Doutorando em Economia na Universidade de Sapienza, Roma. Escreve no blogue Ladrões de Bicicletas.

Uma economia para todos? Semelhanças e diferenças nos programas da esquerda

O próximo governo terá um desafio fundamental: conseguir que a economia portuguesa  abandone o modelo de baixos salários. Parece haver consenso à esquerda sobre a importância das políticas públicas, mas também há diferenças significativas nas propostas para aumentar salários, reforçar os direitos no trabalho e responder à crise da habitação.

Ensaio
22 Fevereiro 2024

A menos de um mês para as eleições legislativas, há algo comum a todas as sondagens: nem o PS nem a AD (coligação entre PSD, CDS e Partido Popular Monárquico) terão maioria absoluta. Embora as sondagens já se tenham enganado no passado, a experiência de maioria absoluta nos últimos dois anos não parece ter deixado boas memórias e o mais provável é que ninguém a alcance. Neste sentido, o próximo governo dependerá dos votos dos diferentes partidos e dos acordos que se puderem formar nas semanas pós-eleições.

À esquerda, Bloco de Esquerda, PCP e Livre já se mostraram disponíveis para um acordo que permita dar posse a um governo progressista. Ao contrário da direita, em que a discussão sobre o acordo se faz essencialmente sobre a forma (apoio parlamentar, integração do governo, etc.), o debate à esquerda tem sido marcado pelo conteúdo e pelas propostas que cada partido define como prioritárias para alcançar soluções para os problemas de quem vive do seu salário.

Os debates eleitorais têm-se focado em temas como a corrupção, a segurança ou a imigração. São, curiosamente, as grandes bandeiras da extrema-direita. Para quem olhe de fora, quase que parece que são os temas que mais interessam à maioria das pessoas no país. Mas os inquéritos à população mostram que as pessoas se preocupam muito mais com o custo de vida, os salários, a saúde e a habitação. Nesse sentido, vale a pena olhar para os programas dos partidos e avaliar as propostas que têm para melhorar os rendimentos e a qualidade de vida no país. Na semana passada, a análise foi sobre os programas da direita. Desta vez, o foco está nos programas de esquerda.

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Porque (sobre)vivemos com salários baixos?

Antes de olharmos para as propostas, é preciso fazer o diagnóstico da economia portuguesa: sem identificar as causas dos problemas que o país atravessa, dificilmente se avançam boas soluções. O discurso económico da direita foca-se no peso dos impostos, mas essa tese não sobrevive ao confronto com os factos, como descrito no texto da semana passada: temos uma carga fiscal inferior à média da União Europeia, a maioria das pessoas não paga IRS ou paga taxas efetivas que não são muito diferentes dos países europeus mais desenvolvidos e boa parte das empresas não paga IRC ou paga taxas muito inferiores à taxa máxima.

Há dois grandes motivos para a prevalência de salários baixos no país: o fraco desempenho da economia portuguesa e o aumento do fosso entre os salários e a produtividade. Comecemos pelo primeiro. A economia portuguesa tem estado estagnada nos últimos 20 anos. A taxa média de crescimento anual desde 2000 não chegou a 1%, um valor muito inferior ao que se registava nas décadas anteriores.

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PIB REAL

O crescimento das economias é afetado por diversos fatores, mas as suas características estruturais costumam ser um fator decisivo. No caso português, é difícil não relacionar o fraco desempenho da economia ao longo das últimas duas décadas com o seu padrão de especialização, reforçado pela adesão a uma moeda demasiado forte e pelas políticas de austeridade. Temos uma economia assente em setores de baixo valor acrescentado, intensivos em trabalho e com pouco potencial produtivo, bem como um atraso histórico na qualificação da população em comparação com a maioria dos países europeus.

Nos últimos 20 anos, o baixo investimento privado canalizou-se para setores como a construção, o imobiliário e, mais recentemente, para o turismo e a restauração. O mercado favoreceu estes setores por estarem menos expostos à concorrência internacional ou por assentarem em vantagens naturais do país e, por isso, permitirem maiores lucros no curto prazo. Mas há outros aspetos que estes setores têm em comum: baixo potencial produtivo, pouca incorporação de conhecimento e tecnologia, baixos salários e precariedade. A excessiva dependência deste tipo de setores é o principal fator de fragilidade da economia portuguesa.

A tendência de estagnação e especialização em serviços de baixo valor acrescentado está longe de ser um problema exclusivo da economia portuguesa. Na verdade, é uma tendência comum aos países do Sul da Europa, cujas características estruturais se assemelham mais às de Portugal. Com a adesão a uma moeda sobrevalorizada e a concorrência de países com salários bem mais baixos (China e Leste europeu), estes países perderam terreno nas exportações e o endividamento externo cresceu.

Poder-se-ia pensar que o fraco desempenho da economia portuguesa é suficiente para explicar o fraco crescimento salarial. Só que a verdade é outra: os salários reais nem sequer têm acompanhado a evolução da produtividade, como demonstrado pelo economista Paulo Coimbra.

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Produtividade

É difícil não associar esta tendência à precarização do trabalho ao longo deste período. Depois das reformas da Troika (2011-2014), que incluíram a facilitação dos despedimentos e do recurso a contratos precários, Portugal tornou-se um dos países da União Europeia onde o lastro dos contratos a termo é maior, sobretudo entre os jovens. Apesar das alterações legislativas aprovadas desde o período da Troika, Portugal continua a ser um dos países da UE com maior peso de contratos precários, que abrangem quase metade dos jovens empregados, e é também o terceiro com mais emprego involuntário a termo (isto é, cujo motivo é a incapacidade de encontrar emprego permanente).

A precariedade teve um efeito de compressão nos salários, reconhecido por um estudo da Comissão Europeia que concluiu que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal. Mais: um trabalho de investigação de três economistas do FMI aponta para a existência de uma relação entre a desregulação laboral e a redução da wage share – a fração do rendimento produzido numa economia que é recebida pelo fator trabalho, ou, por outras palavras, a fatia do bolo que cabe aos trabalhadores.

A economia portuguesa tem, por isso, dois problemas de fundo: uma dependência excessiva de setores de pouco potencial produtivo, com destaque para o turismo e os serviços associados, e uma distribuição muito desigual do rendimento produzido, sobretudo após a vaga de precarização do trabalho.

O que propõem os partidos de esquerda para a economia?

Os programas dos partidos de esquerda têm em comum o facto de atribuírem ao Estado um papel central na estratégia de crescimento económico. Ao contrário do programa da direita, que passa por reduzir os impostos sobre as empresas e deixar tudo o resto nas mãos dos grupos económicos, os partidos de esquerda defendem que o Estado deve definir setores estratégicos para o desenvolvimento e dirigir os apoios públicos.

Todas estas forças políticas  definem como prioritária a transição energética. PS, Bloco, PCP e Livre defendem que a identificação de setores que devem ser apoiados pelo Estado tem de ter em conta critérios de sustentabilidade ambiental e descarbonização da economia. Enquanto o PS coloca o foco nos apoios às empresas, os partidos à sua esquerda argumentam que o Estado deve também participar de forma direta nos setores estratégicos - como a energia - através do controlo público de empresas que foram privatizadas com péssimos resultados.

No que diz respeito a condições laborais, há diferenças importantes. Embora o programa do PS reconheça a necessidade de “promover um maior alinhamento entre a política ativa de emprego e a política económica do país”, não são avançadas medidas concretas no programa eleitoral. Recorde-se, no entanto, que o PS sempre mostrou relutância em reverter mudanças da troika no Código do Trabalho.

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Soares

À esquerda, os partidos defendem a implementação de critérios sobre direitos laborais e práticas salariais na atribuição dos fundos. O Bloco tem uma proposta concreta: a definição de leques salariais de referência no setor público e privado, excluindo as empresas que os excederem de apoios públicos, benefícios fiscais e da possibilidade de participar em concursos públicos. É uma proposta que procura aliar a política industrial ao combate à desigualdade. Entre 2010 e 2022, o rácio médio entre o salário dos gestores e dos trabalhadores passou de 24:1 para 36:1. Longe de representar a diferença entre o contributo dos gestores e da maioria dos trabalhadores para o desempenho das empresas, a enorme disparidade salarial é uma expressão das relações de poder dentro e fora das empresas. O Estado pode (e deve) usar os instrumentos de que dispõe para a combater.

No campo do trabalho, o programa do PS propõe-se a prosseguir os objetivos do Acordo de Rendimentos e Competitividade. No entanto, existem alguns problemas com este acordo. Por um lado, os aumentos salariais mínimos para as empresas terem direito a generosos benefícios fiscais eram pouco ambiciosos e, em 2023, nem eram suficientes para recuperar a perda de poder de compra do ano anterior. E, por outro lado, o objetivo de promover a contratação coletiva não parece ter sido atingido.

À esquerda, Bloco, PCP e Livre propõem o fim da caducidade das convenções coletivas. É uma proposta que já era defendida pelos dois primeiros partidos nas negociações antes do PS ter obtido a maioria absoluta e que volta a constar dos programas, uma vez que o reforço da contratação coletiva e do poder negocial dos trabalhadores é uma das condições necessárias para promover o aumento dos salários no país. Ligando-o à política industrial, o Bloco também quer limitar a contratação pública a empresas que negociaram contratos coletivos no último ano.

A redução do tempo de trabalho é uma prioridade das três forças políticas à esquerda do PS. Todas defendem a fixação das 35 horas semanais para o setor público e privado e a reposição dos 25 dias de férias. Também mostram abertura para a semana de quatro dias, cujas primeiras experiências em Portugal tiveram resultados positivos, embora Bloco e PCP sublinhem a necessidade de assegurar que este modelo não se traduz numa perda de rendimento ou num aumento da jornada diária.

Sobre direitos laborais, Bloco, PCP e Livre apresentam propostas para combater a precariedade, integrar os falsos recibos verdes e restringir o recurso ao trabalho temporário. Mas, talvez de forma surpreendente, apenas Bloco e PCP apresentam propostas para uma área que tem merecido menos atenção: o trabalho por turnos, que já abrange mais de 800 mil trabalhadores, que trabalham à noite ou ao fim de semana.

Embora seja difícil de contornar em setores como a saúde, os turnos têm-se alastrado a atividades onde as empresas apenas os aplicam para maximizar ganhos, apesar do impacto comprovado na saúde (física e mental) e qualidade de vida de quem trabalha por turnos. Os dois partidos defendem mais direitos para os trabalhadores e a possibilidade de reforma antecipada, sem penalizações, tendo em conta o tempo trabalhado por turnos.

Menos impostos… para quem?

À esquerda, contrariamente ao que se costuma pressupor, há propostas para reduzir impostos. A grande diferença em relação à direita é que estes partidos não defendem uma redução generalizada das taxas, que beneficia sobretudo os mais ricos do país e reduz de forma substancial a receita do Estado, colocando em causa o financiamento dos serviços públicos.

No programa do PS, prevê-se continuar a redução das taxas marginais de IRS dos escalões inferiores e médios. Bloco, PCP e Livre propõem um aumento da progressividade do imposto, reduzindo as taxas nos escalões mais baixos e aumentando no topo. As propostas destes partidos permitem aliviar a carga fiscal sobre os salários de quem ganha salários baixos e médios sem oferecer borlas fiscais a quem ganha muito acima da média, como acontece nas propostas da direita.

Os três partidos à esquerda do PS também defendem o englobamento obrigatório dos rendimentos, acabando com o benefício injustificado que hoje existe para rendimentos de capital. Para estes três partidos, a justiça fiscal passa também pela tributação das grandes heranças, à semelhança do que acontece na maioria dos países ocidentais e como até a OCDE recomenda como medida de combate às desigualdades.

Já em relação às empresas, Bloco, PCP e Livre querem que se tributem adicionalmente os lucros extraordinários que as grandes empresas registaram nos últimos anos em setores como a banca, a grande distribuição ou a energia, à boleia da inflação e da subida das taxas de juro.

Que respostas para a crise da habitação?

A crise da habitação acabou por ser um dos aspetos mais negativos da governação do PS. Além da manutenção de taxas de juro muito baixas durante uma década por parte do Banco Central Europeu, há outros fatores que agravaram esta tendência em Portugal: a expansão do turismo, com a proliferação do alojamento local nas principais cidades, e o aumento exponencial da procura externa, potenciada por um conjunto de benefícios fiscais para fundos imobiliários e não-residentes (com o regime de residentes não-habituais ou os vistos gold).

Para dar resposta ao problema, tanto o PS como os partidos de esquerda defendem um reforço do investimento no parque público de habitação (um  dos mais reduzidos da Europa) e a mobilização dos edifícios públicos devolutos para este efeito. No entanto, há várias diferenças nas restantes propostas apresentadas.

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preços casas

Para apoiar a compra de habitação, o PS defende uma garantia pública para empréstimos à habitação para a compra de primeira casa, enquanto o Livre quer que, além da garantia, o Estado financie até 30% do valor de mercado dos imóveis adquiridos. O problema deste tipo de propostas é que teria como consequência provável uma subida dos preços praticados no mercado, assim que os proprietários percebessem que o Estado está disposto a ser fiador ou a financiar uma parte dos valores de aquisição.

Bloco e PCP têm propostas diferentes. Ambos defendem que o Estado deve utilizar o banco público – a Caixa Geral de Depósitos – para aplicar uma política de juros mais baixos para a aquisição de habitação própria permanente. O controlo público pode e deve servir para prosseguir objetivos de política económica e social, como recentemente aconteceu em França, quando o governo liberal de Emmanuel Macron utilizou a empresa pública de energia para diminuir os preços da eletricidade.

Em relação ao impacto da procura externa, Bloco e PCP defendem quotas máximas para o Alojamento Local por freguesia - nas freguesias de Lisboa em que se impuseram limites, há evidência de que os preços das casas baixaram. O Bloco tem ainda no seu programa a suspensão da emissão de títulos para novos empreendimentos turísticos em zonas de pressão habitacional e a restrição da venda de casas a não-residentes. Do lado da oferta, e além do investimento público, o Bloco defende uma quota de 25% da nova construção que terá de ser oferecida em regime de arrendamento acessível, tendo o Livre uma proposta parecida (quota de 20% para grandes empreendimentos urbanísticos).

No que diz respeito a impostos, todos os partidos à esquerda – Bloco, PCP e Livre – querem eliminar as isenções e benefícios fiscais concedidos a fundos imobiliários e a residentes não habituais. O Bloco defende uma redução em 50% do IMT na compra de habitação própria permanente e o agravamento das taxas para habitações secundárias; já o Livre propõe um alargamento da isenção de IMI para a habitação permanente e para imóveis arrendados por longa duração e um maior agravamento do imposto para imóveis devolutos, enquanto o PCP defende a redução da taxa máxima de IMI e o alargamento da isenção para famílias de baixos rendimentos.

Sobre o arrendamento, Bloco, PCP e Livre defendem diferentes tipos de regulação e limites às rendas, enquanto o PS quer que a fórmula de cálculo de atualização (a  que determina anualmente  o aumento máximo das rendas nos contratos em vigor) inclua não apenas a evolução da inflação, mas também a dos salários. Todos os partidos referem a necessidade de apoiar o pagamento das rendas das pessoas com menores rendimentos.

No essencial, há uma diferença de fundo em comparação  com os programas da direita, que se baseia na redução de impostos para as construtoras e imobiliárias na esperança de que a oferta de casas aumente substancialmente e os preços diminuam, ignorando as dinâmicas realmente existentes no mercado e a preferência que tem sido dada à construção no setor de luxo. À esquerda, existem propostas que atuam sobre o problema nas duas vertentes: do lado da oferta, promovendo o investimento no parque público, e do lado da procura, restringindo a procura especulativa e a pressão turística que fizeram os preços disparar.

A importância do investimento público

No debate público, os impostos tornaram-se um dos principais temas da campanha e o investimento público é pouco discutido. Isso pode ser motivado pela experiência dos últimos anos: durante os governos do PS, houve sempre uma diferença substancial entre o investimento anunciado no Orçamento do Estado e o que foi verdadeiramente executado em cada ano. Essa diferença foi maior nos dois anos de maioria absoluta, em que o PS não dependia da esquerda.

Apesar desta tendência poder contribuir para a descredibilização, a discussão sobre o investimento público tem de estar no centro do debate. Em Portugal, apesar dos enormes avanços conseguidos em 50 anos de democracia, os últimos anos têm sido marcados por uma política de sub-investimento sistemático que degrada os serviços públicos. No Serviço Nacional de Saúde, o desinvestimento tem fragilizado o serviço público e levado muitas pessoas a optar pelos  (muito mais caros) hospitais privados. Nos transportes, a falta de investimento tem levado ao encerramento de várias linhas ferroviárias e à supressão frequente de comboios ou autocarros, obrigando muitas pessoas a usar o automóvel próprio num contexto em que o preço dos combustíveis disparou. O desinvestimento público aumenta o custo de vida da maioria.

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investimento público

Os quatro partidos dedicam uma parte importante dos seus programas às propostas para reforçar o SNS, a escola pública e os transportes, com destaque para a rede ferroviária do país (apesar das diferenças, que deverão ser analisadas por quem tem competência nessas áreas). A ideia subjacente é a mesma: serviços públicos bem financiados permitem que o acesso não dependa da condição económica de cada um e melhoram a qualidade de vida de todos. Neste sentido, os impostos são o preço que pagamos para viver numa sociedade decente.

Quando se fala no impacto de medidas, os economistas referem-se ao “efeito multiplicador”: o impacto que uma determinada medida orçamental tem no rendimento total gerado na economia. Há dois aspetos para os quais os estudos empíricos apontam. Por um lado, a maioria conclui que o multiplicador da despesa é superior a 1: por cada aumento de €1 na despesa (e, sobretudo, no investimento) do Estado, o PIB cresce mais do que €1, o que significa que os benefícios que o investimento gera para a economia não só compensam, como tendem a superar os seus custos iniciais. Por outro lado, o impacto estimado de um aumento da despesa ou do investimento público costuma ser superior ao de uma redução de impostos, o que nos indica que o dinheiro seria melhor empregue pelo Estado na promoção do investimento em áreas onde tem faltado.

Uma governação progressista vai depender da relação de forças

O país precisa de uma viragem progressista na política económica para dar resposta aos problemas que realmente preocupam a maioria das pessoas – salários, custo de vida, qualidade do trabalho, habitação. O programa da direita não é convincente: por muito que nos digam que basta baixar impostos às grandes empresas e esperar que o mercado resolva os problemas dos baixos salários ou dos preços da habitação, temos todos os motivos para desconfiar.

Os últimos dois anos mostram que a maioria absoluta também não é solução: as insuficiências do programa do PS tornam-se mais claras quando não depende dos partidos à sua esquerda. Foi durante a Geringonça, quando dependia do Bloco e do PCP, que se iniciou a redução substancial do preço dos passes sociais, a descida das propinas, os manuais escolares gratuitos e outras medidas que reduzem o custo de vida da maioria das pessoas.

Essa experiência mostra-nos que uma política progressista é possível. Mas também é preciso aprender com os seus erros. Uma nova solução à esquerda tem de colocar o investimento público — na saúde, na habitação ou nos transportes — no topo das suas prioridades e terá de haver um escrutínio maior para impedir desvios entre os Orçamentos do Estado e a prática do governo. O modelo de reuniões bilaterais entre PS e cada um dos outros partidos enfraquece o seu poder negocial. Um acordo escrito entre todos, onde se definam as medidas-chave em cada área e um calendário concreto para a sua implementação, reforça a capacidade de intervenção da esquerda e contribui para o escrutínio. 

A relação de forças e o peso parlamentar do PS e dos partidos à sua esquerda vão ser decisivos. Por uma questão de transparência, deixo claro que vou votar no Bloco. Todos os votos nos partidos de esquerda contam para formar uma maioria parlamentar progressista e, quanto maior for a força dos partidos à esquerda do PS, maior a sua capacidade de influenciar as opções do próximo governo. O voto útil é o voto à esquerda.