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Quem está a lucrar com a guerra na Palestina?

Uma semana depois dos bombardeamentos israelitas contra Gaza terem começado, as empresas de armamento tiveram uma significativa valorização bolsista. As ações da Lockheed Martin e da Northrop Grumman tiveram “os melhores dias dos últimos anos”. Se há quem esteja a ganhar com a guerra, o povo palestiniano é quem sai a perder. 

Crónica 74
30 Novembro 2023

Numa conferência de apresentação de resultados, o vice-presidente da General Dynamics, uma empresa da indústria militar e aeroespacial, disse: “A situação em Israel é obviamente terrível, honestamente. Mas penso que se olharmos para o potencial aumento da procura [pelos nossos produtos], aquele que se destaca claramente é do lado da artilharia”. 

A empresa viu o valor das suas ações aumentar 7% logo após o início das hostilidades na região. Na mesma semana, a revista Forbes deu conta de que as ações da Lockheed Martin ou da Northrop Grumman, que também operam no ramo militar e aeroespacial, alcançaram “os melhores dias dos últimos anos” à boleia do conflito entre Israel e o Hamas. Já o diretor da Raytheon Defense garantiu que “em todo o portefólio da Raytheon, [os investidores] vão ver os benefícios desta renovação de stocks” militares.

O conflito foi descrito por um analista financeiro como “catalisador positivo” para a indústria do armamento. Mas não são só os acionistas destas empresas a beneficiar da situação trágica na região. São também os bancos que as financiam, como o Morgan Stanley, em cujo código de conduta se pode ler que “exercemos a nossa influência conduzindo o nosso negócio de uma forma que procura respeitar, proteger e promover todo o espetro de direitos humanos como os que são descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU”. 

Enquanto a ONU tem alertado para “graves violações do direito internacional” por parte de Israel, os mercados financeiros têm preferido focar-se no copo meio cheio.

O lucro das empresas de armamento não pode ser dissociado dos principais clientes: os Estados. As perspetivas desta indústria já tinham melhorado desde que a NATO reforçou a pressão sobre os países para aumentarem os orçamentos militares nacionais, depois da invasão russa da Ucrânia (Portugal não foi exceção e aprovou uma Lei de Programação Militar que é a “mais elevada de sempre”, prevendo investimentos de 5570 milhões de euros na próxima década). 

Embora os Estados Unidos sejam o principal aliado financeiro e militar do regime de apartheid israelita, a União Europeia também tem contribuído para o financiamento da indústria de guerra em Israel com a atribuição de fundos comunitários para investigação e desenvolvimento de tecnologia militar. Israel depois exporta essa tecnologia para o resto do mundo, inclusive para regimes sanguinários. As suas armas e sistemas de vigilância são vendidos com o selo de qualidade de terem sido testados no terreno, ou seja, nos palestinianos de Gaza e Cisjordânia.

Se há quem esteja a ganhar com a guerra, o povo palestiniano é quem sai a perder. Desde o ataque do Hamas e o início da ofensiva de Israel, os bombardeamentos já destruíram boa parte do norte de Gaza e provocaram a morte de mais 11 mil pessoas, incluindo mais de 4 mil crianças. Mais de metade dos postos de trabalho foi destruída em menos de dois meses e há 1,5 milhões de pessoas deslocadas.

Tudo isto representa apenas uma pequena parte dos custos da ocupação para o povo palestiniano. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, em inglês) estima que a Palestina tenha perdido 47,7 mil milhões de dólares entre 2007 e 2017, desviados para a potência ocupante, incluindo através da perda de controlo de recursos estratégicos.

Além da limitação do acesso a terras e cursos de água que eram usados para a agricultura nos territórios palestinianos, Israel apoderou-se de reservas de gás natural ao largo da costa da Faixa de Gaza que tinham sido entregues à Autoridade Palestiniana nos Acordos de Oslo, segundo a UNCTAD. Os palestinianos foram sujeitos a um bloqueio que limita significativamente o acesso a bens e serviços essenciais, restringe o movimento de pessoas e impõe o subdesenvolvimento da Faixa de Gaza.


Este bloqueio serve um duplo objetivo: deixar o território de Gaza mergulhado numa crise humanitária permanente, impedindo o desenvolvimento económico da região, e manter o controlo sobre os seus recursos, permitindo utilizá-los como arma de guerra – o exemplo mais recente foi o corte do fornecimento de eletricidade e água à região por parte de Israel. 

Não é por acaso que Gaza é frequentemente descrita como uma “prisão a céu aberto”. E também não é difícil adivinhar que tipo de condições sociais e políticas tendem a surgir em territórios sujeitos a este tipo de “ocupação sufocante”, como descreveu o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Apesar da posição dos líderes da UE, há pequenos sinais positivos na Europa. Nas últimas semanas, alguns sindicatos na Bélgica e em Espanha recusaram carregar ou descarregar fornecimentos de armas destinados a Israel, para “não participar num crime de guerra que está a acontecer na região”. No entanto, estamos longe dos requisitos para uma resolução do conflito.

Não há solidariedade internacional nem ajuda humanitária que substituam os direitos políticos e económicos que o estatuto de Estado garante. As perspetivas de desenvolvimento e de paz na região dependem do fim da ocupação ilegal dos territórios palestinianos por Israel. Para isso, a pressão popular tem de aumentar para obrigar os líderes europeus a agir.

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