Investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL. Doutorada pela Universidade de Coimbra com uma tese sobre imigração de mulheres brasileiras para Portugal. Trabalha temas relacionados com migração, género, raça/racismos, desigualdades sociais e estudos descoloniais. É membro da coordenação da rede IMISCOE e da Rede ENIS.

A pandemia expôs o racismo contra os estudantes internacionais

O poder político e económico encarou durante muitos anos os estudantes internacionais como “bons” e desejáveis imigrantes. Já não é assim. Hoje têm de trabalhar para pagarem os seus estudos e vida em Portugal. São alvo de racismo e xenofobia nas aulas e nos locais de trabalho.

Ensaio
6 Julho 2023

O meu percurso como investigadora dedicada à migração não é extraordinário. Na comunidade académica é lugar comum encontrar imigrantes a estudar os fenómenos migratórios, uma escolha que dispensa grandes explicações. As dinâmicas migratórias são complexas. Numa perspectiva macro, envolvem questões políticas, económicas e cada vez mais ambientais. O impacto dos fluxos migratórios é transnacional, abarcam o país de origem e de residência, e em alguns casos até os países de passagem, e indiretamente as suas respetivas regiões. 

Mas, numa perspetiva micro, as motivações para a migração são as mais variadas possíveis: desejo de conhecer o mundo, razões amorosas, procura por melhores oportunidades de trabalho, tratamento médico, fuga de desastres naturais e intenção de obter uma educação ou treinamento internacional. Ao mesmo tempo que a experiência dos imigrantes é marcada por dinâmicas de exclusão, marginalização, segregação e discriminação. 

Assim como noutros fenómenos sociais, este intricamento de diferentes níveis, dimensões e variáveis faz emergir uma série de questões que despertam o interesse da comunidade académica e em grande medida daqueles cuja migração faz parte das suas histórias de vida. Foi meu caso.

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Em 2006, migrei do Brasil para a Europa como estudante internacional para fazer mestrado em Itália e em Portugal com uma bolsa do programa Erasmus Mundus, financiado pela Comissão Europeia. Uma posição que eu identificava claramente como atravessada por privilégios e que, portanto, não vislumbrava nenhum possível contratempo. Até que… antes de começar tudo começou. 

Encontrei-me com um custo não previsto para a validação do meu diploma de licenciatura pelo Ministério da Educação italiano, seguido da exigência de documentos infinitos para a obtenção do visto. Depois de chegar, a burocracia com vistos e autorizações de residência pareciam não acabar e não acabaram. Tive de regressar ao Brasil (mais custos) para pedir um visto para ir a Portugal, porque a questura (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras italiano) não dialogava com o consulado português em Itália. A cruzada com a burocracia para conseguir estar regularizada estendeu-se, na verdade, além do mestrado, quando migrei para Portugal. 

Fi-lo mais uma vez como estudante internacional, desta vez para frequentar o doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e dar continuidade à minha carreira académica. E, no entretanto, acrescentou-se a dificuldade em arrendar casa – ora os preços eram muito altos, ora já não estavam disponíveis quando o meu sotaque brasileiríssimo soava – e de ter acesso ao serviço de saúde. Para este último, pediram-me um novo documento com um novo número sobre o qual nada tinha ouvido até então. 

Somavam-se os olhares surpresos e de certa forma incomodados quando dizia que era académica e que não estava a procurar trabalho no setor turístico. É verdade que muito mudou depois de 17 anos a viver em Portugal e de ter transitado de estudante internacional para investigadora internacional, mas há duas questões que persistem: os comentários subtis sobre o meu sotaque e a insistente pergunta: então, quando voltas para o Brasil? É uma pergunta que sempre surge, apesar da minha nacionalidade portuguesa, que obtive depois de seis anos a viver no país. Para algumas pessoas não pertenço e nunca pertencerei a Portugal, mesmo que tenha cumprido com a expectativa de estudante internacional enquanto potencial mão de obra qualificada que se integrou no mercado de trabalho num posto correspondente à minha qualificação.

Foi então a minha vez de levar questões sobre o fascínio que mobiliza milhões de estudantes a cruzarem as fronteiras para darem continuidade aos seus estudos noutro país. A mobilidade estudantil internacional tornou-se um dos meus objetos de estudo. Porém, mais do que perceber as motivações destes estudantes, interessava-me compreender até que ponto o privilégio de ser uma estudante internacional se sustentava na experiência do dia a dia ou se esse privilégio se esfumava, revelando o óbvio. Ao dependerem do país de origem, da raça e da pertença a grupos minoritários, alguns estudantes internacionais são, antes de tudo o resto, imigrantes, logo não são necessariamente bem vindos.

A mobilidade estudantil internacional

Ainda que não seja um fenómeno recente, foi sobretudo a partir do final da década de 1970 que a mobilidade de estudantes internacionais dos países do Sul Global começou a ganhar mais visibilidade para as instituições de ensino superior (IES) e para os governos europeus. Em Portugal, e apesar da mobilidade de estudantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) para as universidades e institutos politécnicos ter-se dado desde o período colonial, foi apenas na segunda década dos anos 2000 que a mobilidade estudantil internacional entrou ativamente na agenda do governo e das instituições de ensino superior. 

A implementação do estatuto do estudante internacional em 2014 (Decreto-lei nº 36/2014) marcou o início de uma série de medidas estruturadas no quadro da estratégia de internacionalização do ensino superior. O objetivo era impulsionar a capacitação de estudantes internacionais. O estatuto instituiu um regime especial de acesso para os estudantes internacionais de países terceiros.

Os estudantes internacionais têm sido tradicionalmente concebidos como grupo de imigrantes desejáveis e bem-vindos. São vistos como membros de uma elite económica e intelectual, como os melhores e mais inteligentes (the best and brights) dos seus países de origem. A principal razão para a sua imigração seria a obtenção de um diploma de ensino superior e não a inserção laboral, logo diferenciar-se-iam dos imigrantes económicos com baixos níveis de qualificação. A suposta situação económica privilegiada destes estudantes garantiria ao Estado a não necessidade de dependerem de benefícios sociais, ao mesmo tempo que contribuíam para a economia local.

Para os estudantes e as suas famílias, a obtenção de um diploma de ensino superior no estrangeiro, em especial num país do Norte global, é vista como oportunidade para desenvolver habilidades e competências profissionais que serão valorizadas pelo mercado de trabalho, cada vez mais global e competitivo. Além disso, a experiência de viver num país diferente do de nascimento é associada ao desenvolvimento de competências transculturais, adaptabilidade e crescimento pessoal.

As leis migratórias que regulavam a entrada e estadia destes estudantes estrangeiras eram mais brandas do que aquelas para quem imigrava por outros motivos.

Para os países de acolhimento, estes estudantes são considerados valiosos para o mercado de trabalho por contribuírem futuramente para o aumento da mão de obra qualificada. Além disso, e em relação aos imigrantes qualificados, os estudantes internacionais teriam também a vantagem de já estarem familiarizados com as dinâmicas culturais locais, o que diminuiria possíveis conflitos no processo de inserção laboral. Mas há mais: estes estudantes são vistos como contribuintes no crescimento da economia local, uma vez que arrendam casas ou quartos, usam transportes públicos, frequentam bares e restaurantes locais, impulsionam o turismo com os seus passeios pelo país, idas a atrações turísticas e viagens de familiares e amigos do país de origem.

Para as instituições de ensino superior, a importância dos estudantes internacionais esteve inicialmente associada à promoção da diversidade cultural e ao aumento dos níveis internacionalização. Mais recentemente, num contexto de aumento de cortes de investimento público, estes estudantes tornaram-se ainda mais importantes por aparecerem como fonte de receita extra. 

É que em muitos países na Europa, como é o caso de Portugal, as propinas pagas pelos estudantes de países terceiros não pertencentes ao espaço da União Europeia são três a sete vezes superiores às pagas pelos estudantes nacionais. Estes estudantes tendem também a depender de uma série de serviços adicionais oferecidos pelas instituições de ensino superior, como cursos de língua ou acomodação.

Favorecidos pela ideia de que não eram uma ameaça para o país, mas portadores de vantagens e benefícios para a economia pelo mercado de trabalho local e instituição de acolhimento, as leis migratórias que regulavam a entrada e estadia destes estudantes costumavam ser mais brandas do que aquelas para quem imigrava por outros motivos – inserção mercado de trabalho, reunificação familiar, tratamentos médicos, pedidos de asilo. 

Mas, à medida que o número de estudantes internacionais começou a ter mais visibilidade, que a diversidade de origem, religião, orientação sexual, classe económica, trajetória educacional e raça se complexificou, os investimentos dos governos em políticas de bem-estar foram reduzidos. E os discursos anti-imigração ganharam força. Os estudantes internacionais passaram a ser alvo de críticas e rejeições.

Mobilidade estudantil, colonialidade e neoliberalização do ensino superior

Para compreender melhor como se deu esta mudança de perceção, é preciso analisar a mobilidade estudantil internacional de forma mais aprofundada. Na sua fase inicial, a mobilidade geográfica de estudantes do Sul Global para Europa e demais países do Norte Global estava diretamente ligada ao colonialismo.

A construção da Europa como centro de criação de conhecimento, dos povos europeus como produtores de conhecimento e deste supostamente ser universal e superior aconteceu em simultâneo com a destruição dos conhecimentos tradicionais nas antigas colónias, da representação destes conhecimentos como mitologias e da inferiorização dos países não europeus e dos seus povos a objetos de estudos. 

Neste contexto, e nos países em que as metrópoles decidiram criar universidades nas colónias, como foi o caso de Espanha nos seus territórios na atual América Latina, a primeira finalidade era garantir a legitimidade do conhecimento europeu e a consolidação da superioridade do homem branco, do cristianismo e do ideal de modernidade europeu. 

Nos casos dos países que decidiram não criar universidades nas suas colónias, como Portugal, a opção justificou-se pelo objetivo de manter a dependência cultural e intelectual da metrópole. Em ambos os casos, o monopólio da produção de conhecimento pelas metrópoles resultou na hierarquização dos saberes: o conhecimento europeu é tido como superior, percepção que se prolonga até aos dias atuais.

Um diploma de ensino superior europeu é visto mais valioso para o mercado laboral do que um de uma instituição de um país do Sul global.

Nesta dinâmica, a qualidade do ensino das instituições educativas na Europa é considerada melhor que a dos países do Sul Global. Daí que um diploma de ensino superior europeu seja visto como mais valioso para o mercado laboral do que um diploma de uma instituição de um país do Sul global.

Mas não só. A este legado do colonialismo soma-se o avanço da marketização do ensino superior. À medida que os recursos públicos para o ensino superior nos países do Norte Global são reduzidos por conta do avanço das políticas neoliberais, estas instituições são estimuladas a procurarem outras fontes de financiamento. Além disso, e no contexto de metrificação do ensino superior, a colocação das instituições nos rankings internacionais passou a ser um indicador de qualidade e excelência. E os níveis de internacionalização passaram a ser um indicador importante da excelência (ou falta de excelência) de uma determinada instituição.

Aproveitando-se deste valor simbólico dos seus diplomas, as IES dos países do Norte Global passaram a desenvolver estratégias ativas de atração de estudantes do Sul Global. Mas estas instituições não oferecem normalmente nenhum tipo de apoio para estes estudantes depois de obterem o diploma, seja para inserção no mercado laboral local, no país de origem ou noutro país. 

Esta negligência por parte das IES com o futuro imediato destes estudantes é especialmente grave, principalmente em países em que as políticas migratórias vigentes os obrigam a deixar o país depois de um determinado número de meses (entre seis e dezoito meses) se não se conseguirem inserir no mercado laboral conforme as suas qualificações.

Discriminação e vulnerabilidade invisíveis dos estudantes internacionais

Por ser visto como grupo privilegiado, como parte de uma elite económica e intelectual, acreditou-se durante muito tempo que as experiências dos estudantes internacionais seriam sobretudo positivas e sem grandes sobressaltos. Ao contrário dos imigrantes económicos ou em situação de irregularidade, esperava-se que a sua integração, tanto nas instituições de ensino superior como no mercado de trabalho e nas dinâmicas sociais em geral, fosse bem-sucedida. Mas assim não foi: à medida que os estudantes internacionais ganharam visibilidade, ficou claro que também se expunham a situações de discriminação, exclusão e marginalização. 

Nos dias de hoje, muitos destes estudantes pertencem a classes sociais menos abastadas e, portanto, precisam de trabalhar para pagarem os custos da estadia em Portugal: taxas de visto, matrícula e passagens áreas, habitação, alimentação, propinas (mais altas que as dos estudantes nacionais) e dos emolumentos, gastos com emissão de diplomas e outros documentos. Muitos são financiados por bolsas de estudos, mas em muitos dos casos as bolsas são insuficientes para cobrir todos estes custos. Vêem-se forçados a trabalhar em empregos precários e sem contrato, especialmente no setor de serviços, onde sofrem, tal qual os imigrantes económicos, com o racismo e a discriminação.

Durante a pandemia de covid-19, a vulnerabilidade económica dos estudantes internacionais veio à tona de forma clara e explícita. Vários estudantes perderam os seus empregos e não tiveram acesso a nenhum tipo de benefícios sociais oferecidos pelos países em que residiam. Noutros casos, a desvalorização cambial das moedas dos países de origem impossibilitou-os de manter os seus orçamentos mensais, sendo obrigados a deixarem as suas casas e a irem viver com amigos ou até mesmo em casas sem condições de habitação. Muitos outros não puderam regressar a casa por causa dos valores exorbitantes das passagens aéreas: ficaram isolados das suas famílias e redes de apoio pessoal nos meses mais críticos da crise sanitária.

Há estudantes brasileiros que dizem não poder usar o português do Brasil em testes, exames e trabalhos na Faculdade de Direito de Coimbra

Sabe-se ainda que os estudantes internacionais negros e de grupos étnicos minoritários enfrentam constantemente situações de racismo, não apenas na comunidade local mas também nas próprias IES de acolhimento protagonizadas. São alvos de racismo por colegas, professores e funcionários das instituições de ensino superior em que estão matriculados. 

Foi o que aconteceu em 2020, já em plena pandemia, na Universidade do Porto. Estudantes brasileiros denunciaram ser alvo de xenofobia e racismo por colegas e professores. Havia, inclusive, uma página no Facebook que publicava insultos aos estudantes internacionais. Não foi, no entanto, o único caso: em 2019, estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ofereceram pedras aos colegas para as atirarem aos “zucas” que lhes passassem à sua “frente no mestrado”

Há estudantes brasileiros que dizem não poder usar o português do Brasil em testes, exames e trabalhos na Faculdade de Direito de Coimbra. É um exemplo claro de xenofobia, como se o português do Brasil fosse uma língua inferior ao praticado em Portugal. 

A herança colonial categorizou os povos em raças superiores e inferiores e esta (falsa) hierarquia não deixa de se sentir em contexto de mobilidade estudantil. A cultura e o nível educativo dos seus países de origem são vistos como pouco desenvolvidos e, portanto, apoiam supostamente a ideia falaciosa de que os estudantes internacionais negros e de grupos étnicos minoritários são intelectualmente inferiores e incapazes de terem o mesmo nível de desempenho dos estudantes brancos. 

No caso de Portugal, são inúmeros os estudos que mostram como a experiência dos estudantes PALOPs no ensino superior português é marcada por diferentes manifestações de preconceitos e discriminação. Um dos exemplos mais comuns é a inferiorização da variante da língua portuguesa que falam ou a exclusão em trabalhos de grupos.

Durante a pandemia de covid-19 foram várias as notícias sobre episódios de racismos e discriminação que estudantes internacionais vivenciaram. Estudantes chineses e asiáticos foram confrontados por causa da associação dos cidadãos chineses a portadores do vírus SARS-CoV-2. As manifestações de sinofobia e de ódio anti-chinês nas instituições de ensino superior foram desde a recusa de estudantes a sentarem-se próximos de colegas com fenótipos asiáticos, grafitis afirmando que os chineses eram sujos, associando chineses à propagação do vírus, e insultos verbais, sem esquecer os ataques físicos. 

Na Austrália, o governo negou aos estudantes internacionais o acesso a benefícios sociais oferecidos aos cidadãos australianos, alegando que deveriam ser capazes de custear as despesas da estadia ou então que regressassem aos seus países de origem. Foram ainda relatados inúmeros casos de estudantes negros e de outros grupos minoritários expulsos das suas residências, impedidos de comprarem bens essenciais em supermercados e forçados a fazerem testes de covid-19, ao serem estigmatizados como potenciais portadores do vírus. 

Em março de 2022, o governo chinês continuava a impedir o regresso de muitos estudantes africanos às suas universidades de acolhimento na China. Porquê? O governo chinês via o continente africano como área de elevado risco para sua política “covid-19 zero”, reproduzindo as mesmas dinâmicas de discriminação e preconceitos que os estudantes chineses enfrentavam no estrangeiro. Mais recentemente, no contexto da invasão russa da Ucrânia, foram muitas as denúncias de estudantes internacionais negros e indianos barrados por militares ucranianos ao tentarem embarcar em comboios para fugir do país.

O pseudo-privilégio dos estudantes internacionais em contexto de avanço da direita

Ao analisar-se de forma mais aprofundada a experiência dos estudantes internacionais, percebe-se que o privilégio que têm em relação a outros imigrantes – irregulares, forçados, refugiados – não é absoluto. Em muitos casos, as desigualdades raciais, de género, de orientação sexual, de classen num contexto marcado pela colonialidade faz com que as suas experiências sejam igualmente moldadas por encontros com racismo, discriminação e marginalização. Num contexto de avanço do conservadorismo e dos nacionalismos, estas situações tornaram-se ainda mais recorrentes.

Os discursos e as mobilizações anti-imigração por grupos de direita nacionalistas e identitária têm crescido de forma intensa nos últimos anos. A expansão dos discursos nacionalistas, a que se junta a eleição de governos de direita, levou a políticas de migração mais restritivas que muitas vezes tornam a migração para fins educacionais ainda mais difícil. Ainda que as dinâmicas de racialização e estigmatização afetem alguns grupos de forma mais intensa – mulheres, negros, muçulmanos, LGBTQIA+ –, as manifestações anti-imigrantes constroem os imigrantes, de forma geral, como grupo homogéneo responsável por todos os problemas (e males) da sociedade.

Nos Estados Unidos, estudantes internacionais, especialmente muçulmanos, tem sido constantemente vigiados pela segurança nacional.

Neste discurso, os estudantes internacionais passam a ser igualados a todos os outros grupos de imigrantes: são problemáticos e os seus privilégios de grupo bem-vindo dissolvem-se em pseudo privilégios. Vários países da Europa começaram a ter discussões políticas para restringir o número de estudantes não-europeus nas instituições de ensino superior nacionais. 

Estas discussões centram-se no estabelecimento de leis migratórias mais rígidas para a entrada e permanência no país depois da conclusão do curso. Também tem havido mudanças nas estratégias de atração de estudantes internacionais por parte das IES, nomeadamente com a redução de cursos ensinados em inglês, exigindo conhecimento da língua local. 

Nos Estados Unidos, estudantes internacionais, especialmente muçulmanos, tem sido constantemente vigiados pela segurança nacional na sequência de alegações deste estudantes terem ligações com o terrorismo.

Resguardar a mobilidade estudantil é apoiar o direito à imigração

A internacionalização e a diversidade são fundamentais para o desenvolvimento do ensino superior. Apesar do legado da colonialidade que opera nas dinâmicas de mobilidade estudantil, a circulação de estudantes internacionais aponta igualmente para uma democratização do acesso ao ensino superior. Além de terem o potencial para contribuir para a própria descolonização e transferência do conhecimento. 

Daí que seja necessário estarmos atentos às ameaças que os discursos e mobilizações anti-imigração trazem para estas mobilidades e experiência dos estudantes internacionais nos países de acolhimento. Embora se constituam como categoria privilegiada, quando comparada com outros imigrantes, estes estudantes também estão expostos a episódios de discriminações e racismos, motivados pela retórica falaciosa, por vezes subtil, de que os estrangeiros racializados são uma ameaça para a coesão nacional e que não contribuem para o desenvolvimento do país. 

A mobilidade, tal como a educação, são direitos que devem ser garantidos em todas geografias.

Por exemplo, os estudantes internacionais têm sido construídos em várias cidades europeias como os responsáveis pelos problemas relacionados com o aumento dos preços da habitação. Mas não são os causadores dos desequilíbrios no mercado imobiliário. A escassez de ofertas adequadas de camas por parte das instituições de ensino superior é que empurra estes estudantes para o mercado privado.

Soma-se a isto a falta de regulação por parte das autoridades locais, permitindo que investidores e plataformas de arrendamento de casas e quartos, como Airbnb e UNIPLACES, explorem o mercado da habitação de forma descontrolada em benefício do proprietário e não dos estudantes que arrendam.

É, portanto, necessário olhar-se para os estudantes internacionais não como grupo privilegiado blindado de marginalizações ou estigmatizações, mas compreender-se as vulnerabilidades a que estão sujeitos no país de acolhimento. A mobilidade, tal como a educação, são direitos que devem ser garantidos em todas geografias, sejam cidadãos nacionais ou estrangeiros. Resguardar a mobilidade estudantil é apoiar a inclusão e a diversidade nas nossas sociedades.