Empresarialmente correto
O discurso do empresarialmente correto tem de ser superado. É urgente então reconhecer que a empresa capitalista é uma forma autoritária de governo privado, que concentra poder e conhecimento e que tem de ser interna e externamente escrutinada e democratizada, através de freios e contrapesos sindicais e regulatórios pelo menos tão poderosos.
Foi recentemente divulgado um estudo que confirma, de forma clara, o que já se sabia há alguns anos: a ExxonMobil, a gigante empresa norte-americana do capitalismo fóssil, dispunha, desde os anos 1970, de investigação científica interna com rigorosa capacidade preditiva e explicativa sobre as alterações climáticas e suas relações com a queima de combustíveis fósseis.
Trata-se da mesma empresa que financiou com milhões e milhões de dólares um ecossistema de iniciativas liberais negacionista das alterações climáticas, sendo um ator político maior da batalha contra incursões regulatórias e fiscais que pudessem condicionar a sua discricionariedade. Rex Tillerson, líder desta empresa entre 2006 e 2017, foi secretário de Estado de Donald Trump, entre 2017 e 2018: as notícias falsas têm uma base material. Os EUA são há muito uma plutocracia, de resto imitados pela UE.
Hoje, estas iniciativas liberais empenham-se sobretudo em bloquear o avanço do planeamento ecológico urgente, através de armadilhas como a responsabilidade social voluntária das empresas, os ineficazes mercados de emissões e outras formas de branqueamento socioecológico. O Fórum de Davos, esse encontro de centenas e centenas de jatos privados, é useiro e vezeiro na promoção desta estratégia.
O campo das alterações climáticas é só um dos exemplos mais dramáticos da hegemonia, desde há várias décadas, do empresarialmente correto, um discurso tão poderoso quanto escassamente escrutinado. Trata-se de uma declinação da ideologia neoliberal, destinada a idealizar as empresas ditas privadas e a ofuscar os custos socializados das suas atividades.
Os trabalhadores são transformados em colaboradores, como se a empresa fosse um mero nexo de contratos temporários, a regulação ambiental robusta é transformada em barreira ao investimento, o valor é criado para os acionistas e os gestores de topo são transformados em heróis superprodutivos. Esta farsa legitima a desconexão com os rendimentos e condições de trabalho da esmagadora maioria, a que cria tudo o que tem valor, crescentemente invisibilizada e desprezada.
O discurso do empresarialmente correto tem de ser superado. É urgente então reconhecer que a empresa capitalista é uma forma autoritária de governo privado, que concentra poder e conhecimento e que tem de ser interna e externamente escrutinada e democratizada, através de freios e contrapesos sindicais e regulatórios pelo menos tão poderosos.
O poder só se contraria com poder. Por vezes, a nacionalização é a melhor forma de o fazer, já que a regulação tende a ser pilotada pelas grandes empresas em setores demasiado importantes para a vida em comunidade. Por exemplo, em Portugal, teremos de renacionalizar o capitalismo fóssil de Amorim e companhia se o quisermos controlar, redimensionar e redirecionar de forma acelerada.
A grande empresa tem de ser vista como aquilo que é: um ator político maior. Por isso, a democracia não pode nunca ficar à sua porta, ao contrário do que pretendem as iniciativas liberais de tantos partidos empresarialmente financiados.