É Senior Associate no think-tank E3G. Foi estudante de MBA na Rotterdam School of Management (Erasmus University) e exchange student na Haas School of Business (University of California Berkeley).

Furar ou não furar? Razões climáticas e sistemáticas para a não exploração de petróleo em Portugal

A exploração petrolífera em Portugal desenvolverá um modelo energético de exportação de combustíveis fósseis com substanciais impactos nas alterações climáticas. Em pleno ciclo mundial de transição energética, não podemos optar pelas soluções do passado. Devemos agarrar a oportunidade que a procura mundial por soluções de baixo carbono significa para o nosso país.

Ensaio
7 Março 2024

O debate sobre a exploração de hidrocarbonetos tem evoluído ao longo das últimas décadas. Das fases mais marcantes da social-democracia europeia na segunda metade do século XX, resultaram importantes projetos de exploração de hidrocarbonetos que permitiram financiar o estado social em alguns países e desenvolver economias. Contudo, as evidências sobre as alterações climáticas e a exposição dos orçamentos nacionais à volatilidade dos mercados internacionais colocaram uma nova perspetiva sobre este tema. Deixar recursos naturais debaixo do solo por uma consciência climática e derivado de uma visão económica transformativa de médio prazo têm sido razões que levaram, nos últimos anos, países como a França, Países Baixos, Irlanda, Nova Zelândia, Espanha ou a administração Obama a prescindir total ou parcialmente de explorações de hidrocarbonetos, especialmente em alto mar. O próprio Estado da Califórnia bloqueou recentemente a iniciativa do presidente Trump de explorar petróleo offshore.

Também em Portugal, o sentimento face à exploração de hidrocarbonetos evoluiu. Os contratos de prospeção e exploração de petróleo ao largo de Aljezur foram firmados em 2007. O contexto não podia ser mais diferente quando comparado com os dias de hoje. O petróleo atingia máximos históricos nos mercados, a discussão energética internacional era marcada pela escassez de recursos petrolíferos (o chamado “Peak Oil”) e o fracasso na execução do protocolo de Quioto tinha esvaziado um quadro internacional de atuação no combate às alterações climáticas.

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Passados estes anos temos outra realidade. De um “Peak Oil” aproximamo-nos de um “Peak Demand”2 , o mundo uniu-se em torno do Acordo Climático de Paris, sabemos que apenas podemos explorar 20% das reservas de petróleo atualmente conhecidas para limitar o aquecimento global a 2ºc, e o desenvolvimento tecnológico tem demonstrado que podemos, a breve prazo, deixar de ser dependentes do petróleo. Não menos preocupantes são os efeitos já visíveis das alterações climáticas. Ano após ano registam-se novos máximos históricos de temperaturas e os fenómenos climáticos aumentam a sua intensidade. Os estudos climáticos permitem contextualizar o aumento de risco de incêndio e de fenómenos prolongados de seca no quadro do aquecimento do planeta, demonstrando a posição especialmente sensível de Portugal face às alterações no clima. Contrariar esta tendência requer um esforço multilateral, que começa nas decisões individuais de cada país e na sua capacidade de ir para lá do sentimento de impotência existente face aos impactos das alterações climáticas.

O impacto negativo da exploração petrolífera nas alterações climáticas

A necessidade de redução das emissões nacionais de gases de efeito estufa foi um elemento indutor do programa de investimento em energias de fonte renovável em Portugal. E, com efeito, a componente de CO2 de cada unidade de energia elétrica produzida em Portugal reduziu-se em 48,5% entre os anos 2005 e 2016. No total, este programa de investimento permitiu uma redução de 52,4 Mton de emissões de CO2 , o que corresponde a 77% das emissões anuais de CO2 do país.

Estudos do consórcio responsável pelo furo de prospecção ao largo de Aljezur indicam a existência de um potencial que ronda os 1000 a 1500 milhões de barris de petróleo. Ora, tal significa um impacto climático que se situa entre as 430 e as 645 Mton de CO2 , ou seja, entre 6 e 10 anos de emissões nacionais. Na prática, os subprodutos desta exploração de petróleo produzirão o equivalente a 12 vezes do total reduzido ao longo dos 11 anos do programa de investimento em renováveis. Estamos, portanto, perante um impacto enorme, que deitará por terra, em termos climáticos, os sucessos alcançados.

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Uma exploração petrolífera que serve a exportação de combustíveis

É frequentemente difundida a dupla perspetiva de que o petróleo é um bem que continuaremos a utilizar e que o petróleo extraído em Portugal irá somente substituir importações. Apesar de muitas vezes confundidas, são perspetivas diferentes. Cumpre neste sentido caraterizar o perfil de consumo e de importação de produtos petrolíferos. Comparando 2007 e 2017 verifica-se que Portugal reduziu com sucesso o consumo final de derivados do petróleo em 21,6%. Contudo, as importações de crude mantiveram-se praticamente inalteradas.

O que mudou? Ora, no mesmo período as exportações de refinados subiram 160%, o que poderá constituir uma das explicações para o desfasamento na evolução entre importações e consumo. Na prática, nestes dez anos, o país reduziu os consumos de derivados do petróleo, mas manteve, pelo contrário, a sua dependência económica face a este recurso. Uma exploração de petróleo no contexto da descarbonização, a prazo, da economia, reforçará este efeito, criando, assim, um paradigma energético nacional em pleno século XXI, assente na produção e exportação de combustíveis fósseis.

Será esta a dupla realidade: enquanto caminhamos a passos largos para a descarbonização, ainda reforçada recentemente com o anúncio do fim da venda de veículos a combustão interna até 2040 (que representam 75% dos consumos de produtos de petróleo em Portugal), seríamos simultaneamente exportadores de combustíveis fósseis. Seria, certamente, insustentável para o nosso planeta se todos os países tomassem a mesma opção, aumentando por esta via a oferta mundial de combustíveis fósseis. Trata-se, assim, de um cenário desconcertante que nos colocaria para lá da mera substituição de importações.

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Por outro lado, a substituição de importações é, factualmente, um termo incorreto. Na verdade, o nível de substituição das importações está dependente da gestão de risco tomada pelas refinarias nacionais na aquisição de crude face às expetativas de evolução do preço do barril de petróleo. .Por outras palavras, e por forma a proteger-se das incertezas do mercado, as refinarias nacionais continuarão a importar a partir dos mercados internacionais, especialmente num cenário de preços baixos do crude. A integração da exploração petrolífera nacional na cadeia de valor da Galp dotá-la-á de mais um meio para proteger o seu portfólio de compras de crude face à evolução dos mercados internacionais, sem que tal se transmita necessariamente em benefício no preço dos combustíveis em Portugal.

Os efeitos ao nível da balança corrente são menos fáceis de estimar do que frequentemente se assume. Eventuais impactos positivos na balança de bens e serviços serão a uma dada escala compensados com um défice superior na balança de rendimentos primários, na sequência do repatriamento de dividendos direta e indiretamente resultantes da exploração (a maioria do capital da concessionária é estrangeiro).

Agarrar a oportunidade da transição energética

Portugal tem, estruturalmente, um problema de dependência energética face ao exterior, que se reflete no saldo importador de 3843 milhões de Euros, em 2017. A única resposta possível para este problema, sem que tal implique uma contribuição negativa para as alterações climáticas, passa por um programa de descarbonização da economia, no quadro de uma visão estratégica de longo prazo orientado pelo Estado. Este programa representará uma evolução para uma agenda progressista, baseada na inovação e na transformação económica, sem causar as externalidades climáticas do passado.

A transição energética constitui uma das maiores transformações sistémicas para as sociedades atuais. Não só reconverterá processos industriais e hábitos diários, como também estabelecerá novas fronteiras em diversos domínios de investigação e desenvolvimento. A potencialidade existente na criação de uma economia de alto valor acrescentado e de empregos de qualidade e qualificados, deverá merecer o devido enquadramento estratégico do Estado, em articulação com empresas e instituições de investigação.

Sem incluir dotações específicas do Orçamento de Estado e contribuições na fatura de eletricidade (de onde são comparticipadas as renováveis do passado), o país já tem à disposição anualmente 536 M€ para a área ambiental resultante do atual quadro comunitário de apoio e das receitas dos leilões de carbono . Comparando este valor com as royalties anuais ao Estado que o consórcio indicou ao jornal Expresso, e que, como tal, se podem assumir como constituindo o melhor cenário de receita (133 M€), compreende-se que nem o país será “uma nova Noruega”, nem este valor será instrumental para um programa ambicioso de descarbonização da economia.

Por outro lado, este valor torna-se ainda mais relativo se forem consideradas isenções anuais sobre as emissões de CO2 (53,4 M€) e sobre o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) das refinarias nacionais (23,6 M€), entre as demais isenções que os combustíveis fósseis beneficiam. Será assim importante alinhar o próximo quadro comunitário de apoio com um programa estratégico de descarbonização da economia, considerando, também para este efeito e no quadro de uma agenda ambientalmente e socialmente equilibrada, o redesenho de algumas isenções existentes e a definição de metas conjuntas europeias para preços das licenças de carbono .

Uma exploração de petróleo afastar-nos-á da oportunidade de transformação económica em pleno ciclo mundial de transição energética. A diferença nas opções para as próximas décadas não poderia ser mais evidente. Trata-se de uma escolha entre processos e cadeias de valor lineares do século XX, sem vantagem competitiva evidente, e o desenvolvimento de tecnologias e processos de alto valor acrescentado, num contexto mundial de investimento em soluções de baixo carbono.

Alterações climáticas – tempo de ação e de liderança

Um programa ambicioso de descarbonização da economia é a única possibilidade de obter independência energética sem provocar impactos climáticos negativos.

A opção por uma “terceira via”, que inclua uma exploração de petróleo em combinação com a descarbonização da economia, não tem as vantagens muitas vezes aludidas e contém um preço estrutural. Em primeiro lugar, as receitas da exploração petrolífera são substituíveis por mecanismos atualmente já disponíveis e que se traduzem em maior justiça social e ambiental; em segundo, a variação das importações de petróleo está fortemente relacionada com a fileira de exportação de produtos refinados e menos com o mercado interno, o que, num cenário de redução de consumos finais, significará que uma eventual exploração petrolífera servirá a exportação de combustíveis fósseis e não a “substituição de importações”; em terceiro, a probabilidade de acidente de uma exploração do tipo deep-shore não é nula e constitui um risco sobre a costa e sobre o turismo do litoral alentejano e algarvio.

Os impactos das alterações climáticas estão à vista e requerem ação. Não precisamos de uma exploração petrolífera que aumente estes impactos através da exportação de combustíveis. Pelo contrário, o momento é de planear a transição energética, estabelecendo as prioridades em matéria de inovação e de investimento que permitam posicionar Portugal em matéria de desenvolvimento e exportação de soluções de baixo carbono nos diversos sectores. Temos recursos humanos, infraestruturas e instituições de investigação de excelência. Somos também dos países com os melhores recursos endógenos para o teste e desenvolvimento de soluções de baixo carbono, pelo que esta será, provavelmente, a oportunidade mais significativa das próximas décadas para romper com os problemas estruturais de uma economia de baixos salários e de baixo valor acrescentado.

As alterações climáticas são um problema urgente à escala global, e, como tal, requerem uma avaliação dos impactos sistémicos e supranacionais nas opções a tomar ao nível nacional. Em simultâneo, é necessário um rumo consistente de longo prazo com vista à descarbonização e independência energética nacionais, encontrando-se na transição energética uma oportunidade para a transformação económica do país. A opção por um país livre de combustíveis fósseis, inovador, com melhores empregos e autossuficiente em energia está ao nosso alcance.

Ensaio originalmente publicado na edição nº3 da Revista Manifesto, de 2018.

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