Ricardo Santos Silva no antigo complexo mineiro da Ferrominas, em Torre de Moncorvo, no dia 12 de março de 2020 | LUSA - Francisco Pinto
Ricardo Santos Silva, antigo diretor do BES Investimento, entrou de rompante em Torre de Moncorvo. Prometeu mundos e fundos. No entanto, volvidos três anos, pouco aconteceu.
"O Botelho" é um restaurante nos arredores de Torre de Moncorvo onde poisam muitos antigos mineiros e trabalhadores de pedreiras. Ao lado de uma bomba de combustível na N220, em Felgar, o restaurante é um dos sítios mais movimentados do concelho. Movimento, porém, não é sinónimo de algazarra. Não depois do almoço. A seguir a uma refeição carregada de vinho acabado de sair da pipa, a solidão de quem fica quase que se faz ouvir.
Torre de Moncorvo é a terra onde "nem sequer o diabo quis nada com ela", disse-nos uma transeunte, surpreendida pela nossa presença. Envelhecida, Torre de Moncorvo, ladeada pelo rio Sabor, um fio de água a secar entre planaltos, é um lugar esquecido. Avistar um olhar jovem neste concelho é uma raridade. Hoje habitada por pouco mais de 6700 habitantes, esta vila transmontana foi o 14º município com a menor média de taxa bruta de natalidade entre 2010 e 2019.
Um ar de esperança correu na vila, no entanto, quando, em 2020, Ricardo Santos Silva entrou de rompante no concelho e comprou a MTI - Ferro de Moncorvo, que, em 2016, tinha ganhado a concessão de extração de minério durante 60 anos numa das maiores jazidas de ferro da Europa, na serra do Reboredo. O ex-diretor do Banco Espírito Santo Investimento não olhou a meias medidas e aliciou o concelho com uma promessa de criação de mil postos de trabalho e um investimento até aos 600 milhões de euros, ao longo das seis décadas.
“Toda a gente ficou contente, pois a população achou muito bem, porque foi o sustento de muitas famílias nos anos 1960, 1970, 1980”, conta-nos António Botelho, dono do restaurante “O Botelho”. “Até à data, não se vê nada.”
Dependemos de quem nos lê. Contribui aqui.
As minas de ferro foram a galinha de ovos de ouro de Torre de Moncorvo durante décadas, onde se chegou a empregar 1500 mineiros. O potencial das minas, todavia, está quase todo por explorar. Das 500 milhões de toneladas de ferro que cinco montes oferecem na serra do Reboredo, por exemplo, apenas 1,7 milhões de toneladas foram exportadas entre 1951 e 1976. Depois de 37 anos, sem atividade desde o encerramento em 1983 da Ferrominas, da família Champalimaud, a vila suspirava de alívio com as promessas do empresário Ricardo Santos Silva.
“Toda a gente ficou contente, pois a população achou muito bem, porque foi o sustento de muitas famílias nos anos 1960, 1970, 1980”, conta-nos António Botelho, dono do restaurante “O Botelho”
A esperança, contudo, já não é a mesma que há três anos, apesar de o presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo dizer que as “expectativas” ainda “são altas”. “Tenho expectativas que este projeto seja verdadeiramente aquilo que é”, confessa Nuno Santos, sem grande convicção. O presidente da câmara vê o projeto como uma “mais valia” no “território” que se encontra “deprimido e com a população envelhecida”, que pode “corresponder aos anseios” da população do concelho.
Ricardo Santos Silva comprou 51% da MTI - Ferro de Moncorvo ao empresário António Frazão, que passou 12 anos a tentar obter o licenciamento da exploração junto do Ministério da Economia. Logo que teve a oportunidade, Ricardo Santos Silva rebatizou a empresa de Aethel Mining, o mesmo nome da private equity que gere com a sua sócia norte-americana Aba Schubert - a Aethel Partners.
O nome da Aethel Partners chegou pela primeira vez aos ouvidos dos portugueses quando a entidade sediada em Londres anunciou que tinha fechado o negócio de compra do Banco Efisa ao Estado português, em outubro de 2015. O negócio, nunca concretizado pois nunca chegou o aval do Banco de Portugal, seria feito através de um veículo que a Aethel criara para o empreendimento. Chamava-se Pivot SGPS e tinha como um dos sócios Miguel Relvas, com uma fatia de 31,7% da empresa.
“O Banco de Portugal não inviabilizou a compra do Banco Efisa pela Pivot”, garante Miguel Relvas. “O auditor da instituição veio especificar nas contas anuais de 2015 do Banco Efisa que existia uma violação do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais. A Pivot solicitou à vendedora do Banco Efisa (a Parparticipadas) que solucionasse essa violação, o que não veio a suceder.”
A private equity de Ricardo Santos Silva voltou a fazer furor quando apresentou ao antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro, na altura consultor do Fundo de Resolução para a venda do Novo Banco, uma proposta de 3,8 mil milhões para a aquisição do Novo Banco. Quando se deu a comissão parlamentar de inquérito (CPI) às perdas do antigo BES, em 2021, esta operação cheirou mal a Duarte Alves. Estava com medo que Ricardo Santos Silva fosse um testa de ferro da família Espírito Santo. “Houve, de facto, pelo menos da parte do Banco de Portugal, a preocupação de que aquela candidatura estivesse ligada à família Espírito Santo”, disse-nos o deputado do PCP. “Não quer dizer que essa ligação exista de facto”, esclareceu.
A ideia de Ricardo Santos Silva, anunciada com pompa e circunstância na comunicação social, era, nos primeiros três anos, colocar Portugal na liderança da mineração europeia de ferro, criar 400 postos de trabalho e investir 100 milhões de euros. “Isto é um investimento que ultrapassará seguramente os 100 milhões de euros, se se concretizar da forma como nós expectamos que se venha a concretizar”, diz-nos em entrevista o diretor-geral da Aethel Mining Nuno Araújo, que nos recebeu no Bairro de Ferrominas, alojamento para os mineiros criado pela antiga empresa Ferrominas. “Se me perguntar como se alavancam 100 milhões de euros, não lhe sei responder. Nunca o fiz, por isso, não faço a mínima ideia como é que o acionista irá encontrar investidores ou se tem os capitais próprios para alavancar este investimento.”
A Aethel Mining parece estar a rios de distância daquilo que prometera em 2020, pois, apesar de Ricardo Santos Silva nos garantir ter vários clientes, o diretor-geral da empresa mineira diz-nos o contrário. “Neste momento temos um”, afirma Nuno Araújo. “É o concessionário que está a fazer a obra do Porto de Leixões, a Teixeira Duarte e a Tecnovia.”
Nuno Araújo era, curiosamente, até janeiro de 2023, o presidente da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo. O único cliente da Aethel Mining, como o próprio enfatizou. “Quando o processo para concurso começou, eu não era presidente do conselho de administração”, garante-nos o diretor-geral da Aethel Mining. A empresa, por sua vez, garante-nos que Nuno Araújo “foi escolhido, através de um processo de recrutamento, devido à sua experiência relevante” na “gestão de equipas complexas e logísticas".
A empresa mineira de Ricardo Santos Silva, como produtora de agregados de alta densidade, fornece o minério para produzir os tetrapos e os antiferes, blocos de betão que pesam toneladas utilizados nos quebra-mares, para a obra de prolongamento da orla costeira do Porto de Leixões. O minério extraído da concessão da Aethel Mining, todavia, precisa de passar por outro circuito antes de acabar na obra do Porto de Leixões.
"Às vezes prometiam, prometiam, mas depois não pagavam.”
É aqui que entra Miguel Pinto, dono da Nordareias, empresa que extrai e transforma britas, areias e outras pedras industriais. Ornamentado com óculos quadrados da Dolce Gabbana, cabelo castanho, cara redonda, sotaque de Trás-os-Montes, vestido com uma camisa azul-choque da Lacoste e calças de trabalho, Miguel Pinto tem orgulho no seu empreendimento. "Esta é a melhor areia do mundo", afirma-nos, apontando para os pequenos montes de areia à volta das máquinas da sua empresa.
A Nordareias é quem prepara o minério para ser utilizado na obra de prolongamento da orla costeira do Porto de Leixões. “Eles precisam deste material para fazer britas de betão mais denso”, conta-nos o dono da empresa. “Para os blocos terem mais peso e irem para o mar”, conclui, acrescentando: “Lavamos e britamos consoante as medidas necessárias.”
A relação comercial entre a Aethel Mining e a Nordareias começou em 2021. Não foi preciso muito tempo, porém, para as coisas darem para o torto.“Deixámos de receber. Não nos davam qualquer tipo de resposta. Não respondiam aos emails, deixaram de atender aos telefonemas. Estivemos parados porque se estava a tornar insustentável”, conta-nos Miguel Pinto. “A dívida era acima dos 250 mil euros.”
Um valor ínfimo para quem, na mesma altura, fazia propostas de 2 mil milhões de euros para comprar o Chelsea.
Miguel Pinto, com o silêncio do outro lado da barricada, viu-se obrigado a recorrer a outros meios para resolver o imbróglio. “Fizemos uma injunção ao tribunal e foi decretado o arresto das máquinas deles. Estivemos parados cerca de meio ano”, revela o dono da Nordareias. “Tentámos falar com eles diretamente. Na altura com Ricardo Santos Silva, mas também com o contabilista. Às vezes prometiam, prometiam, mas depois não pagavam.”
O impasse já decorria há vários meses quando a Tecnovia e a Teixeira Duarte tomaram as rédeas da obra. “Depois tivemos a ajuda do consórcio para resolver o problema. Queriam concluir a obra”, continua Miguel Pinto.
A relação de Ricardo Santos Silva com Miguel Relvas, por outro lado, não terminou com a tentativa de compra do Banco Efisa. A Aethel Partners criou outra empresa, a Dorae, premiada em 2020 como “Pioneira Tecnológica” pelo Fórum Económico Mundial. Relvas é consultor da empresa. “A Dorae é uma empresa que produz sistemas de software, com recurso a tecnologia avançada, para melhorar a eficiência, transparência e responsabilidade das cadeias de abastecimento em vários setores”, responde-nos, por escrito, a empresa de comunicação de Ricardo Santos Silva.
A Dorae trabalha sobretudo no Congo, contudo, também tem uma empresa sediada em Portugal. “As operações da Dorae em Portugal estão centradas no desenvolvimento de software. A empresa aqui contribui para a criação e melhoramento das soluções de software para cadeias de abastecimento”, responde-nos Ricardo Santos Silva. Miguel Relvas, por seu turno, decidiu responder apenas que a Dorae “desenvolve atividades no âmbito do seu objeto social”: “Como é óbvio”.
Miguel Relvas recusou revelar-nos o âmbito dos serviços de consultoria que presta. Segundo a empresa de comunicação de Ricardo Santos Silva, Miguel Relvas “tem trabalhado como consultor externo”. “Tem prestado serviços de consultoria numa base não regular, não sendo funcionário da empresa. Tem-se concentrado na missão global do negócio.”
A sede da empresa em Portugal é na Praia da Vitória, na Ilha Terceira, nos Açores. Ao deslocarmo-nos à morada, constatámos que a empresa já não se encontrava lá. Encontrámos, contudo, a antiga senhoria. “A empresa sempre foi meia estranha”, desabafa connosco.
Não encontrámos a Dorae nos Açores, mas encontrámo-la a 1733 quilómetros de distância, em Torre de Moncorvo. “A Dorae tem uma aplicação que monitoriza toda a atividade que aqui acontece. O que consumimos em diesel, o material que produzimos, qual a nossa pegada ambiental”, afirma-nos Nuno Araújo, diretor-geralda Aethel Mining. “É uma aplicação que visa acompanhar toda a cadeia logística desde o processamento, a matéria prima e os fornecedores que estão envolvidos na nossa operação.”
Rui Minas foi o contacto que nos passaram, mas afinal tinha um nome bem mais comum: Rui Fernandes. Trabalha em minas de ferro, daí a alcunha, que ele desconhecia. Barba feita, cabelo cortado à máquina, olheiras carregadas, Rui conhece as minas como poucos. É dono da Corral da Rosa, pequeníssima concorrente da Aethel Mining. Trabalhava para a empresa de Frazão, antes de ela ser comprada por Ricardo Santos Silva.
“O negócio do Porto de Leixões foi iniciado por mim”, conta-nos Rui Fernandes. O empresário é outro que desconfia do empreendimento de Ricardo Santos Silva. “Não é estranho, depois de uma série de notícias positivas sobre o trabalho da Aethel Mining, passados três anos, não temos mais nada do que a recolha de inertes?”, questiona Rui Fernandes, referindo-se à obra de expansão da orla costeira no Porto de Leixões.
Os planos da empresa são ambiciosos. E necessitam de um avultado investimento, apesar de ainda não terem passado no crivo do licenciamento (estudo do impacto ambiental, por exemplo). Segundo Nuno Araújo, “50% desse processo” está “feito”. Ou seja, por enquanto, a empresa apenas tem autorização para a mera extração de agregados de alta densidade.
O objetivo, de acordo com o diretor-geral da Aethel Mining, assim que ultrapassados os processos burocráticos, é extrair ou “produzir seis milhões de toneladas de ferro concentrado” por ano. Neste momento, o número cifra-se em três mil toneladas por dia.
O alegado atraso neste processo, sem desprezar o não pagamento a fornecedores como Miguel Pinto da Nordareias, preocupa o presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo. “Espero que o concessionário, a partir do momento em que inicie verdadeiramente a exploração de ferro, cumpra tudo aquilo que são as suas obrigações, nomeadamente a empregabilidade, os mecanismos sociais que têm de estar presentes na sociedade de Torre de Moncorvo, bem como em termos associativos, para que as pessoas se revejam no projeto”, diz-nos Nuno Santos.
A verdade é que a Aethel não destoa nas promessas. E até uma siderurgia verde anunciou. “Se pudéssemos ter cá uma siderurgia de aço verde alimentada a hidrogénio verde, isso seria ouro sobre azul”, diz-nos Nuno Araújo, diretor-geral da Aethel Mining.
Miguel Relvas recusou revelar-nos o âmbito dos serviços de consultoria que presta
Nuno Araújo saiu do Porto de Leixões na expectativa de abraçar um novo “desafio” e colocar Portugal na rota do aço. “É cada vez mais importante reindustrializar o país”, afirma. “Acho que é um desígnio. O que me atraiu foi o impacto que isto pode ter na região e no país, mas sobretudo a importância que isto tem no contexto económico atual por causa da pandemia, por um lado, e por causa da guerra [na Ucrânia], por outro lado.”
A entrevista com Nuno Araújo foi feita em maio. Em setembro, Nuno Araújo enviou-nos uma mensagem a dizer que tinha deixado de acreditar no projeto da Aethel Mining. Demitiu-se.
A Nordareias, por fim, não é o único circuito por onde os agregados de alta densidade têm de circular antes de chegarem ao Porto de Leixões. Em declarações à Lusa, em 2021, Ricardo Santos Silva disse que estava “a vender” os agregados de alta densidade “diretamente na mina a uma empresa internacional revendedora que assegura toda a parte logística”.
“Nós faturamos à Reprua”, revela-nos Nuno Araújo. E que empresa é essa? “É um trader, uma empresa do grupo Aethel.” Sediada nos Estados Unidos.