Movimento de Acção Nacional (MAN)

MOVIMENTO DE ACÇÃO NACIONAL (MAN)

O Movimento de Acção Nacional (MAN) foi fundado em 1985 por um grupo de jovens da periferia de Lisboa e representou a entrada do etnonacionalismo na política portuguesa. O MAN ficou marcado pelo uso da violência nas ruas portuguesas. Os seus líderes autodissolveram a organização em 1992, antes de o Tribunal Constitucional se pronunciar.

Tudo começou em janeiro de 1984 quando um grupo de jovens da Amadora, liderado por José Luís Paulo Henriques, até então membro da Juventude Centrista do CDS-PP, criou uma pequena revista chamada Vanguarda Nacional. O seu primeiro número mostrou logo ao que vinham: elogiavam os movimentos e grupos mais violentos da extrema-direita europeia, como o britânico National Front.

"O fim de qualquer ação política é ocupar o espaço do inimigo, eliminá-lo ou, melhor, trazê-lo às nossas próprias fileiras" – nº4 da Vanguarda Nacional, de 1987

Pouco depois, o grupo estruturou-se politicamente com a criação, a 25 de junho de 1985, da Associação Cultural Acção Nacional, mais tarde simplesmente conhecida como Movimento de Acção Nacional.

Nos seus Pontos Programáticos, o MAN definia-se como "movimento cultural e político, de carácter nacionalista, revolucionário e popular", apresentando-se como alternativa ao sistema de partidos e à "falácia democrática" em nome das “aspirações do povo e da Nação” e não dependente de "minorias desenraizadas". Propunha uma "Revolução das mentalidades e dos procedimentos" em que a crítica à classe política e à esquerda se sobrepunham a uma mundividência etnonacionalista, algo que não tardou a mudar.

"Num tempo invadido e subjugado por democracias, socialismos e comunismos, que secundariza o Estado e a Nação, que materializa e tira dignidade ao trabalho, que acicata egoísmo e insubmissões, que massifica e descaracteriza, que se torna presa de minorias salteadoras e de profissionais do ludíbrio, um Movimento que pretenda restaurar a Ordem e a Justiça, na esfera cultural, na esfera social, na esfera política, terá de ser, necessariamente, um Movimento Nacionalista, Revolucionário, Popular. É o que nós somos", declara o MAN no mesmo documento.

O MAN foi a primeira organização da extrema-direita portuguesa formada com o objetivo de perseguir não-portugueses e não-brancos e representou o evoluir das posições racialistas da extrema-direita portuguesa, que até então defendia o Portugal "pluricontinental" e "multirracial". Esta evolução foi resultado da independência das colónias e da viragem de Portugal em direção à Europa, inspirando-se nas extremas-direitas europeias mais violentas.

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Capa do nº5 da fanzine Acção, do Movimento de Acção Nacional
Capa do nº5 da fanzine Acção do MAN

A Revolução de Abril e a descolonização tornaram a narrativa da pluricontinentalidade e da sociedade multirracial insignificante para a nova geração de militantes de extrema-direita, vindos essencialmente da pequena burguesia e da classe trabalhadora das periferias das grandes cidades. A composição social do MAN rompeu com as anteriores gerações das décadas de 1960 e 1970 da extrema-direita portuguesa, cujos elementos eram maioritariamente estudantes universitários de Lisboa, Porto e, principalmente, Coimbra. 

Um dos ideólogos mais importantes do MAN, Rodrigo Emílio Alarcão Ribeiro de Melo (1944-2004), deixou-o bem claro ao explicar, num artigo na revista Acção, em 1988, "como a projeção do Portugal europeu nos trópicos a partir de uma perspetiva imperial foi o coração da militância juvenil da geração dos anos 1960, e foi a causa pela qual sacrificou todas as suas crenças raciais", citado por sua vez pelo politólogo Riccardo Marchi no artigo académico At the Roots of the New Right-Wing Extremism in Portugal: The National Action Movement (1985-1991)

Surgiu então uma nova mundividência racial com foco na pertença à civilização europeia, e não no imperialismo pluricontinental que se desvanecera, apelidada etnonacionalismo, com o MAN a ser o seu instrumento.

O etnonacionalismo aglomera uma eclética mistura de ideologias que combinam o pensamento nacionalista racial e cultural. Os etnonacionalistas defendem que a raça e a etnia são elementos indispensáveis da identidade nacional. No entanto, e ao contrário do nacionalismo racial, os etnonacionalistas não defendem necessariamente a pureza étnica como um fim em si mesmo, proclamando ao invés que cada etnia tem o seu valor, ainda que devam ser mantidas em separado para cultivarem livremente as suas diferenças.

A linha do MAN é, no fundo, nada mais nada menos que a evolução da doutrina racial da extrema-direita portuguesa. O pluricontinentalismo e o multirracialismo imperiais, correspondentes ao direito de os portugueses se espalharem pelo mundo e não de os povos colonizados se espalhassem por Portugal, foram continuados à luz de uma organização muito mais radical nos meios utilizados. Ou seja, a ideologia continuou a ser a mesma, só evoluiu à luz das condições materiais da vida portuguesa da década de 1980 – passada a ressaca da queda do império e as ilusões de reconquista, a cruzada passou para o solo da metrópole.

Mas nem toda a extrema-direita alinhou com essa nova posição e uma dessas pessoas foi Nuno Rogeiro, hoje comentador na SIC e professor universitário no ISCSP, que na década de 1970 dirigiu a organização juvenil Movimento Nacionalista.

“Alguns grupos periféricos emergentes confundem nacionalismo revolucionário socialmente avançado, politicamente não dogmático e decididamente anti-racista com o cretinismo das visões da supremacia branca de [Jean-Marie] Le Pen, [Ku Klux] Klan e outros. Os nacionalistas portugueses têm de compreender que Portugal foi criado vencendo a barreira racial e não erguendo uma barreira artificial”, escreveu Rogeiro no jornal O Diabo, a 6 de dezembro de 1988, citado por Marchi.

Não foi o único a assumir tal posição. "Fui a uma reunião deles [do MAN], convidaram-me. Já tinha visto na televisão uns disparates e aproveitei para os esclarecer. Tinham todos vinte e poucos anos, ou menos. Pus um rapazinho racista a chorar, demonstrando-lhe que aquilo era tudo um disparate. Ele respondeu-me que ninguém lhes ensinava nada…", disse o velho fascista Florentino Goulart Nogueira, citado por uma reportagem de O Independente, publicada no dia 6 de outubro de 1996, da autoria do jornalista Pedro Marta Santos. "Não tinham base doutrinária nenhuma. Falavam de coisas boas, a Europa da degradação, o nacionalismo, mas depois vinha sempre o disparate do racismo."

A estrutura do MAN

O MAN funcionava com uma compartimentalização rígida em que o seu líder, José Luís Paulo Henriques, assumiu uma grande centralidade, ao ponto de por vezes agir como bloqueio à atividade do movimento. Queria impor a figura de um líder forte e carismático, clássico nas organizações de extrema-direita, e a verdade é que as saídas de membros dos órgãos diretivos foram frequentes até à extinção do MAN, em 1992.

A estrutura do movimento era a seguinte: o Presidente, cargo que Henriques ocupou durante toda a existência do MAN; a comissão política, composta pelo presidente e por outros cinco elementos e responsável pela gestão do movimento; o secretariado, constituído pelos membros da comissão política e por outros sete militantes e cujas funções eram executar as decisões superiores e administrar as finanças do MAN; e, por fim, pelo conselho nacional, composto por membros destes órgãos e representantes locais e regionais, responsáveis por coordenar os esforços do movimento a nível nacional, explicou Marchi.

Inicialmente com poucos membros nas suas fileiras, a liderança do MAN depressa se aliou aos vários grupos de boneheads (skinheads de extrema-direita) que desde o início da década de 1980 tinham surgido nas periferias de Lisboa e do Porto, implantando-se em várias escolas secundárias.

O movimento bonehead, atomizado em vários grupos locais, sempre manteve uma certa desconfiança para com a liderança do MAN, mas essa postura atenuou-se quando, a partir de 1986, alguns dos seus líderes aderiram ao movimento, radicalizando a sua postura ideológica ao endurecer o etnonacionalismo.

O MAN ajudou a organizar o movimento bonehead dando-lhe orientação política estruturada e o primeiro sinal disso foi a publicação da fanzine Combate Branco, em julho de 1987, onde aparecem destacadas as ideias de defesa da “pureza da raça”. Mais tarde, surgiu a neonazi Vento do Norte, onde o MAN convidava os seus membros, principalmente os pertencentes ao movimento bonehead, a oporem-se à democracia liberal e à imigração proveniente de África e da Ásia através de grafitis – "Em Treblinka judeu não brinca”, por exemplo.

Seguiu-se a Ofensiva, em 1990, onde se lutava pelo “repatriamento dos negros, indianos e outros de origem não europeia […] como única hipótese para a sobrevivência da nação, da cultura e da identidade do nosso povo".

Além das já referidas Combate Branco, Ofensiva e da Acção, o universo de publicações do movimento também era composto pela Último Reduto (onde o antissemitismo e o nazismo eram duas das características principais). Sem esquecer a Jovem Revolução, que tinha ligações à grega nacional-socialista Associação Aurora Dourada.

Em 1988 e 1989, o movimento tinha uma forte implantação em Lisboa e Porto, mas também núcleos um pouco por todo o país, se bem que com dimensões diferentes: Braga, Setúbal, Aveiro, Castelo Branco, Faro, Viana do Castelo, Coimbra, Angra do Heroísmo, Évora, Santarém e Viseu.

O MAN desenvolveu relações com uma série de movimentos europeus fascistas, entre os quais os britânicos National Front, British National Party e a International Third Position. Recebia apoios financeiros, diz Marchi, do Partido Nacional-Socialista Alemão (NPD) e colaborava com as espanholas Tercera Vía Solidarista e com a Frente Sindicalista de Juventud, não esquecendo a francesa Troisieme Voi.

A violência nas ruas

O MAN não teve mais de 200 militantes, refere Marchi, mas foi o suficiente para haver violência nas ruas. Os imigrantes, militantes de esquerda e sujeitos racializados foram os principais alvos, principalmente os membros do Partido Socialista Revolucionário (PSR), dado o seu forte pendor antimilitarista com a campanha "Tropa Não". E 1989 foi o ano em que tudo mudou.

A 2 de maio de 1989, o ator João Grosso foi violentamente agredido por sete boneheads perto do bar Oceano, em Lisboa, um local onde a extrema-direita tentava ter presença assídua.

"À porta do bar, os skins estavam a espancar um jovem. Como de costume eles eram seis e o puto era só um. A agressão foi tão violenta que eu achei que alguém o devia ajudar. Tentei protegê-lo e pôr fim ao espancamento, só que em vez disso a vítima passei a ser eu", disse João Grosso na altura ao jornal O Diário. "Não quero que o meu caso seja especulado, e muito menos se torne num acontecimento. Casos idênticos vêm a ocorrer há já muito tempo e muitos outros foram vítimas deste bando."

A escalada de violência não ficou por aí e, na madrugada de 28 de outubro de 1989, um grupo de 15 boneheads assediou a sede do PSR. No decorrer de uma escaramuça, um membro do MAN, Pedro Grilo, esfaqueou mortalmente o militante do PSR José Carvalho, conhecido como Zé da Messa – Grilo foi detido horas depois. Foi a primeira vítima mortal da extrema-direita desde o período revolucionário.

Houve um coro de indignação e condenação transversal a todos os quadrantes políticos contra a violência da extrema-direita. A liderança do MAN instruiu os seus membros a suspenderem temporariamente as ações violentas e a mudarem de visual, por o estilo bonehead (calças de ganga, botas Doc Martin, cabelo rapado) ser identificado pela opinião pública com a extrema-direita violenta. Mas alguns membros opuseram-se e continuaram a agir como bem entendiam.

A violência não parou. Na noite 18 de novembro de 1989, registaram-se mais dois ataques: Francisco Faustino, de origem angolana, foi deixado amarrado a uma linha férrea da estação da Avenida de França, no Porto.  E, a escassos metros da Avenida de França, também no Porto, dois cidadãos galegos foram agredidos com correntes metálicas, garrafas e uma barra de ferro por 16 boneheads nas casas de banho do Parque Itália, pequeno centro comercial na Rua Júlio Dinis, local que os boneheads costumavam frequentar.

O Tribunal Correcional do Porto acabou por absolver 13 dos 16 arguidos por falta de provas. E a juíza fez questão de salientar, citada pelo Diário de Notícias: “Não se provou que tenham sido autores das agressões, mas também não ficou provado que estejam inocentes”.

A Procuradoria-Geral da República instruiu a Polícia Judiciária a investigar o mundo da extrema-direita com o objetivo de determinar o tamanho do movimento bonehead no país e clarificar as suas ligações ao MAN. Os inspetores puseram os telefones de dirigentes do movimento sob escuta e, mais tarde, foram autorizados pelo poder judicial a interrogá-los e a levarem a cabo buscas em casa de alguns membros do MAN.

Em junho de 1992, a Procuradoria-Geral da República considerou ter provas suficientes para solicitar ao Tribunal Constitucional a extinção do MAN, por defender ideias fascistas e racistas e procurar o derrube da democracia, características inconstitucionais.

O MAN já estava de rastos. As divergências internas aprofundaram-se e o seu auge havia sido uma rixa num jantar no Porto, em dezembro de 1989. A liderança do MAN decidiu dissolver a associação em 1992.

Quando chegou a vez de o Tribunal Constitucional deliberar sobre a dissolução pedida pela PGR, o órgão optou por não se pronunciar. Alegando no acórdão 94-017 não precisar de lhe dar resposta uma vez que o MAN já se tinha dissolvido, o TC argumentou que carecia de “objeto já que a providência judiciária que com ela se visava essencialmente obter (o decretamento da extinção da determinada organização) deixou de ter sentido”.

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Elementos do MAN a fazerem a saudação nazi
Elementos do MAN fazem a saudação nazi. Fonte: Arquivo RTP

“Com efeito, provado esse facto [o da autodissolução], e provado que ele ocorreu antes de instaurada a presente acção, segue-se que, em boa verdade, esta carece de objeto já que a providência judiciária que com ela se visava essencialmente obter (o decretamento da extinção de determinada organização) deixa de ter sentido”.

O movimento bonehead não desapareceu, mas perdeu um ponto de convergência e voltou a atomizar-se. Houve elementos do MAN que não viram com bons olhos a autodissolução da associação e, por isso, criaram a efémera Frente de Defesa Nacional em 1991. Não tinha uma grande base de apoio e a nova força política ligou-se sobretudo às claques do Benfica, Porto e Sporting, adotando uma subcultura hooligan vista noutros países, principalmente no Reino Unido.

O uso da violência que marcou o MAN continuou com a Frente de Defesa Nacional e, a 10 de junho de 1995, a extrema-direita voltou a fazer mais uma vítima mortal: Alcindo Monteiro, numa rua do Bairro Alto, em Lisboa.

Boneheads de Lisboa, Porto, Matosinhos, Almada, Carcavelos, Sintra, Olivais, Loures e Corroios reuniram-se no restaurante O Ribeiro, em Cacilhas, e de lá partiram para o bar O Minhoto, no Bairro Alto, habitualmente frequentado por boneheads. Estavam a celebrar o “Dia de Portugal e da Raça” e começaram a fazer caçadas no histórico bairro lisboeta, espancaram uma dezena de pessoas e assassinaram Monteiro.

Ter-se-ia de esperar até ao início do século XXI para surgirem em Portugal novas organizações de boneheads estruturadas e com ligações internacionais, como os Portugal Hammer Skins e os Blood & Honour.

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