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Sedes do neoliberalismo

A SEDES quer atacar o salário indireto promovendo as catastróficas receitas neoliberais para a segurança social. Quer entregar rendimentos à voragem do capital financeiro dos Rendeiros e Salgados desta desgraçada vida, tornando os trabalhadores ainda mais vulneráveis. 

Crónica 74
25 Agosto 2022

Filha das ilusões tecnopolíticas da “primavera marcelista”, a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES), fundada em 1970, é “herdeira ética de Sá Carneiro”, para usar a fórmula do seu atual presidente, Álvaro Beleza. Ou seja, é herdeira do liberalismo que sempre preferiu evoluções pouco democráticas a revoluções democráticas. É hoje uma das sedes do neoliberalismo.

O anúncio de um estudo coordenado por Abel Mateus, economista consistentemente neoliberal desde os anos 1970, e por Álvaro Beleza, médico de direita que milita no P sem S e consistentemente peneirento, confirma esta hipótese. Os que apoiaram entusiasticamente a adesão a um euro indissociável de vinte anos de estagnação prometem agora “duplicar” o PIB em vinte anos, repetindo a receita de austeridade recessiva da Troika e das regras europeias por reformar, responsáveis por uma taxa de desemprego que chegou a atingir, em 2013, o dobro do máximo histórico antes do euro.

Naturalmente, alertam que serão necessários “sacrifícios no curto prazo”. Perante as suas propostas, em particular na crucial área laboral ou da segurança social, é caso para dizer que os sacrifícios serão feitos pelos mesmos de sempre no curto, médio e longo prazos, até estarmos todos mortos.

De facto, à boleia da ideia de que “o mercado de trabalho é rígido e pouco flexível”, defendem a continuação da sua “liberalização”. Traduzamos: rigidez é tudo o que concede direitos a quem é compelido a vender a sua força de trabalho, criando tudo o que tem valor, conferindo obrigações a quem compra a força de trabalho; flexibilidade é tudo o que outorga direitos aos patrões e obrigações aos trabalhadores; liberalização é a transferência de direitos e, logo, de rendimentos, de baixo para cima, e de obrigações de cima para baixo.

Desde o cavaquismo, de formas às vezes subtis e outras vezes explícitas, a “liberalização” tem sido a tendência. A Troika acelerou este processo. O resultado é uma economia de baixa pressão salarial, com freios e contrapesos sindicais enfraquecidos, onde diminuem os incentivos à negociação coletiva e ao investimento empresarial em ganhos de produtividade, e aumenta a tendência para um medíocre despotismo patronal. O resultado bem material é uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital, que este ano arrisca a ser maior do que no pior da Troika: 7,5% do rendimento, até ver.

Para lá de continuar a atingir o salário direto, a SEDES pretende atacar o salário indireto, promovendo as já testadas, com resultados catastróficos, receitas neoliberais para a segurança social, transformando uma parte do sistema de pensões por repartição num sistema por capitalização. Ou seja, querem entregar rendimentos à voragem do capital financeiro dos Rendeiros e Salgados desta desgraçada vida, tornando os trabalhadores ainda mais vulneráveis.

Como acontece com a ideologia neoliberal desde que é dominante, a privatização da segurança social ou a continuação da subsidiação do capitalismo da doença que ameaça o Serviço Nacional de Saúde é apresentada como uma superação de posições “ideológicas”. Nada há de mais ideológico do que assegurar ganhos para os mesmos de sempre. É assim também com a promessa da redução da carga fiscal, na realidade continuadamente abaixo da média europeia, quando o problema é mais o da sua regressiva distribuição, como está à vista nos lucros extraordinários de grandes empresas por taxar.

Num país onde o investimento e o emprego públicos estão bem abaixo da média dos países desenvolvidos, a SEDES pretende acentuar um decadente estado de coisas, quando todos os desafios societais, das alterações climáticas ao combate às assimetrias socio-territoriais, exigem mais e melhor ação coletiva.

Aqui chegados, devemos perguntar: porquê a insistência nestas ideias tão funestas? Para lá dos interesses que são por elas servidos, é preciso lembrar que o quadro da União Europeia, em geral, e da zona euro, em particular, as favorece estruturalmente, dada a perda de instrumentos de política à escala nacional desde os anos noventa. Sem política orçamental, monetária, cambial ou industrial, sem controlo público de setores estratégicos, as sedes do neoliberalismo continuarão a florescer.

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