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Índice de Liberdade Alcoólica

Vivemos numa época de ouro de think tanks independentes™ e apartidários™  que nos presenteiam com estudos, gráficos e rankings para todos os gostos. O único pré-requisito para se criar um é dinheiro. Um deles é o +Liberal, perdão + Liberdade.

Crónica 74
1 Dezembro 2022

Graças a uma parceria com o think tank independente™ e apartidário™ +Álcool e do Portuguese Wine Sellers’ Foundation for Social Drinking tenho o orgulho de apresentar o mais importante ranking económico de países, o Índice de Liberdade Alcoólica!

O Índice de Liberdade Alcoólica usa uma metodologia revolucionária que, atribuindo pontuações altamente científicas ao PIB per Capita e ao Álcool Consumido per Capita*, nos mostra que os países mais ricos coincidem com aqueles que mais álcool consomem.

Como podemos ver, o país onde há mais Liberdade Alcoólica temos países desenvolvidos como o Luxemburgo, a Irlanda, a Suíça e a Alemanha, com Portugal num respeitável 23º lugar em 187. Nos lugares do fundo, temos países como o Iémen, o Afeganistão e a Síria, cujos problemas económicos podemos atribuir exclusivamente ao fraco consumo de álcool.

Se queremos melhorar o nosso posicionamento neste ranking altamente científico e reputado internacionalmente, temos de seguir as recomendações da Portuguese Wine Sellers’ Foundation for Social Drinking e beber mais álcool. Cada hora, cada situação em que não estamos a beber está a pôr este país na cauda da Europa. Claro que o Estado deve incentivar o consumo baixando impostos sobre bebidas alcoólicas e com subsídios à produção das mesmas. Claro que não devemos esquecer as nossas obrigações sociais e garantir que todos os portugueses, independentemente dos seus rendimentos, idade ou nível de gravidez tenham acesso a álcool.

Mas tal como na ida à lua ou na segunda guerra mundial, cabe a todos nós fazer um esforço e incluir bebida onde conseguirmos: com a família, na rua, sozinhos em casa, ao acordar e antes de dormir, no trabalho, a conduzir, onde conseguirmos.**

Afinal, temos de conseguir ultrapassar a Moldávia.

Este ranking e este think tank independente™ e apartidário™ não são os únicos que têm aparecido e tido destaque no espaço público ultimamente.

Vivemos numa época de ouro de think tanks independentes™ e apartidários™ que nos presenteiam com estudos, gráficos e rankings para todos os gostos (e carteiras). Podemos imaginar vários motivos benignos para se constituir um, afinal qualquer pessoa (que tenha dinheiro) pode financiar um para desenvolver estudos e soluções que analisem e proponham a resolver os problemas da sociedade. Já que o único pré-requisito para se criar um think tank é dinheiro, acaba por ser natural estes think tanks representarem os interesses de quem tem dinheiro.

Os mais infames think tanks - ou pelo menos aqueles que eu, viciado na política americana primeiro tive contacto - são nomes como Heritage Foundation e CATO Institute e Mises Institute. São conhecidos por propagar negacionismo climático, espalhar teorias sobre fraude eleitoral nos EUA, propaganda anti-trans, alertar para os perigos do feminismo e multiculturalismo e, claro, propagar o evangelho dos impostos baixos e da desregulação.

Nunca insinuaria que apenas defendem estas políticas porque por acaso são financiados por bilionários como os irmãos Koch, cuja família enriqueceu com a extração de petróleo (o CATO Institute antes chamava-se Charles Koch Foundation). Nunca insinuaria que o Heritage Foundation foi criado pelo Joseph Coors (das cervejas) e teve membros de empresas como Chase Manhattan Bank, Dow Chemical, General Motors, Pfizer, Sears and Mobil. Ou que o Mises Institute foi financiado pelo ex-candidato a candidato presidencial republicano Ron Paul.

O importante é que estes think tanks independentes™ e apartidários™ chegaram a Portugal com um rebranding do think tank independente™ e apartidário™ +Liberal, perdão +Liberdade (que definitivamente não tem qualquer ligação à Iniciativa Liberal, excepto pelos seus membros, dirigentes e fundadores, uma coincidência, certamente).

Uma das ferramentas de propaganda mais divulgadas é o “Índice de Liberdade Económica” do Heritage (que devemos lembrar é um think tank financiado por grandes empresas americanas para propagar valores conservadores e impostos baixos para ricos).

Neste Índice de Liberdade Económica, a metodologia passa por pegar em alhos (se a dívida pública é baixa, se os impostos sobre empresas e ricos são baixos, se é fácil despedir) com bugalhos (percepção de corrupção, se há controlos de preços, se a justiça favorece proprietários), dar-lhes valores arbitrários e depois fazer um ranking onde os mais “LIVRES” estão em cima e os “MENOS LIVRES” estão em baixo. Sendo que os países “LIVRES” coincidentemente são aqueles que têm as políticas de impostos baixos e pouca regulação.

Ora, Portugal segundo este ranking é mais livre que a Bélgica, a Polónia, Espanha, França e Itália, mas menos livre que Singapura e Taiwan (dois países conhecidos pela sua democracia), Barbados e, claro, Irlanda, o paraíso fiscal que é a coqueluche liberal atual (até se virarem contra eles como se viraram contra o Reino Unido de Liz Truss).

Mais irónico ainda é que países como a Dinamarca, Suécia, Islândia, Noruega e Finlândia estão acima de Portugal. Países que têm mais presença do Estado na economia, mais funcionários públicos, mais trabalhadores sindicalizados que Portugal são, aparentemente, mais livres economicamente.

Parte importante é que os Estados Unidos da América, esse bastião da liberdade económica, não estão em primeiro. Ora, este é um ranking feito em primeiro lugar para afectar a política americana, para baixar impostos e regulações nos EUA. Se eles já estivessem em primeiro não era preciso mudar nada. Assim apela ao espírito competitivo americano para lutar pelo primeiro lugar de país mais livre economicamente.

Tal como o Índice de Liberdade Alcoólica, este índice começa pela conclusão (que certas políticas, que por acaso beneficiam os mais ricos e grandes empresas, trazem prosperidade) e depois tenta “prová-lo” misturando - com valores absolutamente arbitrários - características que países mais ricos têm com as características que querem para os Estados Unidos. O truque é velho - tentar confundir correlação com causalidade - mas ainda apanha uns quantos na rede. Se acreditam em “liberdade económica”, talvez tenham levado demasiado a sério o meu conselho de beber mais.

*Dados do PIB per Capita do World Bank (2022) e do álcool consumido da World Health Organization (2016). A fórmula para o ranking consiste em atribuir um valor de 100 ao consumo máximo de álcool (15.2 litros per capita) e 100 a 4x o PIB per Capita Médio (12262.93$) e depois atribuir uma pontuação relativa a cada país que junta esta primeira pontuação de “Prosperidade” + “Felicidade Alcoólica", que, juntos, dão o Índice de Liberdade Alcoólica.

**Por motivos legais quero lembrar que isto é um texto satírico, bebam com moderação e pelamordedeus não bebam se forem conduzir ou se estiverem grávidas. Mas se precisam deste aviso, acho que têm outros problemas piores.

O autor escreve consoante o Acordo Ortográfico de 1990, porque o pai, e cito, “não quer que ele escreva como o Salazar”.

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