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Imigrantes em Portugal: Chega de desinformação

Todos os que aqui vivem e trabalham, nascidos ou não em Portugal, devem ter os mesmos direitos, de um salário decente a um vínculo laboral estável, passando pela negociação coletiva. Não nos esqueçamos que o Chega de Ventura quer dividir para que os patrões mais medíocres reinem. Afinal de contas, ele foi uma criatura de Passos Coelho.

Crónica 74
29 Dezembro 2022

O discurso anti-imigração do Chega de André Ventura, deliberadamente racista e xenófobo, constitui um dos seus principais instrumentos na mobilização eleitoral do descontentamento e do mal-estar, procurando propagar a ideia falsa segundo a qual os imigrantes que vivem e trabalham em Portugal constituem um fardo para os contribuintes e, em particular, para a Segurança Social.

Em julho passado, por exemplo, na Assembleia da República, Ventura referia-se à imigração como o "venham de qualquer maneira, venham que nós temos cá subsídios para vos dar enquanto não temos para dar aos que cá precisam, verdadeiramente, de subsídios (...). Venham cobrar que salários venham, venham haja emprego ou não haja, que a economia portuguesa está cá para vos sustentar. Triste país este, que não consegue sustentar os seus, mas quer sustentar com subsídios os que vêm de fora".

Sucede, porém, que os imigrantes são, desde há muito, contribuintes líquidos da Segurança Social. Isto é, as suas contribuições superam – cada vez mais, aliás – aquilo que recebem em apoios sociais. Segundo o mais recente relatório do Observatório das Migrações (OM), relativo a 2021, o saldo entre contribuições efetuadas e prestações sociais recebidas atingiu os 968 milhões de euros, o valor mais elevado de sempre.

População estrangeira: Saldo entre contribuições e prestações sociais em milhões de euros (2010-2021)

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Gráfico Nuno Serra

Quer isto dizer que, para lá do contributo da imigração para contrariar o défice demográfico, importa considerar o seu papel, igualmente positivo, para o equilíbrio da Segurança Social. Neste sentido, assinale-se, acrescidamente, que o peso relativo do número de contribuintes no total da respetiva população é superior no caso dos imigrantes (68% versus 46%), sendo que a percentagem de beneficiários de prestações sociais, no total de contribuintes, é inferior no caso da população estrangeira (50% versus 77%). Ou seja, não é de todo verdade que a economia portuguesa anda a sustentar, com subsídios, "os que vêm de fora", como pretende fazer crer o Chega de André Ventura.

Mas é também por tudo isto que há ainda muito a fazer no campo da integração e da inclusão económica e social das comunidades imigrantes, que respondem, sobretudo, à procura de trabalho não qualificado nos setores mais precários, mal pagos e mais duros e perigosos, como a construção civil, a agricultura, a hotelaria e restauração e os serviços domésticos. De facto, segundo os dados mais recentes do OM, o peso relativo dos trabalhadores não qualificados no universo da mão-de-obra estrangeira (30%) quase triplica a proporção destes trabalhadores no universo da mão-de-obra nacional (13%).

Por outro lado, em 2021, o risco de pobreza continua a atingir de forma muito mais acentuada os cidadãos imigrantes extracomunitários, com a respetiva taxa a atingir os 37%, bem acima do valor registado em 2021 no caso de cidadãos nacionais, a rondar os 22%. Diferença que se mantém, também em 2021, ao nível da privação material, que afetava 23% dos estrangeiros extracomunitários (14% no caso de cidadãos nacionais), e ao nível da privação material severa (que afetava, em 2020, 8,3% dos imigrantes extracomunitários, quase o dobro dos 4,7% registados no universo de cidadãos nacionais).

Aos benefícios da imigração para o nosso país devem por isso corresponder, cada vez mais, as devidas condições de acolhimento e de trabalho digno, por forma a que os imigrantes não possam ser usados como instrumento de "desvalorização salarial de todos os trabalhadores que laboram no nosso país", como alertou Manuel Carvalho da Silva num artigo de dezembro de 2021 que se mantém atual. No fundo, é simples: todos os que aqui vivem e trabalham, nascidos em Portugal ou não, devem ter os mesmos direitos, de um salário decente a um vínculo laboral estável, passando pela negociação coletiva. Não nos esqueçamos que o Chega de Ventura quer dividir para que os patrões mais medíocres reinem. Afinal de contas, ele foi uma criatura de Passos Coelho.

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