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A importância de ser radical

Quem anseia por uma ação climática célere e socialmente justa só pode votar à esquerda. Nas vésperas das eleições de 10 de março, devemos não só desmascarar e combater o negacionismo climático das iniciativas liberais até dizer chega, como também denunciar e rejeitar o neoliberalismo verde do centrão, assente em falsas soluções de mercado e em ilusões tecnológicas.

Crónica 74
8 Fevereiro 2024

Esta semana, num artigo de opinião em que anuncia publicamente a sua saída do PAN, André Silva afirma que não há luta climática digna desse nome “sem a alcunha de 'radical'”. Pese embora as muitas divergências que tenho com o ex-porta-voz do PAN, concordo com esta afirmação e acrescento: uma luta climática consequente só é possível à esquerda. O “horror climático”, prossegue André Silva, reclama “disputas e controvérsias capazes de revolucionar consciências e políticas, incompatíveis com o business as usual do centro político”. Denota-se, pois, o caráter eminentemente político da ação climática, que constitui, assim, um campo de disputa ideológica por excelência e um terreno fértil para a imaginação e construção de alternativas radicais.

Quem tem a generosidade (e a paciência) de ler as crónicas que tenho publicado no Setenta e Quatro, já saberá pelo menos duas coisas sobre mim: que só escrevo sobre clima e energia nas suas múltiplas declinações e que sou de esquerda – ecossocialista, para ser mais precisa. Revejo-me, portanto, numa síntese radical resultante do cruzamento dos princípios fundamentais da ecologia e da crítica marxista da economia política. Rejeito o capitalismo fóssil – o motor da crise climática – e o capitalismo verde – a ofensiva que visa a reconversão e reprodução deste sistema no contexto da crise climática. Defendo uma transição sistémica ancorada no planeamento democrático ecológico à escala nacional e na coordenação internacional.

Não hesito, por isso, em declarar que quem anseia por uma ação climática célere e socialmente justa só pode votar à esquerda. Deste modo, nas vésperas das eleições legislativas de 10 de março, devemos não só desmascarar e combater o negacionismo climático das iniciativas liberais até dizer chega, como também denunciar e rejeitar o neoliberalismo verde do centrão, assente em falsas soluções de mercado e em ilusões tecnológicas: da fiscalidade verde ao comércio de licenças de emissão de dióxido de carbono, da mineração de lítio à produção de hidrogénio verde. De caminho, é crucial identificar os partidos e os programas eleitorais que, no quadro das suas propostas ambientais, expõem a farsa do capitalismo verde, condenam a mercadorização da natureza, pugnam pelo reforço dos serviços públicos e lutam pelo pleno emprego – condições imprescindíveis para que o fardo da inevitável transição energética não recaia desproporcionalmente sobre a classe trabalhadora.

Um programa político verdadeiramente democrático e ecológico para Portugal deve conciliar medidas robustas de mitigação e adaptação às alterações climáticas com o cumprimento das funções sociais do Estado. Por conseguinte, requer a mobilização de instrumentos de planeamento, investimento público e o controlo público de setores estratégicos, desde logo a energia. Uma transição energética justa implica a reconquista de soberania energética e um planeamento energético subordinado a critérios sociais e ecológicos, assente no abandono dos combustíveis fósseis, na incorporação de fontes renováveis, na eficiência energética, na descentralização da geração de eletricidade renovável e no acesso universal à energia. Implica, igualmente, uma política monetária ao serviço deste objetivo: sem canalização do crédito, a taxas de juro próximos de zero – porque o futuro é já –, para os setores que temos boas razões para fazer expandir – como as energias renováveis ou os transportes públicos –, não há transição.

Realmente, o fim do mundo e o fim do mês fazem parte do mesmo combate sistémico.

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