é o dia”, escreveu um dos líderes.
Houve até uma “filial especial” no Telegram dedicada a planear o ataque, o “Ministério da Defesa”, composto por Tarrio, por Ethan Nordean, conhecido por Rufio Panman e nº2 de Tarrio, por Joe Biggs, organizador dos PB da Flórida, e por Zach Rehl, líder da filial de Filadélfia.
Segundo documentos de tribunal, Nordean liderou, na ausência de Tarrio, os PB “com planos específicos para se separarem em grupos para tentarem entrar no edifício do Capitólio pelo maior número possível de entradas e prevenir a sessão conjunta do Congresso de certificar os resultar do Colégio Eleitoral”.
“Não nos vamos comportar como Proud Boys com a merda de uma marcha às 8 horas da noite acenando os nossos braços e essas merdas”, disse Rehl numa videoconferência antes da invasão no chat de Telegram, que tem mais de 1500 mensagens sobre planeamento. “Vamos fazer uma operação completamente diferente.”
Um dia depois do ataque ao órgão legislativo, Tarrio gabou-se. “Não se enganem… nós fizemos isto”, escreveu no Telegram, citado pela Vice News. “Estou orgulhoso para c****** pelo que alcançámos ontem”, respondeu Rehl no mesmo chat.
O FBI está a investigar ligações entre os PB e um responsável da Casa Branca, noticiou o New York Times. Houve contatos dias antes da invasão e sabe-se que Tarrio e Roger Stone, ex-conselheiro de Trump por si amnistiado, são próximos. Estiveram até juntos num comício “Stop the Steal” a 12 de dezembro de 2020.
Pelo menos 21 PB estão a braços com acusações federais por participarem na invasão do Capitólio e o parlamento canadiano classificou a filial no país como organização terrorista.
Pressionada, a filial canadiana, a mais próxima dos norte-americanos, auto-desmantelou-se para evitar que os seus membros fossem acusados de pertencerem a uma organização terrorista. Mas o mais certo é continuarem a organizar-se e, eventualmente, a radicalizar-se.
O ataque ao órgão legislativo foi transmitido em direto por todo o mundo e os PB não baixaram os braços. Pouco depois da invasão, um líder dos PB escreveu no chat mais geral no Telegram: “Precisamos de começar a planear e estamos a começar a planear para uma presidência Biden”, relata a acusação federal.
E assim tem sido, apesar de estarem sob os holofotes das autoridades e da imprensa. Os Proud Boys continuam a organizar-se e a convocar concentrações em várias cidades do país, com a Vice News a contar 20 eventos em 13 cidades desde 6 de janeiro. E pelo menos seis destes 20 eventos acabaram em violência contra antifascistas.
Oregon City police declare riot just now
— Zane Sparling (@PDXzane) June 18, 2021
Chaotic battle as proud boys, antifa clash near Portland pic.twitter.com/XuS5I2cP5j
As ações dos PB têm acontecido num momento em que a organização vive momentos internos conturbados. Na sequência da invasão do Capitólio, a agência Reuters revelou que Enrique Tarrio, o líder e homem forte dos PB, trabalhou como informador infiltrado para o FBI depois de ser detido em 2012, de acordo com documentos de um julgamento de 2014. Tarrio foi considerado uma fonte “prolífica”.
Num primeiro momento, Tarrio optou por negar ter sido informador num texto que circulou pelos chats de Telegram de todas as filiais dos PB, mas lá acabou por o reconhecer, uma vez que era impossível contestar os documentos do tribunal a que a Reuters teve acesso. Foi um duro golpe contra a sua liderança.
Membros e filiais norte-americanos depressa se tentaram dissociar ao máximo de Tarrio, chegando inclusive a romper com o comando central, a filial dos Anciões, dos Proud Boys.
“Não reconhecemos a autoridade assumida de qualquer liderança nacional dos Proud Boys, incluindo a do Presidente, dos Anciões ou de qualquer órgão”, declararam as filiais do Indiana, do Oklahoma e do Alabama no Telegram. As filiais começaram a agir de forma independente com a imagética dos PB.
As relações de poder no seio da organização mudaram drasticamente e, até ao momento, tem sido difícil saber qual o rumo que o grupo pode seguir, sem esquecer as suas filiais fora dos EUA: se o da atomização e entropia até eventualmente desaparecer ou o do assumir do poder interno por elementos ainda mais radicais.
Podem ainda haver outros possíveis caminhos, mais próximos ao Partido Republicano, ainda que por agora não sejam claros – pessoas ligadas aos Proud Boys no Nevada estão a considerar disputar a liderança republicana no Clark County, no Nevada.
“Estamos num momento em que existe alguma entropia”, explicou à revista Rolling Stone Alexander Reid Ross, investigador especialista na extrema-direita norte-americana e autor do livro Against the Fascist Creep, de 2017. “Há uma série de alianças a quebrarem-se. Isso pode levar a novas simpatias ao fim da estrada, mas os membros mais populistas podem-se desradicalizar e afastar. Em alguns casos, poderá haver uma radicalização mais intensa e o desejo de agir de formas mais extremas”.