Nova Ordem Social

NOVA ORDEM SOCIAL

De costas voltadas para os Portugal Hammerskins e com o Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te!), Mário Machado criou em 2014 uma nova organização de extrema-direita. Chamou-lhe Nova Ordem Social (NOS) e o seu principal evento foi uma conferência internacional em Lisboa, a 10 de agosto de 2019. Poucos meses depois, Machado anunciou a “suspensão” da organização por não fazer sentido a “NOS, o PNR e o Chega” concorrerem “praticamente na mesma área” política.

Aproveitando uma saída precária da prisão de Monsanto, Machado marcou presença no primeiro encontro do futuro partido num hotel em Peniche, a 26 de abril de 2014. Lá estiveram cerca de 50 pessoas, oriundas do Movimento de Oposição Nacional (MON), da Ação Democrática Nacionalista, da defunta Frente Nacional e do Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te!), além de deputados do neonazi Aurora Dourada, cuja liderança foi condenada pela Justiça grega por dirigir uma organização criminosa, e do neonazi alemão NPD. O encontro de sete horas resultou na escolha do nome da nova força política: Nova Ordem Social.

"[António de Oliveira Salazar] Aboliu os partidos políticos e libertou o país do comando daquelas instituições materiais e amorais. Com isso resolveu o problema político e atribuiu ao Estado um conteúdo ideológico, moral e doutrinário, longe da manipulação das sociedades secretas como hoje em dia vivemos" discurso de Nuno Cardoso na manifestação "Salazar faz muita falta"

Foi o tiro de partida e os contactos desenvolveram-se, apesar de Machado se manter preso. Núcleos começaram a ser criados, entre os quais o de Cascais. A liderança deste ficou a cargo de Luís Filipe Graça, antigo dirigente nacional do PNR e hoje presidente da Mesa da Convenção do Chega. O seu objetivo? Recolher assinaturas para legalizar a NOS junto do Tribunal Constitucional. Mas houve percalços por a nova força política depender de Machado.

A NOS poucos desenvolvimentos teve até o líder sair da prisão, em maio de 2017. Uma vez em liberdade, a organização começou a dar os seus primeiros passos a sério: fundou um blogue, criou um conselho nacional, estabeleceu núcleos onde pôde, realizou eventos de “solidariedade” para lavar a sua imagem de extrema-direita e aprofundou os contactos internacionais, fossem presenciais ou por meio de entrevistas publicadas no blogue. Mais tarde, criou um núcleo feminino e uma loja de merchandising.

A primeira entrevista de Mário Machado publicada nesta altura foi à búlgara Resistência Nacional, realizada por Alexandre Santos. Há vários anos a residir na Bulgária, Santos chegou a representar a NOS numa marcha com mais de dois mil nacionais-socialistas em Sófia, em fevereiro de 2019, em homenagem ao general pró-nazi búlgaro Hristo Lukok, assassinado por dois militantes antifascistas em 1943.

Seguiram-se outras entrevistas, entre as quais a Simon Lindberg, neonazi e líder do Movimento de Resistência Nórdica, à espanhola Geração Identitária e aos norte-americanos do The Right Stuff, com Machado a conceder também entrevistas aos polacos da Trzecia Droga (Terceira Via, em português) e aos neonazis alemães da Der Dritte Weg (também Terceira Via).

A tentativa de estabelecer laços internacionais presenciais saiu gorada. Machado viajou para a Suécia a 29 de setembro de 2017 acompanhado por Nuno Cardoso e, ao aterrarem no aeroporto de Gotemburgo, foram rapidamente detidos pelas autoridades suecas, passando várias horas numa sala.

Iam participar numa conferência internacional do Movimento de Resistência Nórdica, cujos membros se têm visto a braços com acusações e condenações por posse de armas ilegais, agressões qualificadas e declarações de ódio racial. Julian Bender, do partido neonazi Der Dritte Weg, também foi detido.

Uma vez regressado a Portugal, Machado e a NOS continuaram a sua ação política, desta vez convocando a sua primeira manifestação. Aconteceu a 18 de novembro de 2017 em frente à sede do Grande Oriente Lusitano, no Bairro Alto, em Lisboa, e conseguiram mobilizar um pouco mais de duas dezenas de militantes.

Ostentando bandeiras com o símbolo da NOS, uma clara inspiração no Aurora Dourada e no Movimento de Resistência Nórdica, gritaram palavras de ordem contra a maçonaria, um velho e imaginário adversário acusado de ser uma “organização criminosa” e de tentar criar “um governo único com base num modelo capitalista que apenas serve para escravizar o Homem”.

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Manifestação da neonazi Nova Ordem Social em frente a uma loja maçónica no Bairro Alto, em Lisboa, em 2018
Manifestação da neonazi Nova Ordem Social em frente à loja maçónica Grande Oriente Lusitano Bairro Alto, em Lisboa, em 2017

Em fevereiro de 2018, a NOS organizou uma homenagem na campa do ditador António Oliveira Salazar, em Santa Comba Dão, concelho no distrito de Viseu. Em outubro do mesmo ano, foi organizada uma manifestação contra a construção de uma mesquita em Lisboa, com pouco mais de 20 pessoas presentes.

Foi em 2018 que a NOS pareceu apostar significativamente em ações ditas de “solidariedade”, prontamente divulgadas no seu blogue. Tinham normalmente uma dúzia de membros, se tanto, e foi uma estratégia clássica de lavagem de imagem replicada do Aurora Dourada, uma vez que apenas os “verdadeiros portugueses” poderiam receber apoio, desde que o comprovassem. Fizeram-no na rua, em canis e até em instituições de solidariedade social.

Entretanto, e à medida que os meses se transformaram em anos, a NOS não foi conseguindo recolher as 7500 assinaturas necessárias para se legalizar como partido político junto do Tribunal Constitucional. Nunca o conseguiu, aliás. Situação que representou um duro golpe para Machado, uma vez que em 2014, em Peniche, tinha dito à revista Sábado querer transformá-lo num partido para, depois das legislativas de 2015, ter “acesso às subvenções estatais”.

A NOS foi incapaz de estreitar laços com outras organizações da extrema-direita portuguesa, como o Escudo Identitário ou a Associação Portugueses Primeiro, ambas fortemente marcadas pela influência de João Martins, condenado a 17 anos pelo homicídio de Alcindo Monteiro e há anos desavindo com Machado.

Estas duas organizações começaram a cooperar em 2018 e Machado, por causa do seu passado e intenção de querer ser líder hegemónico, manteve-se à margem. A organização apenas conseguiu estreitar laços com outras formações congéneres no estrangeiro: no final de 2018, Machado já tinha viajado para a Suécia, Reino Unido, Espanha e Polónia. 

Situação que não passou despercebida à Europol. “Em Portugal, o Blood & Honour, o Portugal Hammerskins e o recém-criado movimento neonazi Nova Ordem Social estão ativos, tanto a nível nacional como internacional”, lê-se no relatório da Europol de 2019, referente a 2018.

Guerra de motards

Em 2018, Machado fundou um novo grupo motard em Portugal, os Red & Gold, filiado no clube internacional Los Bandidos, históricos rivais dos Hells Angels mas com uma trégua acordada. O grupo de motards foi criado sob falsos pretextos aos Los Bandidos, apurou o Setenta e Quatro, e pôs em causa a frágil trégua que existia e a hegemonia dos Hells Angels em Portugal, o que não foi por estes tolerado. Havia também velhas contas a acertar: o tiro na perna que Machado tinha dado anos antes a um membro dos Hells Angels no Algarve.

Em março de 2018, vários elementos dos Hells Angels aproveitaram um almoço do grupo de Machado, onde estavam três membros dos Los Bandidos da Alemanha, entre os quais o seu vice-presidente, e emboscaram-nos no restaurante Mesa do Prior, no Prior Velho, em Loures. O estabelecimento é propriedade do irmão de Machado e lá deveria ser formalizado o novo grupo de motards.

Os Hells Angels chegaram em carrinhas, carros e motos e pararam-nos no meio da Rua de Moçambique, impedindo a circulação. Munidos de facas, barras de ferro, paus, pedras, soqueiras, correntes e bastões extensíveis e encapuzados entraram no restaurante.

Os cerca de 20 agressores entraram pela porta da frente e depressa começaram a destruir mesas e cadeiras e a espancar brutalmente os presentes, com seis deles a ficarem feridos e três a precisarem de hospitalização, entre os quais Nuno Cardoso e o vice-presidente dos Los Bandidos da Alemanha, com este último a ficar sem o seu colete de motard – uma grande falha, duramente punível, tendo o colete aparecido mais tarde em Barcelona. Quando a PSP chegou, os Hells Angels já tinham abandonado o local.

Machado, o principal alvo, escapou por pouco ao ataque, por ter chegado atrasado, escreveu o Jornal de Notícias. Viu os veículos a bloquear a estrada e manteve-se afastado até os Hells Angels abandonarem o local. Uma vez no restaurante, o líder da NOS esperou que a PSP, a que depois se juntou a Polícia Judiciária, libertasse a zona de crime para se ir embora, mas antes dirigiu-se aos jornalistas: virou-se para mostrar a camisola dos Los Bandidos, fez o sinal de degolar a garganta e garantiu que os seus objetivos se iriam manter inalterados. Chegou a ameaçar retaliar.

“Agora vamos para intervalo. Desta festa, vocês com certeza vão ter muito para falar no futuro”, disse Machado aos jornalistas presentes, citado pelo Correio da Manhã. Machado foi contactado pela PJ para receber proteção policial, tendo recusado.

Uma versão que o líder bonehead contradisse já em sede de julgamento, no Tribunal de Loures, a 25 de outubro, de acordo com a Lusa. Disse ter-se escondido numa "arrecadação" momentos antes dos rivais entrarem no restaurante, depois de ter visto "alguma agitação" no exterior, explicou a 25 de outubro deste ano. Saiu pouco depois da arrecadação, já o restaurante estava vazio e a polícia no local. 

Machado e membros dos Red & Gold continuaram a ser perseguidos pelos Hells Angels, com o líder a ser o principal alvo. Um dos que não conseguiu escapar ao radar dos Angels foi Carlos, membro dos Red & Gold. Foi agredido por dois Angels na Margem Sul, antes da megaoperação policial da PJ.

A Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária e o SIS estavam em alerta, seguindo de perto as movimentações dos Hells Angels e dos Los Bandidos portugueses. Ambos temiam que a concentração de motards de Faro, em julho, se pudesse transformar um campo de batalha entre os dois grupos e, por isso, a PJ avançou com a detenção dos Hells Angels uma semana antes do maior evento nacional de motards.

As autoridades tinham apanhado em escutas um possível plano de vingança entre os dois grupos. Os Los Bandidos queriam entrar no recinto do encontro com carrinhas, a alugar em Espanha, para atropelar membros dos Hells Angels, além de estarem a armazenar armas em locais no Algarve. O ataque ficaria, diz o Diário de Notícias, a cargo de uma equipa musculada e composta essencialmente por elementos dos Los Bandidos da Alemanha, que se deslocariam a Portugal com esse objetivo. Também não se podia descartar a hipótese de um tiroteio no meio do evento, com as vítimas inocentes a serem inevitáveis.

A operação da PJ foi a maior do género na Europa (a última tinha sido em Espanha, em 2013, com a detenção de mais de 20 Hells Angels) e envolveu cerca de 400 polícias, com 59 membros do grupo motard a acabarem detidos, três deles no estrangeiro – mais tarde, mais de duas dezenas foram detidos. Na operação foram cumpridos “cerca de oitenta mandados de busca e cumpridas dezenas de mandados de detenção de suspeitos de integrarem esta estrutura criminosa, constituída por indivíduos extremamente perigosos, com vastos antecedentes criminais e larga experiência na área da criminalidade violenta e organizada”, explicou a PJ em comunicado.

Os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) concluíram na acusação que a atuação dos Hells Angels “obedeceu a um planeamento operacional, através do recrutamento de membros e apoiantes, obtenção de armamento, vestuário de camuflagem, meios de transporte, definição de pontos de concentração e de tarefas durante o ataque, bem como planeamento da fuga”. O ataque foi preparado durante oito dias, revelou o Jornal de Notícias.

“Foi a primeira manifestação tão poderosa e em força como associação criminosa. Foi a primeira vez que cem elementos atuaram em grupo com o objetivo comum de eliminar a concorrência”, disse Manuela Dinis dos Santos, diretora da Unidade Nacional Contraterrorismo, citada pelo Diário de Notícias.

NOS homenageia Salazar

O ano de 2019 começou com uma polémica a envolver o apresentador Manuel Luís Goucha. Em janeiro de 2019, o apresentador do Você na TV, na altura transmitido pela TVI, recebeu Machado nos seus estúdios a convite de Bruno Caetano, responsável pela rubrica “Diga de Sua (In)Justiça” e investigado pelo Ministério Público por dois crimes de discriminação em novembro de 2017 – uma publicação no Facebook e um direto da rubrica.

O líder da NOS foi convidado a falar sobre o tema “Precisamos de um novo Salazar?”, dando-lhe um importante tempo de antena nacional e legitimando e normalizando as suas opiniões. Machado apresentou-se como “cidadão de bem” e as críticas nas redes sociais e de instituições, entre as quais do Sindicato de Jornalistas, não se fizeram esperar.

Mas não foi o suficiente. No mesmo dia, o programa SOS 24, agora na TVI24 e conhecido pelo seu discurso de “lei e ordem”, apresentou Machado como convidado – o programa foi o primeiro palco da comentadora de extrema-direita Suzana Garcia, candidata pelo PSD à Câmara Municipal da Amadora nas autárquicas de 2021, por exemplo.

O Sindicato dos Jornalistas apresentou queixa contra o canal de Queluz de Baixo junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), por considerar “inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão TVI a Mário Machado, conhecido líder da extrema-direita, várias vezes condenado e preso por diversos crimes”.

"Os programas "Você na TV!" e "SOS 24", nos canais TVI e TVI24, respetivamente, deram voz a um racista explícito e um salazarista assumido, que defende o regresso de Portugal à ditadura e a quem foi dada a oportunidade de se dedicar ao branqueamento histórico, em sinal aberto e para um grande público, com pouco ou nenhum contraditório", criticou o Sindicato dos Jornalistas, citado pelo Jornal de Notícias.

Por sua vez, as direções de informação e de programas da TVI defenderam-se em comunicado dizendo estar comprometidas com transmissão de “uma programação diversificada” e de “debate entre diferentes correntes de opinião”, uma vez que tal, argumentaram, “faz parte de uma sociedade democrática, plural e tolerante”.

Entretanto, os contactos internacionais e as ações nacionais da NOS continuaram em 2019, o ano da sua maior atividade, até ser suspensa por Machado em novembro desse ano. Em fevereiro de 2019, a NOS convocou uma manifestação em frente à Assembleia da República com o mote “Salazar faz muita falta”.

As cinco dezenas de manifestantes iniciaram o seu percurso no Largo do Rato, em frente à sede do Partido Socialista, onde alguns dirigentes da NOS, entre os quais Helena Pereira, discursaram. Desceram depois a Rua de São Bento em direção à Assembleia da República e, uma vez lá chegados, Nuno Cardoso, membro do Conselho Nacional da NOS e que em 2020 criou a Resistência Nacional depois de aderir ao Chega, homenageou “Salazar como o maior estadista do século XX português”. “Vamos correr com os traidores de Portugal”, prometeu o dirigente, a que os presentes responderam: “Viva Salazar, viva!”.

Encontro internacional

O ano de 2019 ficou marcado pela conferência internacional de extrema-direita, realizada a 10 de agosto pela NOS, em Lisboa. Machado trouxe à capital portuguesa dirigentes de pequenos partidos neonazis de Itália (Francesca Rizzi, do Autonomia Nazionalista), França (Yvan Benedetti, do Parti Nationaliste Français), da Bulgária (Blagovest Asenov, da Resistência Nacional), da Alemanha ( Matthias Deyda, do Die Rechte), de Espanha (Josele Sanchez e Alba Lobera, do site La Tribuna de España).

“Este evento vai ter uma enorme projeção europeia e, como consequência, projetar ainda mais a Nova Ordem Social”, lê-se no blogue da organização aquando do anúncio. Isolada em solo nacional, a força política de Machado organizou esta conferência para granjear credibilidade – e estreitar laços – com outras organizações, por mais pequenas que sejam – o neonazi Die Rechte, cisão de um outro grupo, o Deutsche Volksunion, tem cerca de 600 membros na Alemanha, por exemplo.

Os alertas não se fizeram esperar e o Hotel Altis Belém, onde inicialmente se deveria realizar a conferência, cancelou, a 9 de agosto, a reserva da sala. “A administração do grupo Altis tomou conhecimento de que a reunião prevista para amanhã será de cariz político e de apoio à extrema-direita, o que poderá comprometer a tranquilidade dos nossos hóspedes e a própria segurança dos mesmos”, comunicou o grupo hoteleiro por e-mail a Machado.

A braços com este imprevisto, o líder da NOS apressou-se a arranjar alternativa e encontrou no Hotel SANA, em Lisboa, a solução por cerca de 800 euros – A Frente Unitária Antifascista (hoje Rede Unitária Antifascista) convocou depois um boicote massivo ao hotel e fez com que a sua pontuação no Facebook descesse dos 4,8 para os 1,9. A sala reservada, com capacidade para 220 pessoas, acolheu apenas 70, contou o Público, contrariando a promessa de Machado de que seria “o maior evento nacionalista em Portugal”, feita aquando do anúncio do evento.

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Manifestação neonazi da NOS em frente ao parlamento em fevereiro de 2019
Manifestação neonazi da NOS em frente ao parlamento em fevereiro de 2019. Fonte: Ephemera - Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira

Enquanto os neonazis se reuniam no Hotel Sana, antifascistas percorriam as ruas da baixa de Lisboa em protesto, do Rossio ao Largo Camões – enquanto o Serviço de Informações de Segurança (SIS) disse acompanhar o evento de extrema-direita “muito de perto”. A PSP afirmou terem estado presentes 400 pessoas, mas a organização da manifestação garantiu que no pico do protesto estiveram não menos de duas mil, com 500 a assistirem às intervenções políticas no Largo Camões. “Fascismo nunca mais”, lia-se em cartazes e faixas.

A linha política da conferência ficou bem espelhada com o discurso da italiana Francesca Rizzi, no qual defendeu a “salvaguarda da existência da raça ariana” e apelou à organização contra a “tirania judaica”. No final, e com Machado a aplaudir, Rizzi fez a saudação nazi e disse “Sieg Heil!”, com algumas saudações nazis da plateia sob gritos de “Viva a vitória!”.

Meses depois, em novembro, a italiana de 26 anos e com uma águia e suástica tatuadas nas costas, voltaria a aparecer nas notícias em Portugal.

Desta vez por ter sido uma das detidas numa operação policial das autoridades italianas que desmantelou uma rede neonazi que se preparava para fundar um partido e dar treino militar aos seus militantes. Além de contactos com a NOS, a rede estabeleceu relações com os Aryan White Machie – C18, organização terrorista banida em vários países europeus e com origem nos boneheads dos Blood & Honour.

Machado continuou à procura de uma oportunidade para aparecer nas notícias, para dar a entender que ainda era uma figura relevante na extrema-direita portuguesa, e o homicídio de um funcionário na discoteca Lick, no Algarve, foi o momento por que ansiava.

Em declarações ao site La Tribuna de España em agosto de 2019, o líder da NOS disse ter “850 militantes e apoiantes em todo o território português na caça do assassino”. Isto depois de no Twitter ter dito que o suspeito pelo crime era um jovem negro de 20 anos, quando não o era, e apelou a que os seguidores não o entregassem à polícia.

A realidade, no entanto, era outra. A NOS nunca teve 850 militantes ou apoiantes, nunca conseguiu mobilizar mais de 100 pessoas para os seus eventos, e Machado tentou insuflar a sua verdadeira importância – na conferência internacional, o neonazi usou estatísticas irrisórias do Facebook para afirmar que estava a ter um enorme sucesso. Tanto fulgor para meses depois a organização ser por si suspensa.

Em novembro de 2019, Machado publicou um vídeo no seu canal do YouTube a anunciar a suspensão da NOS por não encontrar “alguém que esteja disponível” para o “substituir na liderança”, dizendo que “apareceu um partido novo que, apesar não ter a mesma linha ideológica do NOS e grande parte das suas ideias” tem “aglomerado grande parte dos nacionalistas portugueses e da direita”. Referia-se ao Chega.

Sendo assim, não fazia sentido, argumentou Machado, que o “NOS, o PNR e o Chega” concorrerem “praticamente na mesma área” política.

A NOS estava há meses com graves problemas internos. Surgiram suspeitas de desvio de fundos da conferência internacional e uma figura feminina próxima do líder era acusada de dispor dos militantes como bem entendia, dando azo a conflitos. O círculo próximo do líder foi-se desmembrando e Machado ficou sem qualquer apoio real que pudesse manter viva a organização.

Mas nem por isso o ex-dirigente da Frente Nacional desapareceu de cena. Tem-se dedicado a publicar vídeos e tweets nas redes sociais e, em fevereiro de 2020, aconselhou os ex-membros da NOS a esconderem as suas antigas pertenças a movimentos de extrema-direita.

“O conselho que eu dou aos meus queridos amigos que me acompanharam ao longo destes 25 anos de luta nacionalista é que, nunca, em caso algum, digam que pertenceram a algum movimento de extrema-direita”, disse num vídeo. “Só eu e apenas eu posso provar que o indivíduo A ou B pertenceu à minha organização e eu nunca o vou fazer. Como nunca o vou fazer, só vocês próprios é que podem pôr a corda ao pescoço, se assim quiserem.”

As palavras de Machado revelaram-se, mais uma vez, falsas. Em janeiro de 2020, a revista Sábado publicou uma investigação na qual se revelou que ex-membros da NOS eram dirigentes do Chega: Luís Filipe Graça, presidente da Mesa da Convenção do partido, Nelson Dias da Silva, secretário da Mesa da Convenção e porta-voz da identitária Associação Portugueses Primeiro, e Tiago Monteiro, líder do Chega em Mafra.

Mas havia mais membros com passado idêntico, e um deles era Nuno Cardoso, líder da Resistência Nacional, o movimento responsável pela parada de mascarados com tochas em frente à sede do SOS Racismo, em agosto de 2020.  Nuno Cardoso foi convidado a organizar a concelhia do Chega na Covilhã.

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