Resistência Nacional

RESISTÊNCIA NACIONAL

Criada no início de julho de 2020, a Resistência Nacional (RN) foi alvo de atenção nacional ao organizar uma parada com tochas e máscaras brancas em frente à sede do SOS Racismo, em Lisboa, a 8 de agosto do mesmo ano, três dias antes de ameaças enviadas por e-mail a deputadas e ativistas antifascistas. Os seus membros são pessoas ligadas ao Chega e ao Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te!).

A organização, que teve uma vida efémera, era composta por antigos elementos da Nova Ordem Social (NOS), suspensa em novembro de 2019 por Mário Machado, do Partido Nacional Renovador (hoje Ergue-te!) e militantes do Chega, de André Ventura, membros da identitária Associação Portugueses Primeiro (P1) e elementos ligados à claque de futebol de extrema-direita 1143, apoiante do Sporting.

“O islâmico é perigoso, causa terrorismo, mata. O africano causa miscigenação, trás [sic] sida, aumenta a criminalidade, mata” - grupo de Telegram da Resistência Nacional

O modus operandi deste grupo foi uma réplica adaptada ao contexto português, por terem poucos membros, da atuação de um grupo alemão neonazi chamado Imortais (Die Unsterblichen).

Os Imortais são conhecidos na Alemanha por terem organizado uma série de flashmobs com centenas de neonazis (de 100 a 300), empunhando tochas e máscaras brancas, em marchas semelhantes às dos nacionais-socialistas de Adolf Hitler na década de 1930. O objetivo das marchas é disputar o espaço público e intimidar a oposição política e social.

À semelhança deste grupo, também a Resistência Nacional usou a rede de mensagens encriptadas Telegram para se organizar e o YouTube para difundir vídeos das suas ações, revelou o Público. O público-alvo são as camadas mais jovens da sociedade.

Um elemento da Resistência Nacional disse ao Público que a organização tem como objetivo organizar “protestos silenciosos”. No entanto, a ação em frente ao SOS Racismo foi tudo menos silenciosa, com os militantes de extrema-direita a gritarem palavras de ordem e os nomes de polícias mortos em serviço nos últimos anos – a ação foi monitorizada pelas autoridades à distância, revelou o semanário Expresso.

A Resistência Nacional detinha pelo menos dois grupos no Telegram, com o público a ser apagado dois dias depois da parada, quando elementos antifascistas o começaram a infiltrar. No de acesso aberto, os seus membros trocaram notícias que confirmavam as suas crenças ideológicas, dicas de livros sobre a II Guerra Mundial, que supostamente mostravam o “outro lado da História”, e até discutiram o tamanho de facas que podem possuir ao abrigo da lei.

O outro grupo, bem mais restrito e onde se discutia estratégia e futuras ações, era composto pelos “militantes” do grupo, cuja adesão apenas acontecia depois de um processo de interrogatório em que pelo menos três outros militantes tinham de confirmar a identidade do novo membro.

A organização é composta por antigos elementos da Nova Ordem Social (NOS), suspensa em novembro de 2019 por Mário Machado, do Partido Nacional Renovador (hoje Ergue-te!), militantes do Chega, membros da identitária Associação Portugueses Primeiro (P1) e elementos ligados à claque de futebol de extrema-direita 1143, apoiante do Sporting.

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Membros da Resistência Nacional a caminho da sede do SOS Racismo, em agosto de 2020
Membros da Resistência Nacional a caminho da sede do SOS Racismo, em Lisboa, na noite de 8 de agosto de 2020

Um dos elementos da RN é Nuno Cardoso, que revelou à revista Sábado ter sido convidado a organizar a estrutura concelhia da Covilhã do Chega. Cardoso é um velho conhecido da extrema-direita portuguesa e foi braço-direito de Mário Machado, ao ponto de ter integrado a direção nacional da Nova Ordem Social. Também foi quem acompanhou Machado à Suécia, em 2017, acabando ambos por ficar detidos.

Em fevereiro de 2019, foi escolhido pelo antigo líder dos Portugal Hammerskins para discursar na concentração de homenagem ao ditador português António de Oliveira Salazar, organizada pela NOS em frente à Assembleia da República. Cardoso foi, em 2018, um dos seis “Los Bandidos” esfaqueados pelos Hells Angels no restaurante do irmão de Mário Machado no Prior Velho, em Loures, ficando em estado grave.

Um outro elemento da RN e próximo de Nuno Cardoso, Alexandre Santos, chegou a representar a Nova Ordem Social numa manifestação com mais de dois mil nacionais-socialistas em Sófia, na Bulgária, em fevereiro de 2019, em homenagem ao general pró-nazi Hristo Lukok, assassinado por dois militantes antifascistas em 1943. E a ex-mulher de Cardoso, Ana Cardoso, era um dos membros mais ativos no grupo público do Telegram da RN, não esquecendo Luís Mártires, membro do Chega em Lisboa e próximo da líder dos evangélicos neopentecostais do partido de Ventura, Lucinda Ribeiro.

Pouco depois de a parada ser noticiada, a Resistência Nacional apressou-se, através da sua página de Facebook, a declarar não ser racista e houve até dirigentes do Chega a propagarem a narrativa de não o serem por haver pessoas “morenas” nas fotos da ação – estavam claramente bronzeadas da praia. No entanto, as conversas na rede social de mensagens encriptadas Telegram mostram que o racismo e a xenofobia são duas das características do grupo.

Em meados de agosto, a cúpula da RN começou a discutir uma segunda ação, agora no Porto, mas acabou por não acontecer na sequência do envio, a 11 de agosto, de um email à Frente Unitária Antifascista, ao SOS Racismo e ao Bloco de Esquerda.

Continha uma ameaça contra três deputadas (Beatriz Gomes Dias e Mariana Mortágua, ambas do Bloco de Esquerda, Joacine Katar-Moreira (independente) e sete ativistas antifascistas para abandonarem o “território nacional em 48 horas”, caso contrário medidas seriam “tomadas contra estes dirigentes e os seus familiares, de forma a garantir a segurança do povo português”.

O e-mail foi assinado pela Nova Ordem de Avis–Resistência Nacional. Sabe-se muito pouco sobre a Nova Ordem de Avis, uma autoproclamada milícia supostamente criada a 25 de julho, e cujo anúncio de criação foi feito num primeiro e-mail enviado, a 2 de agosto, à Frente Unitária Antifascista, ao SOS Racismo e ao Bloco de Esquerda.

A Resistência Nacional nega ser responsável pela vandalização da sede do SOS Racismo e pelo envio do email com as ameaças.

“Não somos a Nova Ordem de Avis nem temos qualquer associação com a mesma”, ouviu-se numa gravação da Resistência Nacional, citada pelo Público. “Todas as nossas ações são pacíficas e apartidárias, por isso usamos máscara e não temos qualquer identificação. Não temos que [sic] nos esconder, não destruímos património com pinturas nem usamos qualquer forma de violência”. A gravação foi feita usando uma aplicação de text to speech (onde se escreve e a aplicação lê).

A Polícia Judiciária começou a investigar quem possa estar por detrás do envio dos e-mails e as autoridades sugeriram proteção policial especial aos dez visados. O caso continua até hoje sob investigação e não se conhecem mais ações públicas da Resistência Nacional.

Na altura, o SOS Racismo caracterizou a ação direta como “parada Ku Klux Klan”, tendo ficado assim conhecida na praça pública.

A organização antirracista também anunciou a intenção de fazer queixa ao Ministério Público por ameaças à integridade física, ofensas morais e danos patrimoniais e incitamento ao ódio e à violência. Isto porque estava também em causa um outro episódio, ocorrido em julho, de vandalização da fachada do prédio da sede com a frase “guerra aos inimigos da minha terra”, no que foi entendido pelas autoridades como uma escalada da violência de extrema-direita em Portugal. 

A atenção mediática, um dos objetivos da Resistência Nacional pôs as autoridades no seu encalço e o grupo acabou por se desmembrar, ou pelo menos a não ter qualquer atividade pública, dando a entender ter desaparecido. No entanto, um dos seus elementos mais entusiastas, Alexandre Santos, não ficou com a sua militância parada. É mais um exemplo de como grupos de extrema-direita nascem e morrem para depois outros serem fundados, com os seus elementos a circularem por este universo. 

Entre janeiro e fevereiro de 2021, Alexandre Santos fundou o grupo de extrema-direita Força Nova, com o secretário-geral a ser Artur Miguel Rodrigues Costa. O grupo segue o identitarismo da terceira posição, inspirada no ideólogo neofascista Julius Evola, da italiana Fuerza Nova e tem estabelecido ligações internacionais com as várias filiais nacionais deste partido. Os militantes portugueses já participaram em debates organizados pelos italianos e são próximos do grupo internacional Europa Terra Nostra

O estreitar de relações não se fica apenas pelo palco internacional. No plano nacional, Alexandre Santos aproximou-se de João Martins, conhecido militante identitário e responsável pelo assassínio de Alcindo Monteiro, em 1995, e que já participou em debates e ações de rua da Força Nacional.

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