Dor com humor se afaga? O lado Tabu da história
Colecciono muitas perguntas sem resposta, mas reconheço – com todas as reservas que o programa me suscita – que este “Tabu” me faz reflectir. Não é genial, mas pelo menos não é vulgar.
A novidade encontrou-me há um par de semanas, num rotineiro entra-e-sai de redes sociais. Na altura retive isto: vem aí um programa de TV que se propõe desafiar limites, misturando stand-up comedy com preconceitos.
Para uma pessoa como eu, a quem esse tipo de ‘cocktail’ sempre caiu mal, conservar-me bem longe do seu alcance tornou-se a melhor opção.
Mas, desde que o meu mundo profissional passou a incluir produção televisiva – focada justamente nessa urgente missão de combater múltiplas formas de discriminação –, passei a ter de me programar para conhecer o que se vai fazendo nesta rente.
Foi assim que o programa Tabu entrou para a minha agenda, e com ele várias novas conversas sobre as fronteiras do humor.
Esses limites existem? Devem existir? Quem tem a autoridade para os definir? E a legitimidade?
A minha mente vagueia, e, nessa viagem, o meu subconsciente tornado consciente faz escala no mapa cor-de-rosa.
Para que servem as fronteiras? A quem servem? Quem possui o poder de as definir e redefinir?
As respostas – ou tentativas de – conduzem-me ao encontro daqueles cujas existências não estão ameaçadas pelas compressões que impõem.
Quem se está a rir?
Lembra-me um amigo que toda a comédia é feita “às custas” de alguém, e regresso à novidade televisiva.
“O novo programa de Bruno Nogueira faz comédia com raça, deficiência, peso, saúde mental”, antecipava o Público na semana passada, a escassos dias da estreia de Tabu, a mais recente aposta de humor da SIC.
O formato, adaptado de um conceito belga, estreou-se no último sábado, e com ele chegaram-me múltiplos ecos de aclamação.
De “fenomenal” a “genial”, passando por “revolucionário” e “imperdível”, Tabu entusiasmou as redes à minha volta, mas nem um sorriso amarelo me conseguiu arrancar.
Gostei de conhecer cada uma das histórias apresentadas; gostei da forma consciente, empática e descontraída como as conversas foram conduzidas; e gostei sobretudo de ver quatro pessoas com deficiência a partilharem as suas lutas e conquistas na televisão – e em horário nobre – sem sentir que estavam a sufocar com o peso de sensacionalismos. “Só” não achei piada nenhuma ao espectáculo de stand-up.
Era suposto?
“O único propósito que temos é que aquelas quatro pessoas e sua família achem piada. É o acordo de cavalheiros que fizemos com eles: fazê-los rir sobre a condição deles. Se não os fizer rir, tira-se. Se fizer, segue para o ar”, explica Bruno Nogueira em entrevista ao Público, dias antes da estreia.
Não sei quanto do espectáculo ficou de fora, mas a avaliar pelas reacções dos quatro convidados – que riram a bandeiras despregadas – a estreia de Tabu foi um sucesso.
Seria sem a ligação construída ao longo de dias, entre os convidados, e também com o humorista? Haveria risos sem a proximidade criada antes do espectáculo? Achariam graça às piadas?
Duvido. Mas leio que, aos olhos de alguns, o facto de quatro pessoas com deficiência se conseguirem rir da sua condição valida a ideia de que o humor ameniza todas as situações – até as mais dramáticas – e de que vale tudo no campeonato do humor.
Só que não. Não vale. E é o próprio Bruno Nogueira quem traça as suas fronteiras. “O humor é para fazer rir. Se não faz rir e é só ofensivo, não é humor. A regra é muito simples”, disse em entrevista ao Público.
Tabu não me fez rir. Também não me ofendeu nem me deixou indignada. Estaria a escrever o mesmo se o tema fosse o racismo?
Colecciono muitas perguntas sem resposta, mas reconheço – com todas as reservas que o programa me suscita – que este Tabu me faz reflectir. Pode não ser esse o propósito, mas é bem mais do que a maioria dos conteúdos apresentados na televisão generalista tem conseguido fazer. Não é genial, mas pelo menos não é vulgar.
A autora escreve consoante o antigo Acordo Ortográfico.