simon koffa

Fotografia cedida pelo Governo de Tuvalu

Simon Kofe: “Embora existam vários fundos climáticos, temos muita dificuldade em aceder-lhes”

Em entrevista ao Setenta e Quatro, Simon Kofe alerta para a ameaça diária que Tuvalu sofre com as alterações climáticas. Desde pressões de algumas potências mundiais a grandes dificuldades no acesso a fundos para proteção do país, conta que o objetivo para a COP 27 é claro: "fazer tudo o que podemos para chamar a atenção para os perigos que enfrentamos". 

Entrevista
3 Novembro 2022

Em novembro de 2021, há precisamente um ano, no decorrer da cimeira anual das Nações Unidas dedicada às alterações climáticas (COP 26) em Glasgow, na Escócia, houve uma imagem que se tornou o símbolo de um dos efeitos mais devastadores da crise climática e ambiental. 

Simon Kofe, Ministro da Comunicação, Justiça e Negócios Estrangeiros de Tuvalu, um arquipélago no Oceano Pacífico, aparecia em grande plano no ecrã vestido de fato e gravata, com as bandeiras do Reino Unido e das Nações Unidas atrás. Lentamente, a câmara afastava-se e mostrava que em vez de umas calças a compor o fato que tinha vestido, Simon Kofe tinha uns calções de praia e estava com água pelo joelho. 

Não faltava a mesa própria neste tipo de ocasiões, preta e dourada. Era este o palco possível numa ilha em que a subida do nível do mar projeta um cenário em que a terra acabará engolida pelas águas, servindo de ecossistema a animais marinhos e não aos humanos que lá viviam. Tudo isto não seria um problema se não soubéssemos o que levou a esta situação e se estas populações estivessem devidamente protegidas com estatutos que lhes permitissem viver noutro local, com os mesmos direitos e a mesma cidadania que tinham. 

Dependemos de quem nos lê. Contribui aqui.

No discurso que proferiu neste vídeo, o ministro disse que os habitantes destas ilhas “não podem esperar por mais discursos” e que a “mobilidade climática” tinha de passar a ser uma prioridade. A única mensagem da COP 26 que teve o mesmo impacto foi da primeira-ministra dos Barbados, Mia Mottley, talvez pelo facto de serem nações que estão a afundar, e que têm porta-vozes com mais poder de comunicação. 

Certo é que a situação não vai mudar. Só vai piorar, e estas populações precisam de apoios concretos e rápidos. A ajuda financeira aos países que mais sofrem com as alterações climáticas e com a subida do nível da água do mar existe, mas está presa em burocracias e interesses financeiros, desvios, corrupção.

Na última edição da COP, este foi um dos assuntos em cima da mesa, assim como a questão dos refugiados climáticos. Na edição que decorre este ano, no Egipto, será novamente um tema debatido, mas nunca o principal.

Numa pequena entrevista via e-mail, Simon Kofe contou ao Setenta e Quatro de que forma a população de Tuvalu tem vindo a viver esta ameaça diária e como se projeta o futuro. Não é apenas a terra em que sempre viveram, assim como os seus ascendentes, a desaparecer em breve. É também o facto destas comunidades não manterem a sua autonomia e não saberem exatamente onde serão recolocadas: “os nossos parceiros devem reconhecer o Estado de Tuvalu como permanente, apesar da perda de terras devido às mudanças climáticas”.

A mensagem deste país do Pacífico, assim como de outros territórios do mundo que estão a desaparecer ou a tornar-se inabitáveis, é a de urgência. Seja por causado calor, da subida do nível do mar ou de fenómenos extremos, há uma série de nações em risco e há milhares de refugiados climáticos que surgem anualmente.

Não deixa de ser irónico que estes temas sejam debatidos este ano no Egipto, um país com um regime repressivo, e que o principal patrocinador seja a Coca-Cola, a multinacional que mais produz plástico no mundo. A autocracia está a normalizar-se, assim como o greenwashing

Há um ano, uma imagem icónica correu o mundo. Como é que sente que essa imagem despertou o interesse geral por Tuvalu e pelas outras ilhas do Pacífico?

Sem dúvida que o discurso aumentou a consciencialização da terrível situação que Tuvalu está a enfrentar devido à crise das alterações climáticas e com a subida do nível do mar. Especialmente porque mostrou os efeitos reais deste aumento do nível da água na ilha e nas orlas costeiras. 

Todos os anos perdem mais terra para o mar, com a erosão e as marés altas. É uma emergência que vêem todos os dias?

Sim. É algo que podemos ver diariamente, seja através dos efeitos da erosão costeira, das tempestades mais intensas e mais frequentes, da seca mais severa e de outros impactos visíveis das alterações climáticas. 

Como é que a população está a lidar com esta realidade?

A população está a tentar dar passos práticos para enfrentar esta realidade. O nosso povo está a analisar medidas de mitigação e a nossa população inclui muitos intervenientes na crise climática. Não queremos deixar a nossa terra e estamos a fazer tudo o que podemos para chamar a atenção para os perigos que enfrentamos.

Sente mais unidade entre as nações que correm o risco de desaparecer por causa do impacto das alterações climáticas?

Sim. Todas as nações das Ilhas do Pacífico e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (Small Island Developing States) que estão a enfrentar a perda de terras devido às alterações climáticas partilham uma causa comum. Reunimo-nos frequentemente para falar sobre os impactos perigosos que as mudanças climáticas antropogénicas e o aumento do nível do mar têm nas nossas terras.

Nos últimos anos, a temperatura também está a subir? E as tempestades são mais frequentes?

Este ano estamos a passar por uma seca prolongada e severa que deixou muitas de nossas ilhas sem abastecimento de água potável. Este é um dos muitos paradoxos que enfrentamos por causa das alterações climáticas: em alguns anos, somos atingidos por fortes tempestades que destroem casas e infraestruturas, enquanto noutros enfrentamos condições de seca que dificultam a vida sustentável em nossas terras.

"O aumento do nível do mar aumenta o nível de salinidade no nosso solo, o que significa que é mais difícil para nós cultivarmos e mantermos produtos agrícolas."

Têm perdido terra com a erosão. Os conflitos sobre propriedade estão a começar a ser um problema?

Tuvalu tem um sistema de posse de terra complicado. Os conflitos em torno da propriedade sempre foram um problema, embora possamos ver um aumento dos conflitos nos próximos anos devido à erosão.

A migração está a aumentar?

Não vimos a migração aumentar especificamente devido às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar. À medida que mais oportunidades de trabalho e estudo no exterior chegaram a Tuvalu, especialmente por meio de países como Austrália e Nova Zelândia, vimos o potencial de aumento da migração.

Devido à poluição e à destruição dos corais, estão também a perder grande parte dos ecossistemas das ilhas. Há repercussão na atividade alimentar e pesqueira?

As mudanças climáticas e o aumento do nível do mar tendem a aumentar o nível de salinidade no nosso solo, o que significa que é mais difícil para nós cultivarmos e mantermos produtos agrícolas. No que diz respeito às pescas, as alterações climáticas podem afetar a temperatura dos nossos oceanos e provocar mudanças nos padrões migratórios dos peixes. Isso pode resultar em stock de peixe a sair das águas de Tuvalu, o que seria devastador para nossa receita nacional, que depende em grande parte da pesca.

Que países próximos têm demonstrado mais apoio e preocupação?

Os nossos vizinhos das ilhas do Pacífico sempre apoiaram a nossa causa, porque sofrem os mesmos impactos que nós. A Nova Zelândia também tentou ser uma forte defensora na área das alterações climáticas e, sob o seu novo governo, a Austrália está a tomar medidas para aumentar a sua ação para interromper a sua contribuição para as emissões de combustíveis fósseis.

São uma nação independente desde 1978. Com o risco de serem recolocados, como podem manter a soberania como nação?

Tuvalu está a tomar medidas ousadas para proteger o seu estatuto como nação, mesmo que o território de Tuvalu desapareça. Atualmente, quando estabelecemos relações diplomáticas com países, incluímos o reconhecimento diplomático. Os nossos parceiros devem reconhecer o Estado de Tuvalu como permanente, apesar da perda de terras devido às alterações climáticas. Oito países já assinaram essas comunicações conjuntas e continuamos a nossa defesa com os nossos parceiros (Palau, Niue, Vanuatu, St. Kitts e Nevis, Taiwan, Baamas, Gabão e Venezuela).

"Países como Tuvalu exigem financiamento flexível para projetos ​​de adaptação costeira e recuperação de terras. Precisamos de acesso imediato a financiamento climático."

Considera que o estatuto de refugiado climático é projetado para proteger as comunidades mais vulneráveis?

O conceito de “refugiado climático” não é uma parte fundamental da defesa de Tuvalu sobre as alterações climáticas e o aumento do nível do mar.

O Pacífico é uma região muito disputada pela China e pelos EUA. Que tipo de pressões sentem atualmente?

Tuvalu é um forte aliado de Taiwan. Sentimos alguma pressão da China em relação à nossa participação em fóruns internacionais, como a Conferência do Oceano da ONU, quando tentamos incluir delegados taiwaneses nas nossas delegações. No entanto, também acredito que é fundamental não caracterizar o Pacífico como uma região contestada pela China e pelos EUA. Nós, no Pacífico, temos a nossa própria agência. É preciso que todos os países trabalhem juntos para deter a crise climática; não podemos permitir lutas internas entre países neste momento crítico.

Como estão a planear a vossa presença na COP 27?

Teremos uma delegação extremamente forte na COP 27, e eu estarei a representar Tuvalu através de várias apresentações digitais e vídeos. Agora que as restrições de viagem da covid diminuíram um pouco, estou confiante de que o Pacífico terá uma exibição muito forte na COP 27.

Que tipo de apoio acha que pode ser mais imediato?

Países como Tuvalu exigem financiamento flexível para projetos ​​de adaptação costeira e recuperação de terras. Precisamos de acesso imediato ao financiamento climático. Embora existam atualmente vários fundos climáticos, temos frequentemente muita dificuldade em aceder-lhes. Precisamos de apoio internacional para garantir que os processos de financiamento sejam simplificados, para que possamos obter o financiamento de que precisamos tão desesperadamente para proteger os nossos países.