Professor Associado da Edinburgh Business School. Investiga temas relacionados com o trabalho e mercados de trabalho, focando em questões de gestão algorítima e o impacto na qualidade de trabalho e relações laborais. 

O declínio do sindicalismo e a vaga populista

A consistente retirada do Estado como principal regulador da relação de trabalho, levou ao enfraquecimento da estrutura e da influência sindical, resultando num vazio de representação da classe trabalhadora, que é aproveitada por políticos e movimentos populistas de direita.

Ensaio
4 Janeiro 2024

A congregação de grandes segmentos da classe trabalhadora ocidental em torno de populismos de direita e o seu voto em partidos políticos com claras ideologias fascistas têm sido amplamente debatidos. Os estados do Rust Belt norte-americano foram decisivos para a vitória de Donald Trump; e franjas da classe operária têm, de uma forma geral, dado o seu apoio a partidos políticos da extrema-direita em vários dos países europeus mais populosos.

O populismo não é um fenómeno homogéneo em todos os países. Existem diferenças entre países do Sul da Europa e os do Norte, assim como entre os do Leste e os do Ocidente. Mas o que é significativo são as semelhanças que o populismo de direita apresenta tanto na Europa, como do outro lado do Atlântico: ambos procuram ocupar espaços vazios.

Existem muitas explicações para estas vagas populistas, mas uma é material: cada vez mais pessoas não têm a certeza que podem suportar a sua família da maneira que desejariam. Atualmente, economistas sugerem que esta incerteza é o resultado do falhanço do processo de globalização. A teoria clássica económica diz-nos que a globalização ajuda muitas pessoas, mas é importante compensar aqueles que ficam a perder dentro deste mesmo processo. A solução para o populismo seria então compensar as pessoas “esquecidas e deixadas para trás”.

Dependemos de quem nos lê. Contribui aqui. 

Mas pelas minhas leituras de trabalhos académicos etnográficos e da minha própria investigação no Reino Unido, chego à conclusão que as pessoas querem muito mais do que apenas compensações: as pessoas, acima de tudo, querem um trabalho de qualidade e sentir que contribuem para a comunidade em que estão inseridas. Mas, então, o que poderá ter acontecido para chegarmos a este ponto?

John E. Kelly pode ajudar-nos a responder a esta questão. No livro Rethinking Industrial Relations: mobilization, collectivism and long waves, o autor argumenta que as identidades coletivas são de importância crucial, porque aumentam o poder dos trabalhadores que normalmente estão numa posição de desvantagem dentro da relação de emprego. A ação coletiva une os trabalhadores para construir uma visão e uma identidade que redesenham a perceção que os indivíduos têm sobre o seu poder associativo e as formas como podem usá-lo para transformar o contexto, de acordo com os seus interesses. Sem ação coletiva, os indivíduos concluirão logicamente que organizarem-se pode ser demasiado incerto e, muito provavelmente, infrutífero.

Sem representação política, os movimentos operários são apanhados em crises de identidade, dando à extrema-direita a vantagem para explorar as suas fragilidades. Falta, hoje, ao mundo do trabalho a sua própria identidade e um propósito claro.

Outrora, os sindicatos cumpriam esta função essencial na sociedade: providenciando um sentido de identidade e de comunidade, na qual se debatiam ideias e política, e construindo organizações locais de assistência social focadas na comunidade. Quando eram fortes, os sindicatos atuavam não só para o benefício dos seus membros, mas também das suas famílias e das comunidades de classe trabalhadora nas quais viviam.

Por exemplo, no início do movimento trabalhista, quando apenas uma minoria da população do Reino Unido era sindicalizada, estas instituições coletivas garantiam emprego, apoio na saúde e assistência social a toda a comunidade, bem como lojas e clubes cooperativos, e ainda sociedades de instrução e desportivas. Outro exemplo leva-nos até 1915, em Glasgow, quando os proprietários de imóveis tentaram aumentar as rendas à população. Os sindicatos locais envolveram- se intensamente na organização dos arrendatários, mulheres, trabalhadores e socialistas pelo bem comum. Esta luta ajudou de forma muito significativa a melhorar a vida comunitária.

O movimento sindical é também capaz de providenciar aconselhamento nos períodos eleitorais. Os sindicatos são frequentemente retratados como instituições que se limitam a organizar greves com o objetivo de aumentar salários e manter certas “regalias” para os seus membros. No entanto, estes também representam um papel, bastante ignorado, mas importante, de uma sofisticada vocação educacional, ao providenciar orientação intelectual e criar redes locais para a classe trabalhadora. Os sindicatos politizam, educam e conduzem os membros ao voto, de acordo com os interesses da comunidade, lembrando-lhes as conquistas históricas feitas pelos movimentos operários, os benefícios da solidariedade de classe, bem como as ameaças de divisionismo, intolerância racial e xenofobia. A eleição de Barack Obama em 2008 é particularmente ilustrativa disto.

Segundo um estudo publicado em 2016 pelo historiador Tymothy Minchin, a Federação Americana do Trabalho – Congresso das Organizações Industriais foi decisiva para dar a Obama a vantagem necessária para ganhar as eleições. O estudo demonstra que homens brancos que não pertenciam a sindicatos votaram em John McCain; no entanto, homens brancos sindicalizados votaram preferencialmente em Barack Obama. O estudo de Minchin mostra que os sindicatos tentaram demonstrar aos seus membros que o Partido Democrata, ainda que com defeitos, era o partido que melhor podia representar os seus interesses.

No Reino Unido, o Comité de Representação Trabalhista, que se tornou mais tarde no Partido Trabalhista, formou-se a partir de sindicatos e partidos socialistas. Através do Partido Trabalhista, os sindicatos contribuíram para reestruturar a política da classe trabalhadora a nível nacional, ajudando a estabelecer uma nova agenda política baseada na garantia de serviços públicos e redistribuição de rendimentos. Tais sinergias são ainda hoje uma realidade na política britânica atual, particularmente em tempos recentes, desde que Jeremy Corbyn se tornou líder do Partido Trabalhista.

Sem organizações sindicais, os indivíduos de classe trabalhadora ficam à mercê de forças fora do seu controlo e têm de confiar noutros que lutem em seu nome.

No entanto, na maioria dos contextos nacionais ocidentais, a influência e militância sindical estão ultrapassadas. Nos Estados Unidos, o número de sindicalizações desceu de 20% no início da década de 1980, para quase 10% em 2015, de acordo com o U.S. Bureau of Labor Statistics. Esta tendência também pode ser observada em quase todos os países europeus. Alguns académicos defendem que tal declínio resulta de uma individualização da sociedade ou da pacificação das relações entre patrões e trabalhadores.

Os exemplos das relações de trabalho individualizadas propagadas pela Uber ou a Deliveroo dão peso a estes argumentos. No entanto, este paradigma de emprego só se tornou tão prevalente por causa da retirada ativa do apoio do Estado na relação de emprego, levando a um processo de descoletivização. Na maioria dos países ocidentais, o Estado interveio ao longo do tempo para negar ao trabalhador acesso ao poder coletivo, logo, aumentando proporcionalmente a arbitrariedade dos empregadores em determinar os termos da relação de trabalho.

Um exemplo do Reino Unido inclui a restrição à isenção de responsabilidade civil por factos ilícitos e a regulação da organização sindical interna, que têm apresentado sérias dificuldades aos sindicatos na mobilização para ações legais coletivas. Uma série de grandes litígios – como o conflito entre a British Airways e o UNITE em 2010 – têm ilustrado o peso dos requisitos processuais sobre os sindicatos e a prontidão dos patrões para solicitar - e dos tribunais para conceder - interdições a ações de greve com base em irregularidades menores dos procedimentos eleitorais.

O populismo não é um fenómeno homogéneo. Mas, o populismo de direita apresenta semelhanças tanto na Europa, como do outro lado do Atlântico: ambos procuram ocupar espaços vazios.

Além disso, a consolidação das corporações, a financeirização e a omnipresença das cadeias de abastecimento levam as empresas a aplicar práticas de tercearização (outsourcing e offshoring), resultando numa divisão cada vez mais acentuada dos interesses da classe trabalhadora. Estas atividades têm sistematicamente limitado o sindicalismo, tendo repercussão na confiança do povo e na eficácia do colectivismo.

Com efeito, o processo de descoletivização e o consequente declínio do sindicalismo, produziram uma nova classe trabalhadora politicamente vulnerável e tem sido claro quem tem beneficiado disso. Sem representação política, os movimentos operários são apanhados em crises de identidade, dando à extrema-direita a vantagem para explorar as suas fragilidades. Falta, hoje, ao mundo do trabalho a sua própria identidade e um propósito claro.

Sem organizações sindicais, os indivíduos de classe trabalhadora ficam à mercê de forças fora do seu controlo e têm de confiar noutros que lutem em seu nome. Se os sindicatos abandonam (ou lhes é negada) a posição que outrora tomaram e não são capazes de efetivamente organizar a classe trabalhadora, a voz coletiva dos trabalhadores será silenciada.

Quando políticos populistas de direita e demagogos propõem soluções simples para problemas complexos, não há ninguém para contrariar os seus argumentos de forma eficaz e ao nível da organização de base. Políticos como Marine Le Pen, Trump, Boris Johnson, Nigel Farage, Geert Wilders e muitos outros, apenas conseguiram devolver a voz a comunidades deixadas para trás por décadas de descoletivização ativa.

Ensaio originalmente publicado na edição nº1 da Revista Manifesto, de 2018.

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